Governo Bolsonaro mentiu à ONU sobre ianomâmis
Foto: Lalo de Almeida/Folhapress
O governo de Jair Bolsonaro tentou camuflar a crise envolvendo os povos indígenas e, em especial, a situação dos yanomamis. Em uma reunião em novembro em Genebra, uma delegação de diferentes ministérios do governo federal omitiu o drama humanitário que populações inteiras viviam e apresentou dados de uma administração que estaria garantindo atendimento, saúde, alimentos e direitos aos povos tradicionais.
A realidade apresentada aos peritos internacionais se contrasta com a situação vivida por povos tradicionais. A versão do governo não prevaleceu e, ao final do encontro, o órgão se declarou alarmado com a situação do povo yanomami. Os peritos cobraram explicações e detalhes por parte do governo. Mas ficaram sem respostas.
Segundo fontes do atual governo brasileiro, a crise de desabastecimento em Roraima já acontecia, enquanto a versão oficial dos representantes de Brasília era de que os povos indígenas estavam sendo atendidos.
A reunião começou no dia 16 de novembro de 2022, na sede das Nações Unidas. Apesar de Bolsonaro já ter sido derrotado nas eleições, o governo federal enviou para a Suíça uma ampla delegação composta por representantes do Itamaraty, Ministério da Justiça, Direitos Humanos, Educação, Funai e outros.
A missão estava sendo liderada por Cristiane Britto, ministra de Direitos Humanos. Na ocasião, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial examinaria o caso específico do Brasil.
Os peritos tinham recebido denúncias e questionaram o governo de forma explícita sobre a crise humanitária, principalmente no que se refere às questões de saúde de indígenas e de forma clara sobre a proteção do povo yanomami.
Em minutas da reunião, fica evidenciado o esforço do governo Bolsonaro de apresentar à comunidade internacional um cenário distante da realidade.
De acordo com o relato da reunião, mantido em documentos pela ONU, essas foram as mensagens do governo aos peritos internacionais:
“A FUNAI que tinha filiais em todo o país, era responsável pela proteção dos direitos dos Povos Indígenas e pela prestação de serviços a aproximadamente um milhão de pessoas indígenas.
Os muitos avanços alcançados nos últimos quatro anos incluíram o fortalecimento da proteção aos Povos Indígenas, incluindo grupos indígenas isolados e recentemente contatados, a inspeção aprimorada das terras indígenas, e a promoção da auto-suficiência e geração de renda nas aldeias indígenas.
No campo da educação, a legislação estava em vigor há quase 20 anos, estabelecendo a obrigação de incluir o estudo das culturas indígenas e afro-brasileiras nos currículos de educação básica. O governo federal promoveu o treinamento contínuo de professores nessa área.
Em 2022, a Política Nacional para a Saúde dos Povos Indígenas havia sido acrescentada ao Sistema Único de Saúde. A política reconheceu a eficácia das práticas e sistemas tradicionais de saúde indígena e adotou um modelo complementar, através do qual o cuidado com a saúde era prestado aos povos indígenas sem sacrificar seus costumes e tradições.
O Governo Federal também havia introduzido o Programa Nacional de Acesso à Água Potável nas Terras Indígenas em 2022, cujos objetivos incluíam o acesso universal à água potável e a implementação de ações educativas sobre saneamento básico e uso racional da água.
No contexto da pandemia do coronavírus (covid-19), 88 por cento da população indígena adulta havia sido vacinada. Com o objetivo de mitigar os efeitos da pandemia, o governo investiu bilhões de dólares para conceder ajuda de emergência a cerca de 68 milhões de pessoas”.
Como o Comitê da ONU havia recebido informações sobre o “enfraquecimento institucional” da Funai, os peritos cobraram do governo informações para saber se havia “planos para fortalecer sua estrutura institucional e sua capacidade de defender os direitos dos povos indígenas”.
