André Oliveira: Fundação ou Instituto Butantan? Públicos ou privados? Relações nebulosas camuflam realidade e orçamento bilionário

Por André Oliveira, especial para o Viomundo

Na quarta-feira da semana passada, 15/02, o Conselho Curador da Fundação Butantan elegeu o seu novo diretor-executivo.

O escolhido foi Saulo Nacif, que não tem qualquer ligação com a área de saúde, como se esperaria.

Nacif é engenheiro mecânico-aeronáutico e consultor de gerenciamento estratégico e executivo de grandes multinacionais.

A repercussão na mídia foi pequena, como se o assunto fosse irrelevante.

A Folha de S. Paulo e o portal g1 noticiaram a eleição.

O site Metrópoles também. Porém, pela ilustração usada (esta abaixo) passa a ideia de que Instituto Butantan e Fundação Butantan são a mesma coisa, como se fossem sinônimos. Só que não são.

Embora fiquem na mesma área, tenham nomes parecidos e papéis que se interconectam, Instituto e Fundação são instituições distintas.

Para começar, o Instituto Butantan é público. Já a Fundação Butantan, privada. 

O Instituto Butantan é uma instituição centenária de pesquisa vinculada ao governo do estado de São Paulo.

Na próxima quinta-feira, 23/02, completa 122 anos.

Nele trabalham cerca de 400 funcionários públicos concursados, dos quais cerca de 100 são pesquisadores científicos.

Por lei, a eles cabe coordenar e executar pesquisas.

O Instituto Butantan tem um orçamento anual de cerca de R$100 milhões, consumidos principalmente com o pagamento de salários.

Já a Fundação Butantan tem natureza privada, como já disse, e existe há apenas 34 anos.

Em 1989, um grupo de funcionários do Instituto Butantan constituíram-na para apoiar pesquisas.

Inicialmente, contava com pequeno orçamento para pagar umas poucas bolsas de estudo de alunos e comprar materiais de pesquisa.

Mas, em determinado momento, a Fundação Butantan passou a ser utilizada para receber os recursos provenientes da venda de vacinas e soros para o Ministério da Saúde e que antes iam para o caixa do governo estadual paulista.

A justificativa é que pretendiam dar agilidade à produção de soros e vacinas, facilitando a aquisição de insumos e contratação de mão de obra.

Disseram também que deveria apoiar o Instituto Butantan e as pesquisas ali realizadas.

Com a expansão da produção de vacinas, os recursos que passaram a ingressar no caixa da Fundação foram aumentando a cada ano, atingindo a casa de centenas de milhões de reais.

O relatório anual da Fundação Butantan mostra que, em 2021, houve um superávit de R$ 2,578 bilhões.

Tudo isso graças aos recursos provenientes do governo federal — que é o principal financiador da Fundação Butantan.

Esses recursos têm como origem o Ministério da Saúde e o SUS,  e estão em poder de uma fundação privada.

O número de empregados da Fundação Butantan saltou de 1.345, em 2017, para 2.828, em 2021.

Para cada funcionário público do Instituto Butantan, há sete empregados pela Fundação.

Para complicar mais a situação já bastante confusa,  a sede da Fundação Butantan fica na rua Alvarenga, nº1.396, uma casa próxima ao Instituto Butantan.

Utilizando o GoogleEarth, é possível ver a entrada da casa e, utilizando suas ferramentas, calcular a área do imóvel:  cerca de 600 m2.

A Fundação Butantan, relembro, tem quase 2.900 funcionários.

Onde, então, eles trabalham?!

A grande maioria no mesmo espaço do Instituto Butantan, que é uma instituição pública.

E como não há mágica espacial, os funcionários públicos do Instituto Butantan acabam levando a pior. São obrigados a ceder seus locais de trabalho aos empregados da Fundação Butantan.

Essa situação é flagrante no prédio da administração, que costuma aparecer em reportagens.

Trata-se de uma edificação nova construída no terreno do antigo “Paço das Artes” da USP.

É onde ficam atualmente as diretorias do Instituto Butantan e da Fundação Butantan.

É também o prédio onde foram realizadas algumas das famosas coletivas do Comitê de Crise da Covid durante o governo Doria. Embora o espaço seja público, a grande maioria dos trabalhadores  é Fundação Butantan.

É preocupante que essa mesma Fundação Butantan tenha um histórico recente nebuloso, com uma sequência de crises.

Entre 2005-2008, houve o desvio de mais de R$ 30 milhões.

Em 2017, o então presidente da Fundação, André Franco Montoro Filho, denunciou irregularidades e se demitiu (aqui e aqui).

As denúncias mais recentes sobre a Fundação Butantan são de 2022.

Referem-se a contratos supostamente irregulares, salários altos e obras caras e desnecessárias (aqui), passando por inquérito sobre desmatamento de área de preservação permanente (aqui).

Desde a sua criação, em 1901, o Instituto Butantan desenvolve atividades de saúde pública relevantes e de interesse nacional.

Durante a pandemia teve papel fundamental no combate à covid-19 e na preservação de vidas.

Tem importância científica e estratégica nas políticas de saúde pública e imunobiológicos. Pode, inclusive, contribuir para diminuir a dependência nacional de imunobiológicos estrangeiros.

Em outras palavras: o Instituto, com seu mirrado orçamento, é que faz as pesquisas que dão fama ao Butantan, e não a Fundação, que tem  superavit bilionário.  A Fundação é só de apoio.

Considerando o grande volume de recursos que a Fundação Butantan recebe do Governo Federal e as crises recorrentes envolvendo dinheiro, algumas medidas são fundamentais, entre as quais estas:

*transparência de todos os atos administrativos da Fundação Butantan;

*revisão de contratos pelo Governo Federal, já que é principal financiador da Fundação;

*acompanhamento mais próximo pelo poder público e pela sociedade civil de suas atividades e decisões;

*maior participação da comunidade científica e da sociedade civil nas decisões da Fundação Butantan, incluindo a escolha de seus dirigentes.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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