César Fonseca: Lula recua diante da Venezuela e abre reconciliação com Maduro
Lula recua diante da Venezuela e abre reconciliação com Maduro
Parece que o presidente Lula concluiu que jamais deveria ter interferido nos assuntos internos da Venezuela ao dizer que os problemas da Venezuela têm que ser resolvidos pela Venezuela.
O presidente Nicolás Maduro respondeu com luva de pelica diante das declarações do presidente brasileiro.
Concordou com ele, elogiando sua postura de que cada um cuida do seu problema.
É o que deseja a Venezuela.
Maduro foi diplomático, em vez de tentar tirar sarro, demonstrando maturidade.
Antes, ele e integrantes do governo insinuaram horrores: que Lula estaria a serviço de Washington, que Celso Amorim, secretário de política externa, era agente da CIA.
Coisas desse tipo azedaram as relações bilaterais, levando o governo ao silêncio estratégico, até que o presidente como que deixasse o assunto por encerrado ao reconhecer que cada país cuide dos seus assuntos.
Lula não reconheceu que se equivocou [negrito do autor].
Apoie o jornalismo independente
A vaidade, talvez, tenha impedido esse gesto de humildade.
Preferiu ser pragmático, mas como, para bom entendedor, meia palavra basta, o que resultou ao final foi reconhecimento da escorregada brasileira.
A complicação que restou a ser sanada é a questão do veto brasileiro à entrada da Venezuela no BRICS, levando à insatisfação do próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, organizador do 16º Encontro do bloco de países, que, agora, somam 13 integrantes, com outros 30 interessados em se tornarem membros ou parceiros.
Ninguém, no Sul Global, quer ficar de fora do BRICS, já maior que o G20, superando seu PIB em paridade do poder de compra, bem como número de habitantes etc.
Como diria Noel Rosa, com que roupa (com que direito) o Brasil teria agido dessa maneira tão acintosa, ferindo, primeiro, autodeterminação dos povos, ingerindo na eleição presidencial venezuelana, e, segundo, autoproclamando no direito de vetar a Venezuela no BRICS, sabendo tratar-se do país com a maior reserva de petróleo do mundo?
Reconciliação diplomática à vista
A postura brasileira, como não poderia deixar de ser, levantou a desconfiança de Caracas de que se tratava de algo encomendado por Washington usando Brasília para fazer o serviço sujo a serviço de Tio Sam, maior interessado em ver latino-americanos divididos e, consequentemente, enfraquecido diante do império?
Foi, sem dúvida, uma lambança diplomática [negrito do autor].
Não foi à toa que a diplomacia venezuelana acusou o Itamaraty de possuir um histórico de aliança com a inteligência americana para atuar contra o próprio Brasil, como no golpe de 1964.
Despropósito total.
Agora, as palavras de Lula de que cada macaco deve ficar no seu galho abre espaço para a reconciliação.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, complementou o sentimento de aproximação de Lula com Maduro ao dizer que não está nos planos do governo retirar o embaixador brasileiro de Caracas, algo que sinalizava complicações nas relações dos dois países.
Quem ganharia com isso?
Putin consertaria ata de Kazan
Falta, por fim, o entendimento diplomático para superar o equívoco de não aceitação da parte brasileira da participação da Venezuela no BRICS.
Essa deverá ser uma tarefa da qual, certamente, o presidente russo deverá participar, para consertar os termos da aprovação do comunicado final de Kazan, cidade russa, onde se realizou o 16º Encontro.
Vai ser uma ginástica diplomática.
Feito isso, bola pra frente.
O próximo passo será saber se o presidente Lula, depois de, com sua declaração, admitir sem dizer que o Brasil se equivocou em intrometer-se nos assuntos internos da Venezuela, irá à posse de Maduro, em janeiro.
União faz a força
Os dois países maiores produtores de petróleo da América do Sul, tendo a parte brasileira, ainda, mais fortalecida depois do anúncio de descoberta de bacia petrolífera gigante na região de Pelotas, Rio Grande do Sul, teriam ou não a ganhar solidez em suas relações, para se fortalecerem em negociações futuras com os Estados Unidos?
Trump diz que priorizará a busca, por meio das petroleiras americanas, de petróleo, como garantia estratégica para os interesses americanos.
Com quem negociará, senão com os poderes constituídos dos dois maiores produtores de petróleo sul-americanos, próximos dos Estados Unidos, se comparada à distância relativa ao Oriente Médio, grande fornecedor dos americanos?
Teria sentido imaginar que Trump, que vaza ideia de que negociará fim das guerras conduzidas pelos Estados Unidos, atualmente, abra mais uma frente de conflito na América Latina, com a Venezuela, por exemplo, para alcançar o petróleo venezuelana, colocando tropas nas fronteiras do país de Hugo Chávez?
Se Brasil e Venezuela se unem para negociar com Trump, cada qual no seu lugar, mas com espírito de entendimento comum em defesa dos seus interesses recíprocos de países vizinhos, no continente sul-americano, estaria ou não mais fortalecida a política de integração econômica latino-americana, consagrada na Constituição brasileira, como propósito essencial?
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Mirko Casale: Cinco hipóteses para um veto infame. VÍDEO
Ângela Carrato: O Brasil desistiu de sua política externa independente, ativa e altiva?
Publicação de: Viomundo