Lelê Teles: O trabalho danifica o homem e a mulher; o que os dignifica é o caráter

SOBRE O TRABALHO
Por Lelê Teles*
“o trabalho danifica o homem, e a mulher, o que os dignifica é o caráter.” Cacique Papaku
não existe essa de dia do trabalho, porque dia do trabalho é todo dia, pergunte a um entregador com sua caixa quadrada nas costas.
existe o dia do trabalhador (e da trabalhadora), dia deste pobre diabo explorado, oprimido, precarizado.
dizer “feliz dia do trabalhador” é como mandar flores no dia da mulher; é uma tremenda fuleiragem festiva.
essa data, como a da mulher e a da consciência negra, é uma data de reflexão e de luta.
todos os povos escravizados do mundo foram escravizados para trabalhar.
a origem da palavra trabalho tem a ver com tortura (trapalium); o trabalho foi o castigo que deus impôs a adão, o infeliz que foi expulso de casa pelo próprio pai, o primeiro sem-teto da história.
“o trabalho liberta” era a frase escrita na entrada do mais famoso e cruel campo de concentração nazista; que também era conhecido como campo de trabalhos forçados.
valorizar o trabalho, sem refletir sobre o seu significado, cheira a servidão voluntária.
enganaram você desde criança com aquela fábula manipuladora da formiga e da cigarra.
nem a formiga e nem a cigarra trabalham; elas não batem ponto, não tomam esporro, não têm ansiedade e nem depressão.
o trabalho, tal o conhecemos, nasce quando o primeiro macaco desce de uma árvore e diz: “essa árvore é minha”.
o trabalho nasce com a cerca, com o muro…
um ianomâmi não trabalha, tal qual a cigarra e a formiga, o indígena não tem um crachá, um salário de merda, um chefe de sessão, um inspetor, um gerente geral, um departamento de pessoal, uma chefia!
o homem, colocado na condição de animal doméstico, lambe a mão do seu senhor porque esse lhe garante a ração de todos os dias, sem deixar de dar-lhe algumas pancadas.
é mentira que o trabalho dignifica o homem, o que o dignifica é o caráter; o trabalho o danifica.
inventaram o tal do ócio criativo para que você, mesmo em momentos de lazer e fruição, pense em trabalhar, produzir, gerar riqueza para alguém; porque se você é um trabalhador, nunca é pra você a riqueza que você gera.
é o seu suor e o seu sangue que lubrificam a máquina que lhe tritura a carne.
em qualquer imagem sobre a escravidão no brasil você verá os pretos trabalhando; só os pretos trabalhavam!
o trabalho, além de ser um castigo, é uma fonte de riqueza da qual o trabalhador não se beneficia.
“tá vendo aquele edifício, moço…”
toda babá, é bom você saber, também tem o seu bebê, porém o seu trabalho é deixar de cuidar do seu filho para cuidar do filho dos outros.
a emancipação da mulher branca aconteceu às custas do trabalho da mulher negra.
“lugar de mulher não é no tanque, no fogão ou empurrando carrinho de bebê”, dizem as mulheres brancas, enquanto as pretas lhes fazem comida, lhes lavam as calcinhas, ninam e alimentam os seus filhos.
são as não-mulheres do feminismo de araque.
não foi o nimeyer e nem jk quem construiu brasília, quem o fez foi uma multidão de miseráveis analfabetos que foram jogados para fora da cidade assim que a obra ficou pronta, quais restos de construção.
aos olhos do empregador, o empregado é só uma ferramenta; uma não-pessoa, uma entidade coisificada, um martelo de carne e ossos, uma bigorna que sua, um burro sem rabo.
o chicote já foi bastante usado no lombo de trabalhador; o trabalho como um castigo e uma punição!
se pudessem, os patrões trocariam todos os trabalhadores por máquinas, porque essas não adoecem, não menstruam e não se organizam em sindicatos.
o único trabalho que liberta é o da livre gestão anarquista, porque todos estão em comum acordo e ninguém está a explorar ninguém.
o resto é servidão!
palavra da salvação.
“ Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu ‘tá aí admirado
Ou ‘tá querendo roubar?
Meu domingo ‘tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer…” Lúcio Barbosa
*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.
Publicação de: Viomundo