Taís Freire: Diálogos sobre uma mulher limpa num vídeo imperfeito; assista
Direção e montagem do vídeo: Taís Freire. Trilha sonora (composição): Flávio Vasconcelos. Participam: Ângela Cássia Rodrigues, Anita Rodrigues Freire, Caroline Spagnol, Isis Schranck, Izabel de Fátima Cruz, María del Carmen Herrador, Marília Homanez, Néliane Simioni e Thaisa Kamar.
Por Taís Freire*
Há alguns anos, por algum motivo que no momento não me lembro agora, descobri a poeta gaúcha Angélica Freitas com o seu livro “O útero é do tamanho de um punho”.
A obra ironiza o lugar no qual a mulher é colocada, como uma mulher “limpa”, “boa” e “bem “comportada”.
Dialogando com um dos poemas do livro, escrevi “Descoberta / Inspiração Angélica Freitas”, que dá continuidade, também de forma irônica a essa temática.
Por mais desconstruídas que sejamos, essa imagem e mesmo a sensação de ter que ser uma “mulher limpa”, está em nosso subconsciente.
Faz pouco tempo eu ouvi relato de um amigo, cuja mãe, com covid, não conseguia expelir o catarro, pois, em algum lugar, essa ideia de mulher suja travou o seu corpo.
Esse processo é tão profundo e guardado onde a gente nem sabe ao certo, que, ao escrever o poema, demorei um bom tempo para publicar, pois achei pesado. “Imagina, minha vó, meus professores e alunos, me verem escrevendo que uma mulher, caga, peida, ou simplesmente tem sovaco”
Este ano saiu na Coletânea de poemas feministas Bertha Lutz (veja PS do Viomundo).
Reúne poemas de brasileiras de todas as regiões em homenagem a Bertha, uma das grandes líderes da luta pelos direitos das mulheres no País.
A editora responsável pela publicação pediu que as autoras fizessem um vídeo declamando o poema para divulgação do livro.
Decidi que só faria sentido se fosse declamado coletivamente, porque é algo que não partiu de mim, mas partilhado por todas nós.
Assim pedi para algumas mulheres gravarem e me mandarem seus vídeos declamando o poema.
A experiência foi ótima. A sensação de conexão entre e com essas mulheres, o olhar e as especificidades – o jeito de falar, de gravar, de cada uma delas.
Na hora de montar, quebrei a cabeça para juntar todas as imagens, e decidi não as tratar, deixar cada uma do seu jeitinho e uma bem diferente da outra, mas que juntas formam uma coisa só.
Também ficaram os ruídos na imagem e no som, um vídeo imperfeito, como uma “mulher suja”, e que nem busca a perfeição. Um vídeo pandêmico.
*Taís Freire é cineasta.
PS do Viomundo: O livro Coletânea de poemas feministas Bertha Lutz é da Editora Persona. Para adquiri-lo, clique aqui.
Publicação de: Viomundo