Símbolo de resistência democrática, Casa da Amizade Brasileira-Uruguaia comemora 40 anos

Uma celebração marcou, na noite desta terça-feira (25), no Clube de Cultura, em Porto Alegre, os 40 anos da criação de um espaço que simboliza a resistência democrática durante a ditadura no Uruguai: a Casa da Amizade Brasileira-Uruguaia. À época, uruguaios exilados na capital gaúcha, forçados a deixar seu país pela ditadura cívico-militar, encontraram neste lugar uma forma de enfrentar o regime opressor, promovendo a solidariedade entre brasileiros e uruguaios.

O evento, realizado no local histórico onde as reuniões aconteciam, contou com depoimentos emocionantes de protagonistas que viveram aquele período, além de música e apresentações artísticas. Organizado com o apoio de diversas entidades, o encontro relembrou como essa convivência solidária salvou vidas e, mais tarde, ajudou a reconquistar a democracia. Os participantes ressaltaram que, mesmo após quatro décadas, a luta pelos direitos hmanos, democracia e o Estado de direito permanece uma exigência constante e uma batalha que continua.


A celebração contou com depoimentos emocionantes de protagonistas que viveram aquele período, além de música e apresentações artísticas / Foto: Jorge Leão

“É importante que a sociedade brasileira revisite a sua memória permanentemente. A história sempre será motivo de disputa entre vencedores e vencidos, entre burocratas e suas vítimas. Em um período recente, tivemos estados autoritários dirigidos por militares e civis cúmplices em interromper processos democráticos”, afirmou Gustavo de Mello, um dos organizadores do aniversário de 40 anos da Amizade Brasileira Uruguaia.


“Aqui [os uruguaios] tentaram viver, trabalhar, sobreviver. Alguns foram vítimas de sequestro”, relatou Mello / Foto: Jorge Leão

Ele relembrou o contexto de estados autoritários na América Latina, governados tanto por militares quanto por civis cúmplices, que interromperam processos democráticos. “O Uruguai tinha uma tradição importante de democracia, mas também conviveu com paramilitares e grupos fascistas, especialmente nos anos 60, que atacavam sindicalistas e militantes de esquerda”, afirmou.

Mello destacou episódios de violência no período, como o caso de Soledad Barreiro, que foi atacada com navalhas, e lembrou que a repressão culminou na ditadura de 1973, levando milhares de uruguaios ao exílio, muitos dos quais se refugiaram no Rio Grande do Sul, São Paulo e outras partes do Brasil. “Aqui tentaram viver, trabalhar, sobreviver. Alguns foram vítimas de sequestro”, relatou.

Segundo Mello, os uruguaios se reuniram no Instituto dos Arquitetos do Brasil para criar um instrumento de resistência cultural e social, com apoio de membros de diferentes correntes políticas. “Esse processo de resistência, embora vitorioso, nos mostrou que a democracia não está imune a novas ameaças. Pensávamos que nunca mais seria interrompida, mas hoje a democracia está sendo assediada por aqueles que misturam temas individuais com políticas públicas, interditando debates e até os corpos das pessoas.”

As Conexões Repressivas

Ananda Simões Fernandes, doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro que ganhou o Prêmio de Melhor Tese, esteve presente no evento. “A tese, As Conexões Repressivas, entre os órgãos de informação das ditaduras brasileira e uruguaia, 73-85, agora transformada em livro, trata principalmente do intercâmbio entre os órgãos de informação e segurança dos dois países, e de como a produção de informação se dava por meio do medo, criando uma cultura de medo em toda a população durante as ditaduras de segurança nacional”, explicou Ananda.


“É com o apoio dos povos que conseguimos avançar na democracia e combater os perigos da extrema-direita”, friou Ananda / Foto: Jorge Leão

Ela destacou ainda que sua análise mostra como as ditaduras do Brasil e do Uruguai desconheciam fronteiras nacionais, corrompendo-as por meio de diversos aparatos repressivos, como a polícia política, a diplomacia e centros clandestinos. “Muito se fala da Operação Condor, que foi o ápice dessa coordenação repressiva, mas desde 1964, com o golpe no Brasil, o país já atuava na região, influenciando outras nações a se tornarem ditaduras de segurança nacional. Além disso, monitorava brasileiros no exterior e qualquer grupo ou pessoa que pudesse se opor à ditadura brasileira ou ameaçar a pretensão do Brasil de ser o grande bastião dos valores cristãos ocidentais na região”, ressaltou.

Ananda também frisou a importância de celebrar a solidariedade entre os povos, tanto em períodos autoritários quanto democráticos. “É com o apoio dos povos que conseguimos avançar na democracia e combater os perigos da extrema-direita. Celebrar eventos como este, no Clube de Cultura, um local de resistência à ditadura, e os 40 anos da Casa de Amizade Brasil-Uruguai é essencial para lembrarmos o que foi a ditadura, para que ela nunca mais ocorra”, concluiu.


Ananda Simões Fernandes é doutora em História pela UFRGS e autora do livro que ganhou o Prêmio de Melhor Tese / Foto: Jorge Leão

Uma luta permanente

Para os participantes, os 40 anos da Casa da Amizade Brasileira-Uruguaia representa a luta por Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito que continua se impondo como uma exigência de permanente luta política. 

“Para mim, pareceu muito simpática a ideia de se reunir novamente depois de tantos anos”, afirmou Edgardo Renato Prado Rivero, de 84 anos, ao recordar a época da Casa da Amizade. Ele relatou que houve um período em que começou a se formar uma espécie de diáspora entre os membros do grupo, talvez porque a motivação inicial, que criou a Casa da Missão, surgiu quando os militares ainda estavam no poder no Uruguai.

“O povo uruguaio, tanto dentro quanto fora do país, sempre foi muito apegado à democracia. Então, quando percebemos, alguns de nós, que haveria a possibilidade de um plebiscito para a abertura democrática, ou seja, o retorno do direito ao voto, fui convidado e comecei a participar ativamente”, lembrou.


“Era bonito a participação, o entusiasmo. A gente saía daqui com a sensação de que íamos salvar a pátria”, relembrou Edgardo / Foto: Jorge Leão

Rivero destacou o entusiasmo daquele período, em que se uniam esforços para arrecadar dinheiro. “Eu participei tanto que, numa época, me deram a responsabilidade sobre o cofre. Eu era o responsável pelo tutu”, contou, com orgulho. “Era bonito a participação, o entusiasmo. A gente saía daqui com a sensação de que íamos salvar a pátria. Agora, é lindo recordar e, mais ainda, tentar se reunir com os antigos participantes.”

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

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