Pedro Carvalhaes: Lula, Zanin no STF e a arte do possível
Lula, Zanin e a arte do possível
Por Pedro Carvalhaes*, especial para o Viomundo
Nos últimos dias, esquentou a discussão sobre quem o presidente Lula indicará para o posto do ministro Ricardo Lewandowski, que, em maio, ao completar 75 anos, se aposenta compulsoriamente do Supremo Tribunal Federal (STF).
O assunto tem ocupado cada vez mais espaço na mídia corporativa.
E não é para menos. Em tempos de guerra cultural, com os grupos extremistas tentando de todas as formas sabotar a democracia por dentro (no Brasil, assim como EUA, Hungria e Israel), a Suprema Corte dos países assume função estratégica.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as três nomeações de Donald Trump — os juízes Brett Kavanaugh, Neil Gorsuch e Amy Cony Barrett — tiveram impacto na corte constitucional americana, levando-a a adotar uma postura mais conservadora. Abriu as portas, por exemplo, para que estados governados por conservadores proibissem o aborto.
Tentativa conservadora de subverter o sistema legal acontece também em Israel, apesar do país não possuir Constituição. Por lá, democráticos protestam contra as tentativas do premiê Benjamin Netanyahu de transformar o Knesset (assembleia legislativa unicameral de Israel) numa espécie de Poder Moderador, imune ao controle do Judiciário.
A medida, se concretizada, aproximaria o país das chamadas “democracias iliberais”, enterrando de vez o mito do Estado de Israel como a única democracia médio-oriental.
No Brasil, o STF é a instituição guardiã da nossa Constituição. Suas decisões podem mudar a leitura de certos pontos da própria Carta Magna.
Em 2022, ao se manter fiel aos ditames constitucionais (ao contrário que fez no golpe de 2016 e na prisão política de Lula, em 2018), o STF podou os instintos autocráticos bolsonaristas.
Caso reeleito, é certo que Bolsonaro indicaria para o STF outros magistrados com o seu perfil ideológico para o STF, e a Constituição de 1988 provavelmente se tornaria letra morta.
Em outras palavras: o Estado Democrático de Direito brasileiro morreria por dentro, sem necessidade de uma insurreição golpista como a de 8 de janeiro de 2023.
O terceiro mandato de Lula marca, na prática, uma espécie de nova redemocratização do Brasil.
Afinal, tanto a presidência de Temer quanto a de Bolsonaro só se deram, respectivamente, pelo golpe jurídico-parlamentar-midiático que derrubou a presidenta Dilma, em 2016, e pela ação do STF que impediu Lula de se candidatar, em 2018.
Os últimos anos provaram que a burguesia nacional, em conluio com o imperialismo norte-americano, está disposta a tudo para valer seus interesses, ainda que às custas da própria institucionalidade do País.
É nesse cenário que Lula tem a missão de indicar o substituto para a vaga de Lewandowski no STF.
Como todo gato escaldado, Lula tem medo de “água fria”.
Lula sabe a cooptação do seu indicado ao STF pela plutocracia é uma possibilidade, a exemplo do que ocorreu com outros ministros indicados pelos governos do PT, com destaque para Dias Toffoli.
Assim, suponho eu, Lula procura um nome de sua absoluta confiança. Alguém que, mesmo não sendo petista, tenha princípios éticos suficientes para não se levar pelo canto de sereia da burguesia, tão logo ela decida fazer jogo sujo para impedir o projeto popular do PT.
É, aí, que entra o advogado Cristiano Zanin. Ele ajudou a desmascarar o lawfare da Lava Jato, contribuindo para pavimentar o caminho de Lula ao Planalto.
Suponho que nenhum outro jurista goza de semelhante grau de confiança de Lula.
(Vale relembrar, aliás, que José Eduardo Cardozo, petista e ex-ministro da Justiça de Dilma, acabou fazendo vista grossa para os desmandos da Lava Jato. Dizem que foi dele a garantia de que Lula seria solto em “uma semana”, caso se entregasse à Polícia Federal, por ocasião de sua prisão política. Uma semana que durou 580 dias!)
Depois de tudo o que viveu, Lula, sendo um animal político de enorme astúcia, compreende os perigos da democracia liberal burguesa à brasileira. E, naturalmente, procurará utilizar as armas disponíveis para evitar que o excesso de zelo no cumprimento das regras favoreça seus adversários.
Essa nova postura de Lula começou a se mostrar na campanha de 2022,quando o petista não se comprometeu, por exemplo, a respeitar a lista tríplice para a futura indicação do novo Procurador Geral da República.
Evidentemente, indicar o próprio advogado ao STF, ainda que seja uma ação legal, não seria a mais republicana.
Mesmo que Zanin, como ministro, aja na mais absoluta observância dos preceitos constitucionais, ele terá sobre si a sombra de ter sido advogado do presidente Lula.
(Ademais, diriam alguns, se perderia a oportunidade de indicar uma mulher, um negro ou uma mulher negra, indo ao encontro dos anseios das alas identitárias da esquerda, embora não sejam nulos os riscos de se gerar um novo Joaquim Barbosa, precursor do morismo em sua atuação no caso da farsa do Mensalão)
Como diz o velho adágio, “a mulher de César não deve apenas ser honesta, mas também parecer honesta”.
Lula sabe disso tudo, mas também sabe que a política, como dizia o estadista prussiano Otto Von Bismarck, “é a arte do possível”.
Assim, mesmo que a eventual indicação de Cristiano Zanin para o Supremo não possa ser aplaudida, é fato que, depois de tudo o que o petista e o Estado Democrático de Direito passaram com a Lava Jato, ela tampouco possa ser vaiada.
*Pedro Carvalhaes, graduado em Direito pela UFMG, é roteirista.
Publicação de: Viomundo