Clube de Tiro bolsonarista viola decreto de Lula
Foto: Reprodução
Um clube de tiro de Santa Catarina, do qual o ex-presidente Jair Bolsonaro e os filhos Eduardo e Carlos eram próximos e costumavam frequentar, continua oferecendo experiências de tiro ao alvo para pessoas sem registros de atiradores esportivos. Em uma de suas primeiras medidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva proibiu o tiro recreativo, para não profissionais, em um decreto que iniciou a revisão da política pró-armas da gestão anterior.
O decreto de Lula suspendeu o chamado tiro recreativo, ofertado por clubes e lojas a quem quer ter a experiência de segurar uma arma e atirar em um estande, como “hobby”. O serviço é uma fonte de receita para essas empresas e possibilita um primeiro contato com futuros atiradores frequentes.
Mesmo com a vedação expressa, o Clube .38, do empresário Tony Eduardo, tem permitido que pessoas sem os registros oficiais experimentem armas. O argumento da empresa é o de que não seria uma recreação, mas “uma aula de tiro”. O decreto de Lula é expresso ao restringir o tiro de recreação apenas aos já registrados como CACs (Colecionadores de armas, Atiradores esportivos e Caçadores).
A reportagem questionou a diferença entre o tiro recreativo e a aula oferecida pelo clube de tiro e perguntou se os clientes da primeira modalidade não eram acompanhados por profissionais. O Clube .38 não esclareceu. Disse apenas ter ciência de que o decreto suspendeu o tiro recreativo e que cumpre à risca todas as determinações legais da atividade.
O Estadão entrou em contato com dois clubes de tiro do entorno de Brasília para saber se haveria algum serviço para interessados em uma experiência rápida com arma de fogo. Ambos negaram, justamente por causa do decreto de Lula.
“Infelizmente por conta do decreto não podemos receber ninguém que não tem o CR (certificado de registro, o documento do CAC) por enquanto. Está autorizada a prática de tiro somente para pessoas que já possuem o CR”, informou uma das empresas consultadas. Conforme o texto do decreto, novos registros de CACs e novos clubes de tiro estão suspensos temporariamente.
Para especialistas consultados pelo Estadão, o clube de tiro pode estar burlando não só o decreto de Lula, mas também liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), interpretada como proibidora do tiro recreativo. Foi graças à liminar que o Setor de Fiscalização de Produtos Controlados da 2.ª Região Militar, que abrange instalações do Estado de São Paulo, avisou, em setembro, que estava proibida a prática de tiro por pessoas não registradas no Exército como CACs.
A medida provocou forte reação dos armamentistas e o general Braga Netto, à época em campanha eleitoral como vice na chapa de reeleição de Jair Bolsonaro, atuou pessoalmente para derrubar a proibição. O Estadão revelou que ele se comprometeu junto ao eleitorado armamentista a tomar providências, e a proibição foi revista pelos militares.
Tony Eduardo é próximo da família Bolsonaro ao menos desde 2016. Naquele ano, Eduardo participou de uma feira armamentista em Los Angeles com o empresário e depois levou o pai para uma live com ele, na qual defenderam o armamento civil e a reação em casos de assalto.
O empresário brasileiro também é instrutor do 88 Tactical, um clube sediado no Estado de Nebraska, nos Estados Unidos. A empresa americana é acusada de usar em sua identificação visual símbolos atrelados ao nazismo. A Agência Pública mostrou, em 2021, Carlos e Eduardo Bolsonaro praticando tiro no local. Carlos, vereador do Rio de Janeiro, propôs homenagens de mérito tanto ao amigo quanto ao clube catarinense.
O serviço de tiro recreativo oferecido por empresas bélicas permitiu que Adélio Bispo, meses antes de cometer o atentado a faca contra Jair Bolsonaro, fosse ao Clube. 38 em Santa Catarina praticar tiro ao alvo.
Na época, a porta-voz da empresa, Júlia Zanatta, disse que o agressor foi acompanhado por um instrutor a todo momento, mesmo expediente que o clube diz adotar nas “aulas de tiro” que oferece depois do decreto restritivo. Zanata era namorada de Tony Eduardo. Em outubro, foi eleita deputada federal pelo PL de Santa Catarina.
“Ele chegou aqui, fez um cadastro, foi acompanhado, após fazer um cadastro e dar a identidade dele, como todo e qualquer cidadão que vem aqui, por um instrutor para a prática de tiro. Esse instrutor fica junto no momento em que a arma é escolhida. Fica junto a todo instante”, disse ao Jornal Nacional, em 2018.
A relação de Tony Eduardo com a família Bolsonaro se abalou nos últimos meses. Defensor de pautas da extrema-direita, o empresário se diz traído e perseguido pelo antigo governo. Ele chegou a criticar Eduardo Bolsonaro pela versão de que foi ao Qatar na Copa do Mundo entregar pen drives “explicando a situação do Brasil”. “Político fazendo política (e mal feita!)”, publicou o empresário.
Quando sofre críticas por se afastar do clã, Tony Eduardo diz que não pode idolatrar políticos. “Político jamais pode ser admirado por nada. Salários altos, equipe (fantasma) pra limpar a bunda e trazer café. Rolos (dentro da legalidade, mas nunca morais) mil. Todos, sem exceção. Admirar político partidário é ausência lógica”, escreveu, nas redes sociais.
TIRO RECREATIVO
Como era
Qualquer pessoa poderia ir a um clube de tiro e pagar para atirar contra um alvo em um ambiente controlado. O serviço
Como está
O decreto 11.366/23 proibiu expressamente a oferta de tiro recreativo por clubes e lojas do gênero. Apenas pessoas registradas como CACs no Exército podem praticar.
Outros pontos do decreto:
– Suspensão de novos registros de CACs;
– Suspensão de autorizações para novos clubes de tiro;
– Suspensão da venda de armas de uso restrito para CACs, até edição de nova regra;
– Recadastramento de todas as armas registradas desde maio de 2019;
– Proibição de transporte de armas municiadas por CACs.
– CACs poderão comprar, por arma de calibre permitido, 600 munições por ano. Até então, eram 5 mil.
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