Futebol e luta pela terra: exposição retrata relação entre MST e o esporte mais popular do país
Com inauguração marcada para quinta-feira (24), dia em que o Brasil estreia na Copa do Mundo do Catar contra a Sérvia, a exposição fotográfica “Em campo: MST e Futebol” fica disponível ao público no Galpão do Armazém do Campo, no centro de São Paulo. Ali, também serão transmitidos todos os jogos da seleção brasileira.
Organizada pelos coletivos de Cultura, Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a exposição reúne dez imagens de diferentes contextos e que retratam, segundo a curadoria, “a importância do futebol no cotidiano dos Sem Terra”.
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Como “parte intrínseca da cultura brasileira”, descreve Miguel Stédile, historiador e dirigente nacional do MST, “é comum que numa ocupação, depois da construção da escola, a primeira tarefa das famílias seja organizar um campinho”.
Desde que o movimento foi fundado, em 1984, o futebol está no seu cotidiano. Segundo Stédile, atualmente existem milhares de times de futebol dentro das ocupações do MST. Além de uma forma de lazer, aponta, é também um mecanismo de organização política e de integração das famílias sem-terra, entre elas e nas comunidades onde estão inseridas.
Entre os fotógrafos que participam da exposição estão Ágatha Azevedo, Julia Dolce, Joka Madruga, Carlos Carvalho e Guilherme Galdolfi. As imagens ficarão disponíveis no Galpão até o fim da Copa do Mundo, no dia 18 de dezembro, e a expectativa é que sejam expostas também em assentamentos e acampamentos do MST em todo o país.
“O futebol está em disputa”
A Copa do Mundo costuma trazer sentimentos dúbios a ativistas que são também amantes do esporte. Por um lado, a competição mobiliza confraternizações, paixões e um espetáculo com os melhores jogadores de futebol do planeta.
Por outro, é organizada pela FIFA – entidade que não só sintetiza o viés empresarial do futebol, como é caracterizada mundialmente como mafiosa – e, via de regra, a organização da Copa é acompanhada por violações aos direitos da população do país sede. Neste caso, de um país institucionalmente homofóbico.
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No Brasil recém saído de uma acirrada eleição presidencial, os elementos ganham mais uma camada de complexidade pelo fato de a camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ser bastante associada ao bolsonarismo.
Questionado sobre essas questões, Miguel Stédile afirma que, na visão do MST, esporte e política são indissociáveis e que o futebol está, sempre, em disputa.
“Obviamente o movimento vê de forma muito crítica o conjunto de direitos humanos que têm sido desrespeitados nessa Copa, e não só nessa. A própria Copa do Brasil teve uma série de problemas, como trabalhistas, superfaturamento de obras etc.”, relembra.
“Agora, isso não pode significar um afastamento desses temas”, pondera o dirigente. “Como tudo na vida – a cultura, a comunicação, a música, as relações humanas, as relações de gênero –, o futebol também tem que ser disputado”, defende.
Em nota sobre a exposição e citando a simbologia da bandeira do Brasil, o MST pontua que “se a identidade nacional não é algo congelado no tempo, cabe a nós entender como estes elementos estão em constante transformação e atualização, e como podemos (e devemos) recuperar os seus sentidos”.
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“Quem sabe um dia não tenhamos eventos esportivos globais que possam ser de congregação das nações, com um conteúdo mais humano do que mercantil?”, vislumbra Stédile.
Copas da Reforma Agrária
Além das peladas cotidianas nos campinhos de ocupações espalhadas Brasil afora, o MST atualmente organiza dois campeonatos com mais estrutura: a Copa da Reforma Agrária no Ceará e o Campeonato da Reforma Agrária no Rio Grande do Sul.
No caso nordestino, cerca de uma centena de times participam e, por meio de uma parceria com o governo cearense, recebem uniformes, chuteiras e uma infraestrutura nos assentamentos, em que os jogos são disputados em chaves. A grande final acontece em um estádio profissional.
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Já a experiência gaúcha existe há 15 anos. Os jogos preliminares acontecem por regiões onde o MST está presente e as duas melhores equipes disputam o título em um assentamento que é escolhido como sede com um ano de antecedência.
“Então vem os times, mas vem também a comunidade, tem baile, tem churrasco, há uma sociabilidade em torno do campeonato da reforma agrária”, conta Miguel.
O campo Dr. Sócrates
Em 2017, o MST inaugurou, em grande estilo, o campo de futebol Dr. Sócrates Brasileiro, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), espaço de formação política do movimento localizado em Guararema (SP).
A primeira das quatro partidas, com uma plateia de cerca de 1.500 pessoas, foi entre o time de Chico Buarque com seus amigos, incluindo o agora presidente eleito Lula (PT), contra os veteranos do MST. Com arbitragem do jornalista Juca Kfouri, o jogo terminou empatado: 5 x 5. A partida já se tornou tradicional e está prevista para se repetir ainda neste ano de 2022.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog