Ladislau Dowbor: “Desenvolvimento não virá de presente, será consequência da mobilização no território”

Dowbor: “Desenvolvimento não virá de presente, será consequência da mobilização no território”

Em série de entrevistas sobre eleições e cidades, o Fórum 21 conversa com o economista Ladislau Dowbor que analisa os desafios e as pautas deste ano eleitoral, indicando livros, filmes e documentários para a mobilização do campo progressista e de esquerda.

Por Tatiana Carlotti,  no Fórum 21

A agenda das cidades ganhará espaço no debate nacional quando começar a disputa eleitoral nos mais de 5.570 municípios brasileiros.

Em meio à guerra da comunicação, o campo progressista se depara com o imenso desafio de emplacar as suas pautas, tornando clara e atrativa a sua argumentação lógica.

O combate nas redes e nas ruas enfrentará os slogans vazios da austeridade do mercado, bombardeados pela imprensa corporativa, e as mentiras e polêmicas da extrema-direita, que dominam as mídias sociais e os redutos de comercialização da fé.

À sua disposição, porém, há um rico acervo audiovisual subutilizado sobre o cotidiano, os problemas e as soluções das nossas cidades.

Para pensar as pautas dessa agenda eleitoral e os filmes e documentários que podemos nos apoiar, o Fórum 21 traz uma série de entrevistas com intelectuais que pesquisam e atuam no território.

Nosso primeiro entrevistado é o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-São Paulo, que durante décadas atuou em diversos países, como consultor das Nações Unidas, auxiliando no planejamento e montagem de governos locais em países da África, Ásia, Europa e América.

Com essa experiência, e um vasto repertório de documentários e filmes, Dowbor analisa a conjuntura eleitoral no Brasil e aponta as transformações em curso na gestão local. Acompanhe a entrevista.

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Ladislau, como você avalia as eleições municipais deste ano? Quais os desafios e as inovações em relação às eleições anteriores?

Ladislau Dowbor – A principal diferença é a expansão radical da inclusão digital e, portanto, da conectividade. Será preciso confrontar o uso pela direita, de maneira massiva, das mídias sociais; e o seu enraizamento através da capilaridade presencial nas igrejas. Esse é o desafio porque nessas formas de luta, ainda estamos fracos. Temos de investir pesadamente nesse processo durante as eleições.

É fundamental levar para as pessoas o uso inteligente das novas tecnologias no sentido de promover a participação popular. Vivemos uma grande mudança em termos de descentralização do poder e uma forte reapropriação do processo de desenvolvimento a partir do nível local.

Quando olhamos os países da Europa, a China, o Canadá, a Coreia do Sul, eles possuem sistemas extremamente descentralizados.

Se considerarmos que no Brasil, 90% da população é urbana e está organizada em cidades, que precisam responder a problemas concretos, a apropriação do desenvolvimento pela própria população se torna fundamental.

As novas tecnologias detêm um papel central neste processo. É preciso usá-las no nível local para resolver problemas do cotidiano, o que certamente passa pela inclusão digital de toda a população brasileira.

Em termos de custo-benefício, quando você conecta o município de forma adequada, ele começa a interagir de maneira construtiva e radicalmente nova, com impacto na transformação do país como um todo.

Inúmeras experiências e dinâmicas se multiplicam no Brasil neste sentido. O município de Araraquara, por exemplo, organizou um sistema em que o usuário deixa de usar o Uber, uma empresa internacional que cobra 30% do motorista a cada viagem, para usar uma plataforma colaborativa dos próprios taxistas que passaram a receber 95% por viagem.

Vista panorâmica do bairro da Casa Verde, São Paulo, Brasil. Foto: Leonardo Ré-Jorge/Wikipedia

A Casa Verde, um bairro de São Paulo, criou um sistema online de comunicação colaborativa que conecta os serviços prestados na região, desde demandas e serviços individuais (de quem faz bolo para vender, ensina inglês etc.) a empresas (bares, restaurantes, supermercados). Estão todos conectados em um aplicativo que estimula os processos de interação entre os moradores locais, dinamizando a capacidade produtiva ao gerar sinergia e complementaridade.

Estou acompanhando o começo da organização de um sistema colaborativo na Zona Leste de São Paulo que tem uma população com mais de 4 milhões de habitantes. Eu participei de uma reunião com eles e fiquei impressionado. Como organizamos as complementaridades dos diversos setores dessa imensa região que tem um riquíssimo potencial de criatividade?

Isso demanda uma mudança de cultura também dos governos.

Dowbor – Certamente e as novas formas de gestão precisam estimular essa cultura. As ondas eletromagnéticas dessas plataformas são gratuitas, são da natureza; e cada prefeitura pode organizar plataformas colaborativas locais.

Isso vale para todas as cidades grandes ou pequenas do Brasil. Toda cidade pode ter, por exemplo, um cinturão verde, hortifrutigranjeiro. Por que o município de Imperatriz do Maranhão usa os produtos alimentares dos caminhões que chegam de São Paulo, quando tem um monte de terra parada em volta da cidade e tanta mão de obra subutilizada?

O conceito de desenvolvimento local mudou. Hoje, falamos muito mais em protagonismo dos atores sociais locais (ONGs, sindicatos, universidades, empresas de cabeça aberta) e de uma gestão capaz de articular as capacidades locais.

Há uma transformação no conceito de gestão que passa pela reapropriação do desenvolvimento pela base. A gestão municipal deve ser uma articuladora dessa imensa capacidade subutilizada de criatividade e de iniciativas.

A mudança de cultura não é só dos eleitores, mas dos gestores que precisam compreender as dinâmicas locais. A participação comunitária permite que o município se olhe a longo prazo, ao assumir compromissos que ultrapassam os quatro anos deste ou daquele político.

A comunidade olha vinte, trinta anos adiante, enxerga seus filhos e netos no território. No Brasil, nós temos uma gigantesca capacidade subutilizada. Esperar que os governos resolvam tudo, simplesmente, não funciona.

Nos países de cultivo do arroz, como a China e o Vietnã, há uma forte cultura de base colaborativa. As pessoas não se perguntam apenas “o que que eu posso ganhar com isso?”, mas pensam e se articulam em torno de soluções colaborativas para a melhoria do entorno. E é lógico porque não se trata “da minha casa”, mas de ter uma casa valorizada com uma escola perto, um bairro mais arborizado, um sistema de água decente.

Essa articulação entre o individual e o comunitário não é nenhum comunismo. É bom senso e inteligência de organização. E isso traz uma outra dimensão que é profundamente ética.

Na sua avaliação, quais pautas vão pesar mais na decisão do eleitorado nas grandes e médias cidades?

Dowbor – Em termos de conteúdo, o tema geral da redução das desigualdades tem que permear o conjunto das outras pautas. É preciso que os candidatos do nosso campo ofereçam uma explicação clara de que a redução da desigualdade gera desenvolvimento.

As pessoas precisam entender que um governo que reduz a desigualdade põe mais dinheiro na base da sociedade e isso gera demanda. A demanda gera emprego e isso faz funcionar o conjunto do ciclo econômico.

Hoje, a descentralização através da participação popular é central. Os nossos candidatos precisam entender que o desenvolvimento é das pessoas e que sua função é ajudar a organização e a mobilização para que as comunidades possam resolver os seus próprios problemas. O desenvolvimento não será um presente, mas consequência da mobilização no território.

Comunidade de Paraísópolis, a segunda maior de São Paulo. Foto: Vilar Rodrigo/ Wikipedia

A inclusão das periferias nessa agenda é absolutamente fundamental. É preciso insistir no combate à desigualdade, na participação, na inclusão digital, propondo sistemas participativos que funcionem. E, também, na dimensão ética e moral do combate às desigualdades, na redução do sofrimento dos mais pobres para o crescimento de todos.

Os demais temas são locais e com ênfases diferenciadas, como a segurança pública no Rio de Janeiro, mas todos são atravessados pela redução das desigualdades que diminui os conflitos, inclusive os ligados ao problema da segurança pública.

O caminho é consenso mundial: nós precisamos de um sistema que seja economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. Esse é o único modo de se enfrentar as desgraças e essa é a mensagem que precisamos deixar muito clara, em termos de pauta, para os eleitores neste ano.

Na sua avaliação, qual o melhor caminho para utilizar filmes e documentários – e outros meios audiovisuais – para apoiar candidaturas democrático-progressistas nas eleições municipais deste ano?

Dowbor – Existe um poderoso acervo de filmes que precisamos usar de maneira muito mais generalizada e conforme as prioridades das diversas regiões do país. Uma das possibilidades abertas pelas novas tecnologias é fazer com que a juventude de cada município produza seus próprios filmes, com suas próprias prioridades, ajudando-os na divulgação.

No Brasil, existe uma grande insuficiência de conhecimento sobre as experiências locais e as pessoas precisam se apropriar desses processos.

No meu site dowbor.orgse você colocar “desenvolvimento local” na busca, irá encontrar um conjunto de estudos, filmes e documentários.

Entre os livros, quero destacar a versão atualizada em 2023 de uma pesquisa de 2007, Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, que traz uma gama de experiências bem sucedidas no território.

Também ajuda muito o livro O que é o Poder Local?, com orientações básicas e análises de experiências.

Nosso Núcleo Casa Verde – Desenvolvimento local sustentável fomentado pela vontade do território e pela tecnologia é um estudo de Fernando Camilher dessa experiência da Casa Verde que mencionei acima.

E há muitos outros textos que mostram que o desenvolvimento se dá no nível de cada cidade, de cada bairro; e que numerosas cidades conseguiram organizar suas redes com efetiva mudança.

Em “bons filmes” no site, há várias experiências nacionais e internacionais neste sentido.

O filme Bank of Dave (David contra os bancos), de Chris Foggin, mostra a batalha de um cidadão, numa cidade do interior da Inglaterra, para montar um banco comunitário que realmente serve à comunidade. É a guerra da comunidade para se reapropriar dos seus próprios recursos.

Megatendências é um documentário sobre os desafios mais importantes da sustentabilidade, tanto no plano ambiental como no plano social, de São Paulo e outras cidades brasileiras.

China: A Era de Xi é uma série de três documentários, apresentados pela TVT, sobre como a China tirou, em duas décadas, 800 milhões de pessoas da pobreza.

O documentário nos permite entender a questão da descentralização do poder. Lá, cada cidadezinha, fora a sua administração municipal, tem um núcleo técnico encarregado de assegurar a inclusão produtiva de todo o mundo, para que as pessoas não fiquem perdidas.

Não é só transferência de recursos, mas a compreensão de que pessoas paradas e desempregadas significa perda da capacidade produtiva. É inclusão produtiva organizada em cada município.

Outro filme belíssimo, uma experiência educacional brasileira ocorrida em plena ditadura militar, é o Vocacional: uma aventura humana, do Toni Venturi.

Um documentário que mostra a possibilidade de reorganizarmos o sistema educacional em função das necessidades locais, com muito mais liberdade de pesquisa e de expressão por parte dos alunos.

Indico também Blue Gold: World Water Wars (Outro Azul: As guerras mundiais pela água), de Sam Bozzo, sobre o chamado “ouro azul”, a água doce e limpa que vem se tornando um recurso escasso no mundo, e dos mesmos produtores A Corporação.

E não deixem de acompanhar os filmes da Mostra Ecofalante de Cinema, que traz um acervo de filmes e documentários nas áreas de sustentabilidade, educação e cultura do mundo inteiro.

Neste ano, a Ecofalante acontece entre os dias 1 e 14 de agosto, com uma programação gratuita e de primeira linha.

No meu site dowbor.org há várias outras indicações.

*Tatiana Carlotti é repórter do Fórum 21, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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