Lelê Teles, aos 74% que nas redes sociais apoiaram o tapa de Will Smith: Reforçando estereótipos e oportunidade perdida; vídeo

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O tapa

Por Lelê Teles*

nós, que somos pesquisadores do cinema negro (minha dissertação de mestrado é sobre a reconstrução da imagem da pessoa negra pelo cinema negro), sabemos que o cinema estadunidense foi um dos grandes responsáveis pela cristalização da imagem do negro como um animal quase humano; porém, incivilizado e incivilizável.

desde “o nascimento de uma nação” (o renascimento da ku klux kan), de 1915, do maldito d.w. griffith, que a imagem do negão estuprador não sai da cabeça dos cineastas brancos.

aquele homem negro (um horrendo blackface) correndo atrás da mocinha branca indefesa, que prefere se atirar de um penhasco a ser violada por aquele animal do membro gigantesco e monstrificado, se tornou um fetiche.

Esse cara reaparece em “bonitinha, mas ordinária”. quando a mocinha branca decide ser estuprada, ela escolhe para estuprá-la justamente um grupo de negros; ora pois.

esse animal bruto e perigoso reaparece insistentemente no cinema.

em 1960, o cineasta francês marcel camus filmou o maravilhoso “orfeu negro”, no morro da babilônia, no rio de janeiro.

o mito grego se tornava um mito negro, a obra era baseada na peça “orfeu da conceição”, do vinícius de moraes, mas os intelectuais brasileiros detestaram, porque no filme os negros estavam felizes, namoravam, se casavam, cantavam e dançavam o carnaval, acharam fake: o negro é um animal e deve sempre empunhar uma ferramenta de trabalho ou um arma e matar seu irmão de cor; se não for isso, não vale.

os estereótipos da pessoa negra no cinema são a “nega maluca, o “crioulo doido”, a “mulata exportação”, o negro ingênuo, subserviente e sabujo, a empregada enxerida, desaforada e fofoqueira, o negro mágico (à espera de um milagre e outros), o negro que precisa que um branco o salve, o malandro, o traficante, a hipersexualizada da cor do pecado, o zé pequeno que mata fazendo graça porque ele é desumano, etc.

a desumanização da pessoa negra é um projeto antigo e que se consolidou com a chegada do cinema. Foi por meio da imagem e de narrativas deletérias que se cristalizou essa imagem do negro bruto, irracional, incivilizado e incivilizável: sempre com uma arma na mão, matando e sendo matado; ou amarrado num tronco, levando chibatada.

agora temos o negro de gravata que leva bolacha.

“O ensinamento vitoriano sugere que, a repetição de algo ficcional sobre um indivíduo, ganha força, tornando-se realidade. Deste modo, apreende-se que subjetividade do estereótipo como elemento ideológico, concorre para formar dimensão na demanda das relações objetivas do objeto de preconceito, resultante da construção ideológica dos estereótipos.(…) Ainda tem sido recorrente a patologia comunicacional que apresenta o afrodescendente com estereótipo de inferior, sobretudo, nos principais veículos de comunicação de massa, notadamente, no cinema, rádio e televisão, que se pautam pela ausência do componente afro, ou pela presença rarefeita, configurada no tipo boçalizado, protagonizando cenas chulas humorísticas ou de núcleo novelista desavisado em 29 relação à modernidade que, por princípio, pauta-se no respeito à diversidade. Situação que concorre para uma política psicológica dos meios de comunicação, em favor de uma imagem negativa da africanidade, contribuindo para a elevação da baixa-estima do jovem negro. Não é à toa que o cinema foi o início da psicologia moderna, pois a imagética cinematográfica, sobretudo, vê nos problemas do olhar a subjetividade da pessoa e do seu meio. (RODAS & PRUDENTE, 2009.p. 504)”

smith tava lá, no templo do cinema estadunidense, e deu uma grande contribuição para reforçar esses estereótipos incorporando um personagem caricato.

will, de quebra, ainda tirou o foco de algo bastante importante: um homem negro (ele mesmo) ganharia um oscar por retratar a história de um grande homem negro, richard williams.

porém, tudo virou um tapa, de um negro em outro negro.

tudo se resumiu a isso.

o diabo é que as mesmas pessoas que defenderam os franceses que ofendiam os muçulmanos, agora ofendem o negro que fez uma piada com uma cabeça raspada de uma mulher.

não, rock em nenhum momento fez piada com a enfermidade de jada smith, isso é narrativa; e é mentira!

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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