Vera Salerno: É hora de os trabalhadores retomarem a luta pela dignidade no trabalho e os sindicatos, a defesa dos direitos humanos de associados ou não

O QUE SOBROU AO TRABALHADOR AO FINAL DESTES ANOS?

Por Vera Lúcia Salerno*

A diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, em 12 de dezembro, é uma injeção de ânimo geral.

Nos trabalhadores, encoraja a retomada da luta.

Primeiro, revendo o que foi perdido ao longo dos últimos anos. Segundo, avaliando o que  vale a pena reconquistar. Por exemplo, a alegria de trabalhar.

Trabalho digno é diferente de dignidade da pessoa humana que trabalha, mas é quase isso.

A dignidade como um valor inerente à pessoa humana é um direito, que ninguém pode remover. A não ser a própria pessoa, como tem crescentemente ocorrido. 

Nos tempos atuais, a propaganda — feita em todos os níveis e de todas as formas —  combinada à perda dos direitos coletivos e individuais no trabalho têm tido sucesso em desarmar os referenciais de dignidade humana de cada pessoa. 

Ao ter de se submeter a mandos e regras contrários à sua vontade, é o próprio sujeito que se violenta.

Pior que às vezes ele mesmo determina essas regras por necessidade de sobrevivência, o que é muito triste.

O conceito de trabalho decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já ultrapassou a maioridade. Tem 23 anos.

Ele define quatro objetivos estratégicos:

1. Respeito aos direitos no trabalho, especialmente aqueles definidos como fundamentais (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil).

2. Promoção do emprego produtivo e de qualidade.

3. Ampliação da proteção social.

4. Fortalecimento do diálogo social.

Além de muito pouco, é genérico.

Mesmo assim, esse conceito foi sobrepujado pela chamada flexibilização do trabalho, disseminada no mundo por palavras de ordem desde a década de 1970 e que no Brasil chegou cerca de 20 anos depois. 

Os efeitos todos nós conhecemos. 

Estímulo à individualidade, à excelência no resultado do trabalho, à competitividade e ao empreendedorismo. 

Em declínio, as noções de coletivo, coletividade, solidariedade e companheirismo foram guardadas em caixinhas bem fechadas, escondidas em cada sujeito. 

O papel dos sindicatos que poderia ter sido histórico, na identificação e impedimento desses movimentos, ficou perdido.

Desde o final da década de 2010, as ações dos sindicatos vinham sendo questionadas de forma mais contundente  por algumas lideranças de trabalhadores não ligadas às entidades.

As razões citadas poderiam ser resumidas no afastamento entre representantes e representados. Diretorias cada vez mais distantes do “chão de fábrica”, talvez pela dicotomia ‘burocratização X base’.

No que diz respeito à Saúde, o papel dos sindicatos, com raras exceções, foi se desfigurando tanto do ponto de vista de compreensão da realidade quanto do poder político dentro dessas associações. 

Muitas vezes a preocupação do diretor de sindicato com a própria carreira na entidade sobrepujou a obrigação de defender os interesses dos trabalhadores e enfrentar os empregadores.

Infelizmente, a maioria dos sindicatos não fomentou a organização de trabalhadores em grupos que estimulassem o companheirismo e a solidariedade, diminuíssem a carga de sofrimento e ajudassem a buscar respostas para enfrentar a parte ruim das mudanças do mundo do trabalho.

Não foi só isso.Essa forma de organização dos trabalhadores, além de não ter sido estimulada, foi e é combatida até hoje. Seria por medo de concorrência?

No momento em que um metalúrgico é diplomado pela terceira vez como presidente do Brasil, os sindicatos têm pela frente uma missão de grande relevância:

— Retomar o papel de defesa dos direitos humanos dos associados ou não da entidade.

— Apoiar trabalhadores empregados, desempregados, aposentados e os ‘empreendedores de si mesmos’; estes, os mais enganados, seguem tristemente um caminho que não contempla doença nem envelhecimento.

— Organizar debates sobre o papel do trabalho em nossas vidas, na nossa saúde.

— Ampliar o pensamento e aceitar as novas necessidades que chegam com a mudança de época que estamos atravessando.

Feliz Ano Novo!

*Vera Lucia Salerno, médica sanitarista e do trabalho, formada há 40 anos sempre a serviço do SUS. É professora do departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina Unicamp

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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