Desde o golpe de 2016, merenda escolar piora
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Na fila da merenda de sexta-feira na escola Francisca Mendes Guimarães, em Nova Fátima, no sertão baiano, alunos aguardam sua vez para escolher entre as bolachas doces e salgadas em uma bacia e pegar um copo de suco de maracujá. É essa a merenda servida aos estudantes às 10h. Para alguns, a primeira refeição do dia.
“É frustrante demais, principalmente quando eles dizem que não querem”, conta Samara Santos Santana, diretora da escola.
O problema faz parte do dia a dia de cidades pobres de pequeno porte, que não têm receitas próprias e dependem basicamente da transferência de recursos federais para honrar suas obrigações.
Isso porque o valor da merenda está congelado desde 2017. Para 2023, o Congresso tinha aprovado uma LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que previa um reajuste de 34% para recompor as perdas no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), mas o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a proposta no dia 10 de agosto.
Além disso, o presidente ignorou o pedido dos municípios e apresentou o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para o Congresso Nacional, no último dia 31, com o valor de R$ 3,96 bilhões para o programa, praticamente o mesmo de 2022. A verba prevista, por exemplo, é menor que os R$ 5,6 bilhões destinados em decreto pelo governo, antes das eleições, para atender ao orçamento secreto.
Com esse valor, as escolas estão fornecendo lanches em vez de refeições. Algumas preferem até suspender as aulas mais cedo para poder liberar os estudantes sem merenda.
Hoje, para cada refeição de aluno do ensino fundamental, o governo federal repassa R$ 0,36. Isso impede que mais opções sejam ofertadas aos alunos.
“Nós não temos como dar outra opção de suco para o aluno, por exemplo. Se ele não gosta daquela fruta, fica sem tomar”, diz a diretora.
A escola fornece hoje duas merendas para os alunos por dia, uma para cada turno de aulas: às 10h e às 15h. “[Um fornecimento apenas] é pouco pelo tempo que eles estão fora de casa. Um exemplo são os alunos da zona rural, que na sua maioria saem de casa às 11h40 e só retornam entre 17h40 e 18h”.
Ela conta que houve casos de alunos do turno da tarde que chegarem sem ter almoçado em casa. “Eles ficavam esperando o lanche das 15h em completo desespero. Quando investigamos e soubemos, acionamos a assistência social da cidade”, afirmou.
Tenho certeza de que, havendo um valor justo para a compra da merenda, nossos alunos teriam mais refeições. Por conta do baixo valor da merenda, fazemos apenas uma refeição, mas é pouco. Seriam necessárias duas refeições.”Samara Santos Santana, diretora escolar
A filha de Jucicleide Carneiro, de 11 anos, é aluna da escola e também acha pouco o que a aluna do quinto ano come. “Uma fruta para uma criança pela manhã é pouco. O melhor dia é o da sopa, ou o pãozinho de batata, mas só são cerca de dois lanches desses no mês. Diariamente é só biscoito ou pipoca com suco e fruta”, afirma.
Por isso, ela diz que tenta dar um café da manhã reforçado para Késia Luanny para que ela não chegue com muita fome à escola. “O problema é que ela não tem muito apetite logo cedo”, conta.
O prefeito de Nova Fátima, Adriano de Rosalva (PP-BA), afirma que tem usado dinheiro de outros repasses federais ou estaduais para não deixar de dar merenda aos alunos.
“Nós temos uma pequena arrecadação própria. É impossível dar alimentação com o valor repassado. Na educação para jovens e adultos [EJA], o repasse é de 32 centavos. Você compra o que com esse valor?”, questiona.
“Esse valor não paga nem a água mineral, é impraticável e não tem qualquer justificativa para isso. As coisas estão muito mais caras, então a gente deixa de fazer algumas coisas, como os eventos, um calçamento em uma rua, uma rede de esgoto, para dar comida às crianças.”
Valor repassado por aluno por dia:
Educação de jovens e adultos – R$ 0,32
Ensino fundamental – R$ 0,36
Pré-escola – R$ 0,53
Creches e ensino integral – R$ 1,07
A coluna ouviu vários outros gestores municipais e escolares, que fazem críticas semelhantes.
“Temos 800 alunos e recebemos em média R$ 7.000 para 22 dias letivos. Não dá para comprar nem o pão que fornecemos na merenda. Dá R$ 7,92 por aluno, isso não dá para comprar o quilo de arroz ou o leite para alimentar as crianças”, relata Michel Bezerra, secretário de Educação do município de Antônio Martins (RN).
O problema afeta também a cadeia produtiva da região, já que ao menos 30% da merenda deve ser comprada da agricultura familiar.
Rita Xavier, tesoureira da Cooperativa Agroindustrial de Nova Fátima, afirma que no início de cada ano a entidade faz um contrato com a prefeitura, que a cada dia fica mais complicado.
“A prefeitura tem comprado menos, e a mercadoria está muito cara. Sem contar que os valores pagos são os mesmos, não tivemos aumento. Quem sofre as consequências [da falta de reposição da inflação] é o agricultor familiar.”
Segundo Mariana Santarelli, assessora de políticas públicas da Fian Brasil (Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas), a defasagem do valor repassado causa impacto brutal especialmente nas cidades menores.
“Nos últimos anos, houve uma perda de poder de compra por conta da inflação de alimentos que compõem a alimentação escolar. Os preços subiram muito”, ressalta.
Para ela, nesse cenário, o recurso repassado não é suficiente para garantir uma alimentação minimamente adequada como manda a lei.
“Têm escolas que estão deixando de oferecer aulas todos os dias porque não têm merenda e preferem dispensar os alunos mais cedo. Em outros casos, eles reduzem a qualidade, fazem alimentação baseada só em arroz e feijão, com redução de proteínas, frutas e verduras. Mas a maioria troca a refeição pela oferta de um lanche”, comenta.
“Diferentemente das capitais, que têm condições de complementar com mais duas ou três vezes o valor do PNAE, muitas prefeituras não têm recursos próprios. Isso afeta aquelas cidades mais pobres, que é justamente onde se tem mais fome”, completa.
Em nota, o Observatório da Alimentação Escolar, que reúne organizações da sociedade civil e movimentos sociais, afirma que tem lutado para que o Congresso derrube o veto e recomponha a previsão de aumento para 2023 do valor do PNAE.
“Essa é a segunda vez que Bolsonaro, em menos de um mês, se nega a atualizar os recursos destinados para a alimentação escolar. Ele vetou o reajuste aprovado pelos congressistas no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 —uma recomposição de 34% que cobria a defasagem dos últimos cinco anos”, afirma.
Para as entidades, “as decisões de Bolsonaro atingem em cheio uma das principais políticas públicas voltadas a garantir o direito humano à alimentação e nutrição adequadas”. Segundo o observatório, cerca de 40 milhões de estudantes são atendidos atualmente pelo PNAE.
A alimentação escolar adequada é fundamental para um expressivo número de famílias brasileiras nessa situação. Para boa parte delas, as refeições na escola são a principal fonte de comida saudável de seus filhos.”Trecho de nota do Observatório da Alimentação Escolar
Procurado pela coluna, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), autarquia vinculada ao Ministério da Educação que gerencia o PNAE, informou que não possui autonomia para aumentar o valor a ser repassado às entidades executoras. “Esse aumento só pode ocorrer se houver majoração do valor per capita”, diz.
Ainda segundo o órgão, esses valores per capita não podem se diferenciar entre os municípios por maior vulnerabilidade social. “Cabe destacar que, durante o período de pandemia da Covid-19, o FNDE repassou duas parcelas extras, a fim de apoiar os municípios e estados garantindo mais recursos para viabilizar a distribuição de kits de alimentos aos estudantes em aulas remotas”, afirma.
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