“Ele também se perguntava que medidas haviam sido tomadas para assegurar a coordenação e coerência entre as instituições que trabalham para promover e proteger os direitos humanos. Dados os relatórios recebidos sobre o enfraquecimento institucional e a redução dos orçamentos das instituições que defendiam os direitos humanos e a justiça racial, o Comitê apreciaria receber informações atualizadas sobre a atual situação institucional, regulatória e orçamentária das instituições de direitos humanos e sobre medidas para reforçar suas atividades”, destacou a minuta.
No dia seguinte, o governo voltou para a segunda parte da reunião e, uma vez mais, foi alvo de pressão por parte dos peritos internacionais. Vega Luna cobrou explicações sobre a situação dos indígenas depois que recebeu informações sobre “a mineração ilegal, o desmatamento e a extração de madeira, juntamente com uma flexibilização das regras em torno das licenças para atividades extrativistas” e como isso tinha “minado os direitos ambientais das comunidades indígenas e quilombolas”. Como o informe do governo brasileiro não mencionava qualquer um desses aspectos, o perito pediu detalhes “atualizados sobre as regulamentações e medidas adotadas, e seus resultados, para proteger o meio ambiente, controlar a mineração ilegal, evitar retrocessos na proteção ambiental e desenvolver um plano nacional de empreendimentos e direitos humanos com a participação da sociedade civil, particularmente das comunidades afrodescendentes, indígenas e quilombolas”.
Ele ainda pediu para receber informações sobre a implementação do Plano de Ação para Prevenir e Monitorar o Desmatamento na Amazônia, que teria sido abandonado em 2019 e sobre as medidas tomadas para “evitar a invasão de terras, a exploração ilegal, o desmatamento e a apropriação de terras”.
O perito ainda pediu “proteção especial aos povos Munduruku e Yanomani, que haviam sofrido ataques ao se oporem ao corte ilegal de madeira e à mineração em suas terras, e ele desejava saber como as autoridades proporcionavam tal proteção e evitavam a contaminação por mercúrio da mineração ilegal”.
“O Comitê havia sido informado sobre as graves consequências da mineração ilegal, da exploração madeireira, da exploração de terras e do desmatamento na Amazônia, inclusive para os direitos fundamentais dos Povos Indígenas, e ele apreciaria, portanto, informações sobre as medidas adotadas para pôr um fim imediato a essas práticas e a todas as atividades de mineração e desmatamento na Amazônia, em terras indígenas, para remover garimpos ilegais e investigar denúncias de violações de direitos humanos de forma eficaz”, diz a minuta do encontro.
“Um representante do Brasil disse que a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde supervisionou uma divisão de serviços de saúde dedicada à prestação de serviços de saúde à população indígena. Ela oferecia serviços diferenciados, além de saúde tradicional indígena”, disse a minuta do encontro.
“As equipes multidisciplinares de saúde que realizaram o trabalho incluíram cirurgiões indígenas, médicos, dentistas, enfermeiros e outros profissionais da saúde. Entre 2019 e 2022, as equipes haviam prestado mais de 54 milhões de consultas de cuidados primários”, afirmou.
“Durante a pandemia da covid-19, a Secretaria Especial havia intensificado suas atividades para atingir todos os 34 distritos indígenas, auxiliados por mais de 84 milhões de reais de financiamento do Estado. Ações específicas de assistência à saúde foram realizadas em outros distritos prioritários”, disse a delegação.
“Profissionais de saúde adicionais foram recrutados para prestar cuidados primários aos povos indígenas, e um total de 11 milhões de consultas foi realizado”, insistiu.
O governo também apontou que, “das primeiras 3 milhões de doses de vacina contra a covid-19 a chegar ao Brasil, 820.000 foram para as comunidades indígenas, demonstrando a prioridade demonstrada a esses grupos pelo governo”.” Até 2022, 92% dos povos indígenas haviam recebido uma primeira dose, e 87% uma segunda”, completou.
Ao final do exame do Brasil, o Comitê da ONU publicou um informe no qual ignorou as promessas e cenários feitos pelo governo de Jair Bolsonaro sobre o povo yanomami e concluiu:
“O Comitê está preocupado com o impacto da falta de proteção legal efetiva sobre os direitos das comunidades Munduruku e Yanomami, que alegadamente foram submetidas a graves violações de seus direitos humanos”.
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