STF suspende reintegração de posse no interior de São Paulo por descumprimento de normas para despejos
Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a reintegração de posse do Jardim Nova Esperança, comunidade que vive na região do Banhado, em São José dos Campos (SP). A remoção das famílias é reivindicada pela prefeitura da cidade, numa batalha judicial que se estende há anos.
De acordo com a determinação de Moraes, da última sexta-feira (22), a medida que definiu a desocupação da área não cumpre regras estabelecidas pelo Supremo para esse tipo de processo. O ministro cita as regras fruto do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. Após a pandemia, o tribunal estabeleceu uma série de critérios a serem levados em consideração em situações dessa natureza.
Há uma semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia autorizado a remoção das pessoas que vivem no local. A região virou área de preservação em 2012, com a criação do Parque Natural Municipal de Banhado. No entanto, as famílias já viviam na área antes disso.
Na última quarta-feira (20), a pedido da Justiça, policiais militares estiveram na comunidade para demarcar a área da remoção. Na ocasião, houve confronto, e moradores denunciaram que a abordagem dos agentes foi truculenta. A corporação alega que foi hostilizada por manifestantes e que não houve registro de feridos.
Comissões para mediar despejos
Segundo Alexandre de Moraes, a decisão da Justiça paulista desconsiderou normas como a instalação de comissões específicas para mediar despejos e políticas sociais que visam diminuir o impacto de reintegrações de posse para as comunidades.
Essas determinações foram elaboradas após o período em que as desocupações foram proibidas no Brasil por causa da emergência sanitária da covid-19. Para retomar as reintegrações, o Supremo definiu que os tribunais deverão instalar comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes.
Além disso, o STF também estabeleceu a obrigatoriedade de inspeções judiciais e audiências de mediação “como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva”. Essas normas não foram seguidas no caso da comunidade do Jardim Nova Esperança.
O vice-presidente da Associação de Moradores, Renato Leandro Vieira, aponta que região é alvo de interesses especulativos. “Sabemos que a especulação imobiliária em São José dos Campos é algo muito forte. Já tivemos os casos da cidade de Pinheirinho, Morro do Regaço, Detroit, entre outros bairros que foram retirados de forma brutal, e nós corremos risco, essa semana, de sofrer algo parecido.”
A Prefeitura de São José dos Campos informou, em nota à imprensa, que “respeita e cumpre todas as decisões judiciais e, neste caso, aguarda ser oficialmente notificada para se manifestar”.
Vaivém de decisões
A população que vive no Banhado sofre há mais de uma década com as constantes mudanças de decisões do poder público relacionadas à ocupação da área. Há quase um ano, o Supremo Tribunal Federal já havia suspendido uma ordem de reintegração de posse, a pedido da Defensoria Pública.
Em agosto de 2022, a administração municipal chegou a demolir casas no local irregularmente, já que a situação ainda seguia sob avaliação judicial. Segundo as famílias que vivem na região, não houve nenhum tipo de notificação.
A prefeitura de São José dos Campos já havia pedido a remoção das famílias que vivem na comunidade em 2018, pouco mais de cinco anos após a criação do parque municipal. Do outro lado, a Defensoria Pública e a comunidade passaram a tentar a regularização do bairro.
Segundo o vice-presidente da Associação de Moradores do Jardim Nova Esperança, a comunidade vai intensificar essa luta. Ele ressalta que existe um plano popular de regularização, fruto de assembleias e em acordo com termos técnicos.
“Nós vamos fazer um ato em 26 dezembro pela regularização do Banhado, onde estarão diversos movimentos, partidos e nós, do Banhado Resiste. Queremos a regularização fundiária do Banhado. O parque que foi criado é inconstitucional, não cumpria normativa nenhuma”, afirma Renato Leandro Vieira.
O pedido de regularização foi atendido em decisão de primeira instância em maio passado. Na sentença, a criação do parque foi declarada inconstitucional. Segundo a juíza Laís Helena Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos, a lei que criou o Parque Municipal Natural do Banhado “foi promulgada e sancionada à revelia de quaisquer estudos técnicos”.
A magistrada também ressaltou que a comunidade não participou do processo. “Os moradores do Banhado não foram devidamente informados de que suas casas estavam situadas no perímetro do parque. Não puderam opinar sobre o perímetro do parque. Por isso entendo que houve inegável violação ao princípio democrático”.
Agora, meses depois, a Justiça paulista determinou a retomada do processo de desocupação, alegando que a presença das famílias poderia causar danos irreversíveis à área de proteção. A sentença previa, inclusive, uso de força policial no processo.
Além disso, a prefeitura tenta negociar a saída das famílias do local com pagamento de indenização. A Câmara Municipal aprovou uma lei que prevê pagamento de R$ 110 mil para quem aceitar deixar a área.
Segundo um levantamento realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, São José dos Campos é a quarta cidade com o metro quadrado mais caro do estado de São Paulo. O município também está entre os vinte com a maior média de preços de todo o país.
Reação
O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo divulgou nota pública em repúdio às tentativas de remoção das famílias do local. Segundo o texto, publicado na quinta-feira (21), a determinação da justiça paulista foi arbitrária e ocorreu mesmo após decisões judiciais anteriores que foram favoráveis à comunidade.
De acordo com a nota, a sentença foi estabelecida “em meio a lutas e articulações dos movimentos sociais, organizações populares e demais órgãos dos direitos humanos, que há tempos saem em defesa dos direitos sociais como a terra, a moradia e a não expropriação de seus territórios, sendo o local pertencimento legítimo da pessoas moradoras do território”.
A manifestação do Conselho também alerta para a presença de populações tradicionais no local. “A comunidade do Banhado é composta por área de quilombo e a preservação da cultura quilombola e sua organização estão diretamente ligadas ao uso do território, pois o local agrega valores e simbolismos que se perpetuam e se tornam espaços de identidade de grupos sociais que hoje lutam pelo seu reconhecimento e visibilidade.”
Ainda no texto, a organização aponta incoerências nas afirmações de que a permanência da população no local pode representar danos ao meio ambiente. “A narrativa de que a área é de preservação ambiental, por isso incompatível com a convivência e ocupação humana neste território, expõe uma nuance da contradição do capital nas cidades e no campo, quando licenciam as mesmas áreas para grandes corporações imobiliárias geradoras de concentração de riqueza e expropriadora de terra dos povos pretos e originários.”
Acesse aqui a página da organização Banhado Resiste. Veja fotos da comunidade e saiba mais sobre a história do Jardim Nova Esperança na página do Museu das Remoções.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog