Ana Maria Oliveira: Atente ao real Paulo Marçal para não ter ‘surpresas’ depois

Conheça o outsider Pablo Marçal para não ter surpresa depois

Por Ana Maria Oliveira* 

Compreender o fenômeno da candidatura Pablo Marçal não é uma tarefa simples.

O postulante à Prefeitura de São Paulo tem avançado nas pesquisas, ao mesmo tempo em que, a cada dia, se mostra mais polêmico e avesso às regras formais.

Não se prevê o tipo de comportamento político que terá mas, se for eleito, certamente trará problemas ao sistema político.

Em seu passado constam episódios problemáticos. Marçal chegou a ser condenado, em 2005, por furto qualificado, pelo envolvimento numa quadrilha do ramo da fraude bancária.

Atuando como coach, propôs uma perigosa aventura. Como resultado, o grupo de 32 pessoas precisou ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros, depois que ele os incitou a subir uma montanha sob condições climáticas adversas.

Usa as redes sociais para enganar as pessoas e criar fortuna. O foco de sua campanha tem sido disparar acusações infundadas contra seus adversários, especialmente os que estão melhor posicionados nas pesquisas.

Em 2022 teve a candidatura a presidente da República barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Agora, concorre à Prefeitura de São Paulo, mas não conhece a cidade, não tem experiência gerencial ou política, suas propostas são vagas.

Apoie o jornalismo independente

Conseguiu uma legenda para se estabelecer, o PRTB, dirigida por pessoas suspeitas de envolvimento com o crime organizado.

O Partido Renovador Trabalhista Brasileiro é relativamente novo: fundado em 1994 por Levy Fidelix , foi registrado em 1997.

Em suas recentes entrevistas, tem dito que seu sonho é ser político mas gostaria de não precisar de um partido. Depois reconhece que ninguém vai governar se não estiver ligado a uma agremiação.

Sobre a esfera da política, chega a vaticinar: “Não tem como sair ileso da política. Infelizmente não é um negócio de dignidade. Há pessoas me cercando de todo jeito”, em referência a pressões que vem sofrendo e, segundo ele, a tentativas de adversários de investigar tudo sobre a sua vida e empresas.

Alega que tem financiado as suas viagens de avião, não precisando do dinheiro público destinado por lei aos partidos.

Outsider

Marçal é um outsider na política. Os outsiders, enquanto atores políticos, são muitas vezes caracterizados como populistas ou anti-establishment.

O autor Charles Kenney define duas dimensões das relações dos políticos com os sistemas partidários: outsiders (de fora) ou insiders (de dentro), dependendo de sua origem vis-à-vis o sistema partidário, e como antipartido ou tolerante a partidos, dependendo de seu discurso sobre o sistema partidário. (Ver ensaio de Roberta Picussa “Outsiders: um conceito de difícil operacionalização na Ciência Política”, Revista Sociologia e Política, nº 31, 2023).

Dessa forma, outsiders são os líderes que ganharam proeminência fora do sistema partidário nacional.

Insiders são aqueles que ganharam destaque dentro do sistema partidário, mesmo que posteriormente tenham rompido com seus antigos partidos e criado novos.

Em relação ao discurso, Kenney considera como antipartidos os líderes que rejeitam os partidos estabelecidos e a política partidária, e como tolerantes a partidos aqueles que reconhecem os partidos como organizações essenciais à política democrática.

Robert Barr propõe diferenciar fenômenos tratados de forma conjunta, como outsiders na política, populismo e políticos anti-establishment, baseando-se em três fatores-chaves: os apelos utilizados pelos atores para construir apoio, a localização dos atores políticos em relação ao sistema partidário e os vínculos entre cidadãos e políticos.

Segundo Barr, os outsiders são caracterizados a partir de sua localização vis-à-vis o sistema partidário.

Desse modo, se um político tradicional (insider) é aquele que ganha proeminência dentro dos partidos estabelecidos e competitivos, e ajuda a manter o sistema político, um outsider ganha proeminência fora desses partidos como político independente, ou em associação com partidos novos, ou, ainda, com partidos que só se tornaram competitivos recentemente.

Nesse sentido, partidos pequenos e não-competitivos, mesmo que antigos, não são considerados como parte do sistema partidário estabelecido.

Um desafio da classificação insider-outsider diz respeito a políticos que abandonam seus partidos tradicionais de origem para formar um novo.

Para compreender esse comportamento político, Barr oferece uma categoria intermediária: o político rebelde (maverick), que cresce em um partido tradicional mas o deixa para se filiar ou fundar outro, novo, e concorrer às eleições por ele; ou, ainda, aquele que não sai do partido, mas faz nele uma reestruturação radical.

Exemplos de outsiders rebeldes são Jair Bolsonaro, no Brasil, e Andrés Manuel López Obrador, no México, eleitos em 2018, embora com propostas e posicionamentos que não podem ser comparados.

Em ambos os casos, trata-se de políticos com experiência, mas do curioso movimento de se elegerem por partidos sem relevância no sistema partidário de seus países.

Bolsonaro era um político com longa – ainda que inexpressiva – trajetória parlamentar.

Ele se filiou a um partido marginal ao sistema político, o PSL, apenas visando sua eleição ao cargo de presidente em 2018.

López Obrador tinha uma longa carreira política, rompeu com seu antigo partido (PRD) e fundou, em 2014, um novo partido, o Movimiento Regeneración Nacional (MORENA), pelo qual se elegeu presidente pela primeira vez em 2018.

Ele e Bolsonaro derrotaram candidatos dos partidos tradicionais do sistema, o PT e o PSDB no Brasil, e, no México, o PAN e o PRI.

A definição do outsider e do maverick não tem relação com o tipo de discurso usado pelo candidato.

É comum, no entanto, que outsiders e mavericks, pela posição que ocupam no sistema partidário, usem como apelo eleitoral um discurso anti-establishment.

O político anti-establishment, visando conquistar eleitores, diz que a elite política não representa verdadeiramente os interesses do povo e se coloca como alternativa para melhor representá-lo.

No entanto, o uso desse tipo de discurso não depende da localização do ator no sistema partidário, embora ele tenha mais apelo quando é proferido por alguém que está fora da classe política (outsider), ou que rompeu com ela (maverick).

Esse discurso também pode ser utilizado por atores de dentro do sistema político (insiders) que conseguem convencer seu eleitorado de que não fazem parte da elite política, como Collor de Mello no Brasil em 1989.

Diante dessa exposição, é relevante perguntar-se: qual será o futuro da candidatura de Pablo Marçal?

Um fato é certo: o eleitorado deve ficar atento aos sinais e às ações desse candidato para não ter surpresas e decepção depois.

*Ana Maria Oliveira é jornalista, doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Luis Felipe Miguel: Pablo Marçal

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *