Pedro Augusto Pinho: Três temas para compreender o século 21
Da Redação
Durante três semanas o jornal Monitor Mercantil publicou a série “Temas para Compreender o Século XXI”, de Pedro Augusto Pinho.
Ela foi dividida nestes três artigos, publicados digitalmemte em 6, 13 e 20 de agosto; e nos dias 7,14 e 21, na versão impressa:
Nesta sexta-feira, 30/08, o Viomundo reproduz a série completa com os três artigos.
Confira-os abaixo.
Por Pedro Augusto Pinho*, no Monitor Mercantil
Iniciamos com este artigo os três temas principais que nos ajudam a compreender as mudanças ocorridas neste século e as perspectivas que já podemos perceber.
Começamos pelo próprio homem, “Geopolítica e Humanidade”, prosseguiremos tratando da condição básica para o progresso da sociedade: “Energia e Desenvolvimento”, concluindo com a disputa que se trava neste século pelo domínio da sociedade e da própria vida dos seres humanos: “Finanças e Poder”.
Lewis Mumford (1895-1990), historiador nascido em Nova Iorque, Estados Unidos da América (EUA), observava que três obsessões impedem que a humanidade disfrute vida produtiva e feliz: a do dinheiro, a do poder e a dos símbolos religiosos.
Pelo País e pela época em que atuou, Mumford se deixou levar pelas disputas que mudavam as relações entre as nações, quer colonizadoras, quer colonizadas. Porém sua contribuição foi mais ampla e relevante.
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A COMUNICAÇÃO E O HOMEM
A antropologia reconhece no “Australopithecus afarensis” o primeiro hominídeo, bípede explorador das savanas africanas, oriental e central. A linguagem foi simultaneamente o fator de coesão e da distinção do homem primitivo, dela surgindo a diversidade racial.
O homem teve seu desenvolvimento construído a partir de sua relação com os meios físico e social. Há, como sempre ocorreu, permanente troca de mensagens entre estas realidades, física e social, que condicionam a capacidade cognitiva e o repertório humano, em contínuo acréscimo de informação.
Neste sentido a mais recente e maior contribuição vem do neurocientista Miguel Nicolelis (São Paulo, 1961), sábio brasileiro, professor emérito da Duke University (Durham, Carolina do Norte, EUA), membro da Academia de Ciência da França e eleito pela “Scientific American”, em 2004, como dos 20 cientistas mais influentes do mundo.
Nicolelis distingue duas categorias de mensagens. A que denomina “informação shannoniana”, digital, valendo-se de código binário, a “S-info” e a “informação gödeliana”, analógica, contínua, a “G-info”.
Claude Shannon (1916-2001), conhecido como “pai da teoria da informação”, no artigo de 1948 “A Mathematical Theory of Communication”, publicado no “Bell System Technical Journal”, apresenta a fórmula probabilística de encontrar a informação no conjunto de possibilidades de um emissor.
E a entropia de um sistema passou a ser a definição quantitativa do arranjo dos elementos, contidos num espaço limitado, de onde sai a informação contida na mensagem.
Kurt Gödel (1906-1978), matemático e lógico tcheco, naturalizado estadunidense, publicou seus dois teoremas da incompletude em 1931, aos 25 anos, um ano após terminar seu doutorado em Viena. Fez também contribuições importantes para a teoria da prova, esclarecendo as conexões entre a lógica clássica, a lógica intuicionista e a lógica modal.
A evolução da comunicação pode ser observada por diversos critérios. Adotaremos, neste mundo financista, a moeda, uma das análises de Miguel Nicolelis em “O Verdadeiro Criador de Tudo” (Editora Planeta, SP, 2020).
A moeda surge com as trocas, é um elemento concreto e, em muitos casos, utilitário.
No mais longínquo tempo tinha-se: na Ásia, o arroz; na China, o sal; na Babilônia, a cevada; entre os astecas, o cacau e vestes de algodão, porém entre os árabes e os vikings, os seres humanos, escravizados, também serviam como meio de troca.
Numa fase seguinte, os minerais: ouro, prata, cobre, ferro e estanho (Malásia) passam a ser usados como moeda e têm vida muito longa.
O ouro é usado desde 3.000 a.C. (Mesopotâmia) até 600 d.C. quando a China, pioneiramente, adota o dinheiro em papel. Mas da China para o restante do mundo delongaram-se muitos séculos. O papel moeda só vigorará no Ocidente após o Renascimento, com o surgimento da Idade Moderna.
No século XX começa nova era comunicacional e as moedas ganham um sentido cada vez mais abstrato, cartões de crédito e dinheiro bancário eletrônico, até chegarmos à moeda virtual, sem qualquer materialidade, como a criptomoeda, o bitcoin do século XXI.
Se os ocidentais construíram igrejas para cultuar o desconhecimento da vida e do universo, os atuais constroem templos para outro ser que não é visível, mas sua presença muda a vida de todos, a “Igreja do Mercado Financeiro”, abreviadamente, “Mercado”.
“O sistema financeiro mundial escapou ao controle de qualquer ser humano ou instituição de fiscalização, passando a ser dirigido, única e exclusivamente, por uma guerra virtual, não declarada, entre número razoável de supercomputadores que disputam a supremacia dos mercados, agindo como prepostos de vice-reis humanos, que assistem a essa feroz disputa a distância, tendo perdido qualquer compreensão do novo ecossistema econômico, cruzando os dedos e rezando por resultado positivo. Basicamente, este é o diagnóstico mais acurado de como a engrenagem da economia mundial se move hoje” (Miguel Nicolelis, obra citada).
Ao que se deve acrescentar, na direção da guerra, de múltiplas destruições.
GEOPOLÍTICA NA ERA VIRTUAL
Golbery do Couto e Silva (1911-1987) definia como campo da geopolítica: a doutrina, onde ele inseriu a metodologia, a cosmovisão ou, como escreveu, “Weltanschauung” (visão do mundo) e as diretrizes para ação. Com isso, o general estrategista de 1964, em “Aspectos Geopolíticos do Brasil” (1960), uniu a ideologia à ação.
Sobreviveria esta concepção à virtualidade do século XXI, quando armas lançadas por quem está do outro lado do mundo se auto dirigem para eliminar povoamentos, cidades inteiras? Seria apenas a eliminação física o indicativo da vitória?
Nicolelis, seguindo a informação gödeliana, nos dá o exemplo da pessoa que sentia cócega na perna decepada. Não estaria nos abrindo o campo mais profundo da geopolítica?
O EUA, pela maneira como foi colonizado pelos europeus (ingleses, irlandeses, escoceses, holandeses, franceses, espanhóis, suecos) de histórias e hábitos diferentes, de como estes estrangeiros trataram os habitante originais, embora prevalecesse majoritariamente a bélica, até pelo extermínio, teve que inventar a história que proporcionasse um fio condutor para as Treze Colônias.
Esta farsa do início gerou um tipo de “informação gödeliana”, que acompanhará a história estadunidense e interferirá na visão geopolítica do Estado.
Paulo Nogueira Batista Jr., em artigo (“A Venezuela está enfrentando o Império; isso não pode ser desconsiderado pelo Brasil”, Viomundo, 30/7/2024) que analisa a recente eleição de Nicolás Maduro para presidente da Venezuela, qualifica, exemplificando, a ação do Banco Central de necessariamente corruptora.
Começa questionando a corporação global: “existem empresas de determinados países que têm atuação internacional”. E, prossegue: “quando uma empresa americana dita global é atingida nos seus interesses, o governo americano se solidariza com ela”.
O Banco Central recebe seus dirigentes do mercado financeiro privado, para onde retornarão após seus mandatos. Logo, não poderão defender o interesse do Estado Nacional e se indispor com os do mercado privado.
William D. Hartung, pesquisador sênior do Quincy Institute for Responsible Statecraft e autor de diversos trabalhos que o colocam como referência no campo da geopolítica, escreveu: “após a derrocada da União Soviética, quando o então presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA, Colin Powell, disse, em discurso antológico: “Estou ficando sem demônios. Estou ficando sem vilões. Estou reduzido a [Fidel] Castro e Kim Il-sung [o falecido dirigente norte-coreano]” (“As fantasias tecnológicas do Pentágono”, no “Consortium News”, traduzido por Outras Palavras, em 26/10/2023).
Por que os EUA precisa de demônios, de vilões, de terroristas, sendo ele mesmo um “estado terrorista”?.
Perguntem aos salvadorenhos, aos afegãos, aos líbios, aos antigos iugoslavos? Só os EUA, ou suas colônias, consideram os islâmicos terroristas.
Mas qualquer dirigente do Estado, nos EUA, é designado e terá sua avaliação “popular” orientada pela comunicação controlada pelas empresas financeiras privadas
A China, dos “hen”, é pacífica desde antes da Era Cristã. Um país que constrói muralhas não o faz para agredir, mas para se defender. Por que constituiria, no século XXI, um “trator” devastando a Ásia?
A geopolítica, no Ocidente, vem sendo construída sobre a realidade de um país que se alimenta da guerra, que impõe sua moeda como moeda de troca universal, que dissemina pelo planeta mais de 400 bases militares, enfraquecendo ou impedindo a soberania das nações, que estabelece, pela farsa, uma inatingível capacidade tecnológica. Porém, esta não é a realidade!
A realidade do mundo é a própria realidade da espécie: diversificada, múltipla, buscando, nos seus valores, a sua felicidade. A realidade do século XXI é a multipolar e a geopolítica não pode, sem cometer grave erro, seguir a do militar golpista e estrategista brasileiro de 1964.
Porém, se a religião cegou, por seis séculos, os europeus; destruiu seu maior império, o romano, subjugou o talento de seus grandes filósofos, tudo “pela maior glória de Deus” (“Ad majorem Dei gloriam”), como está no lema dos jesuítas, os “soldados de Cristo”, por que a moeda não seria esta nova venda?
Com a entronização das finanças, as igrejas foram sendo transformadas em instituições financeiras, o Vaticano perdeu para a religião neopentecostal que surge, nos anos 1970, nos EUA.
No Brasil, a Igreja Cruzada do Caminho Eterno (Salão da Fé) foi criada no Rio de Janeiro, em 1975, e tomou, dois anos após, novo nome, da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), proprietária do Grupo Record de Comunicação.
Mas surgem as Igrejas meramente virtuais que manobram bitcoins e moedas sem materialidade nem lastro. A geopolítica se dá num espaço vazio, no mínimo, de incompletudes.
Se num passado, ainda próximo, havia a geopolítica das nações buscando condições para o desenvolvimento de seus habitantes, havia o sentido das nacionalidades, hoje o poder virtual desloca o manejo das sociedades por verdadeiras abstrações.
Por toda parte?
Não. Como René Goscinny escrevia nos maravilhosos quadrinhos de Albert Uderzo para apresentar a aldeia de Asterix e Obelix: os romanos dominaram todo mundo? Não, pois havia uma pequena aldeia, na Gália, que os impedia.
Hoje é a pacífica República Popular dos “hen”, no extremo leste da Ásia, que impede que a moeda invisível tome conta do mundo. Que ainda mantenha a estratégia no interesse no ser humano.
Mas na belicosa geopolítica das finanças, nos relatórios de seus organismos – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) – a conclusão é que a China não suportou o ritmo de desenvolvimento, está perdendo a disputa com os EUA.
Há, por conseguinte, no século XXI dois vetores geopolíticos: aquele que segue o dinheiro, mesmo virtual e sem lastro, “cherchez l’argent”, e o que busca o desenvolvimento humano, investe no bem estar do povo, ainda que com menor crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Arrastados pela geopolítica das finanças poder-se-á chegar ao extremo da ação anti-humana: a guerra.
Nesta terceira década, o decadente poder dos EUA, econômico, tecnológico, militar (vide Ucrânia), moral (vide os palestinos) pode se transformar em nova guerra mundial.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado
Por Pedro Augusto Pinho*, no Monitor Mercantil
Ao analisar os recursos que possibilitaram o progresso material da espécie humana, verifica-se que as diferentes fontes de energia primária não apenas foram fundamentais, como imprimiram velocidade a esse desenvolvimento.
Quanto mais potente, mais rapidamente surge outra fonte que se mostra não apenas mais potente, mas também mais evoluída tecnologicamente.
O carvão mineral foi a mais avançada por pouco mais de um século; o petróleo, que o substituiu, nem chegou a 100 anos e já foi destronado pela fissão nuclear, e hoje temos a fusão nuclear produzida em laboratório na China.
Busca-se o falso conflito entre as condições climáticas e a preservação da qualidade do ar com o uso dos combustíveis fósseis.
Deve-se, fundamentalmente, à perda do controle dos reservatórios de petróleo pelos Estados Unidos da América (EUA) e pela Europa Ocidental, o mundo Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Apenas em relação ao carvão mineral, os EUA e a Austrália, que se subordinam politicamente ao mundo Otan, possuem reservas situadas entre as cinco maiores.
O geólogo Ricardo Latgé Milward de Azevedo, diretor do Clube de Engenharia, escreveu na Revista do Clube, editada em 30/7/2024, o artigo “Transição climática versus exploração e produção de petróleo no Brasil: um falso conflito”, onde se lê:
“Observando os números de 2022 relacionados às emissões de Gás de Efeito Estufa (GEE) no Brasil, constatamos que as atividades de exploração e produção de petróleo e de refino contribuíram, cada uma delas, com somente 1% do total das emissões. São valores irrisórios frente aos 48% associados à mudança de uso da terra e floresta e aos 27% da agropecuária.”
“A contribuição do transporte na emissão de GEE também é relevante, 18%. Este é um segmento que, se adotadas políticas públicas que preconizem a opção pelo transporte de massa e de qualidade nas cidades brasileiras, poderemos dar uma contribuição rápida para a redução das emissões, além de educar a sociedade para a preservação do planeta, apoiado em soluções coletivas.”
Ricardo Latgé ressalta também que “o Brasil tem a matriz energética das mais limpas do mundo, com 55% de contribuição de fontes não-renováveis, bem menos do que os 85% da média mundial.”
Na última edição da Matriz Energética Mundial pelo Energy Institute (EI), juntamente com a empresa KPMG, relativa ao ano de 2023, tem-se o seguinte quadro, em percentuais, comparado com o Brasil:
Vê-se a posição confortável do Brasil quanto à dependência dos combustíveis fósseis, principalmente considerando a elevada dependência mundial.
Esta situação deixa bastante evidente a campanha movida pelos países do Atlântico Norte contra o uso do petróleo, principalmente pela situação política independente ou contrária aos EUA dos detentores das cinco maiores reservas: Venezuela, Arábia Saudita, Irã, Rússia e Iraque.
Em relação às demais fontes, pela mesma origem dos dados e também em percentuais, têm-se:
Duas observações são pertinentes:
(a) A baixa produção de energia pela fissão nuclear, que significa o ridículo nível do desenvolvimento brasileiro na área da tecnologia nuclear; e a alta percentagem de renováveis, devido ao uso de resíduos agrícolas e à ação do Movimento dos Sem Terra (MST), importante produtor de bens agrícolas, principalmente alimentares.
(b) A imprensa hegemônica no Brasil faz absoluto silêncio sobre a ação do MST, pois está quase totalmente dominada por sistemas financeiros e, muitas vezes, estrangeiros.
Assim, desconhece-se a produção de frutas, hortaliças, tubérculos, grãos, leite e lácteos, café, feijão, arroz, geleias, sucos e doces, entre outros produtos que o MST produz, em 24 dos 26 estados brasileiros, nas cinco regiões do país. No total, são cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e da organização dos trabalhadores rurais, e que também colaboram na produção de energia renovável de origem vegetal e animal.
É evidente que, tendo início no Pró-Álcool (Decreto 76.593/1975), no governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979), a cana-de-açúcar ganhou maior relevância. Posteriormente, a mandioca e o sorgo também vêm contribuindo significativamente com a produção energética nacional.
ENERGIA NÃO CONVIVE COM ORIENTAÇÃO GLOBAL
Do ponto de vista da energia, o Brasil só não é um paraíso por falta de ações nacionalistas, por governos que não aceitem imposições dos interesses estrangeiros, ou não se deixem corromper.
As condições específicas de cada país definirão as principais fontes de energia primária, aquelas que, pelo menor custo e maior abundância, devem ser as mais utilizadas. Onde não há correntes de vento abundantes e permanentes, a energia eólica, que além de cara é intermitente, constitui fonte imprópria para uso.
Do mesmo modo, um país com grandes reservas de petróleo, que além de produzir energia barata pode ser usada permanentemente, promoverá imensa inadequação ao substituí-las por quaisquer outras fontes.
A energia da biomassa talvez seja a única que pode ser utilizada mais amplamente. Estudos e análises de pesquisadores como José Walter Bautista Vidal (1934-2013), que trabalhou com o presidente Geisel no Programa do Pró-Álcool; Adriano Benayon do Amaral (1935-2016), diplomata e escritor; Márcio Pochmann (1962), professor universitário e atuante político; e Frei Sérgio Görgen (1956), organizador e auxiliar do MST, têm versado sobre a compatibilidade da produção da agricultura familiar com a agroenergia.
A Diretoria da TV Cidade Livre, de Brasília, em manifesto de novembro de 2008, fazendo referência à crise financeira que se estabeleceu de 2008 a 2010, sugando recursos públicos dos EUA e da Europa, escreveu:
“A crise do sistema financeiro capitalista pode ser aproveitada com independência e soberania para a opção por outro modelo de desenvolvimento socioeconômico, baseado em nossas economias reais, sem depender de financiamento externo. É exatamente neste sentido que a energia renovável pode ser uma alavanca poderosa para criar milhares e milhares de empregos pelo fortalecimento de pequenas unidades produtivas de alimentos e de energia descentralizados”.
Cada nação terá um tipo de energia que lhe seja mais abundante e tecnologicamente mais facilmente implementada. Deve ser a primeira escolha e aplicada nos limites de sua possibilidade.
Esta situação é sobretudo importante na África, cujo longo período colonial impediu os países de desenvolverem soluções nacionais e, ainda hoje, importam modelos inadequados aos seus meios e a suas possibilidades tecnológicas e econômicas, fazendo perdurar a dependência aos países colonizadores europeus.
Em outubro de 2023, o então presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, afirmou que a companhia teria potencial para ser referência na geração de energia eólica a partir de usinas no oceano.
“Companhia offshore [exploração no mar] continuaremos a ser, só que agora dos ventos”, afirmou, referindo-se à capacidade já conhecida da empresa de explorar petróleo em alto-mar, publicou a Agência Brasil.
Esta declaração foi feita durante o seminário Caminhos para Transição Energética Justa no Brasil, organizado pela Petrobrás e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro.
“Quem faz isso [exploração em águas profundas] pode entrar tranquilamente no offshore eólico. São grandes estruturas de aerogeradores e estruturas de escoamento de energia em que são aproveitadas, inclusive, plataformas de petróleo que já deixaram de ser utilizadas para o primeiro fim”, prossegue a Agência Brasil.
Pelo projeto de Jean Paul Prates, a Petrobrás, apenas na construção do megagerador contratado à Weg, gastaria R$ 130 milhões. Esta máquina teria 220 metros de altura, 1.830 toneladas de peso e seria produzida em série a partir de 2025.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA, MAS PARA QUAL ENERGIA?
A expressão “transição energética” aparece como solução mágica para as questões climáticas, para a poluição ambiental, para a saúde das populações, só não foi até agora usada para a cura do câncer. No entanto, não vem complementada para qual energia é proposta a transição.
Muitas vezes será mencionado o gás, que é uma energia fóssil e obtido dos mesmos reservatórios do petróleo. O gás é uma das formas em que aparece o petróleo. Outras são o próprio óleo e as areias betuminosas, estas últimas de reservatórios diferentes do óleo e gás.
Além disso, muitas proposições de nova energia necessitam de petróleo para produzir e mover suas máquinas, como o caso do gerador da Weg.
A substituição absoluta do petróleo só poderia ocorrer pela biomassa, que teria parte utilizada como energia e parte como fertilizante, sem considerar as máquinas agrícolas nas condições atuais de fabricação.
Como se verificou na composição da matriz energética brasileira, nosso país é verdadeiramente abençoado por Deus. Porém, o domínio neoliberal impõe-nos um primeiro erro: tratar da energia como um produto qualquer, que pode ser submetido às “leis do mercado”.
A energia é um bem fundamental que deve ter sua avaliação pelo grau de independência de seu uso, isto é, pelo uso daquela disponível no território nacional, com tecnologia nacional, ainda que a custo maior.
Pois, sem energia, nenhum desenvolvimento será possível ou irá gerar dependência decisória para o país.
Além de petróleo, que pode ser utilizado como energia e como insumo da indústria petroquímica, o Brasil tem a malha fluvial que, além da geração de energia, pode compor sistemas simultaneamente de transporte, de irrigação e de saneamento básico, e também possui a biomassa.
Por que isso não é feito? Pelo domínio dos poderes brasileiros, todos, inclusive o militar, pelas finanças apátridas.
Se algum estudioso for pesquisar quem domina a produção de implementos agrícolas, chegará a empresas sediadas em paraísos fiscais, tais como BlackRock, Vanguard e State Street, denominadas “gestoras de ativos”. São os piratas dos tempos atuais.
Apenas essas três tinham ativos no montante de US$ 19,7 trilhões em 2022. No mesmo ano, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro somava US$ 1,92 trilhão, e o estadunidense, US$ 25,44 trilhões.
Porém, há mais de 100 gestoras de ativos distribuídas por paraísos fiscais em todos os continentes, cujas 25 maiores têm cerca de US$ 70 trilhões.
Formam um poder superior a qualquer Estado Nacional, o que é visto nas misérias de países outrora poderosos e hoje dependentes dos “gestores de ativos”, das finanças apátridas, promotoras das concentrações de renda.
Fica, então, o Brasil questionando a investigação exploratória para petróleo, que demonstrará essa riqueza com a tecnologia que hoje está disponível no país, dará uso mais amplo ao sistema fluvial existente no território nacional e poderá fazer da bioenergia um vetor para distribuição de renda e melhor construção da cidadania.
Ao se discutir a transição energética, será um erro procurar exemplos no exterior. Ao contrário, deve-se convergir a capacidade nacional nas soluções que são disponíveis com recursos brasileiros.
O mesmo deveriam fazer todos os países, que teriam na Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) e na Organização para Cooperação de Xangai (OCX) os instrumentos financiadores mais adequados do que o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou, mesmo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para a América Latina, pois estão controlados pelas finanças apátridas.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado
Por Pedro Augusto Pinho*, no Monitor Mercantil
O poder como manifestação política, de acordo com Michel-Antoine Burnier (1942-2013) e Frédéric Bon (1943-1987) (Les idées politiques, 1969), surge ou de práticas sociais, ou de doutrinas ou revelações divinas, ou, ainda, de algum sistema exposto por pensadores.
Charles Maurras (1868-1952), poeta, “nacionalista integral”, como se autorretratava, católico, monarquista, via o poder como a “legitimação das classes dominantes”, enquanto a França “decaía pela Revolução Francesa, pelo Iluminismo e pela Reforma Protestante”.
A avassaladora presença da economia no Ocidente surgiu com a Idade Moderna e estreitou o poder na força, sobretudo naquela oriunda da pujança econômica.
Bem distinta é a concepção oriental, chinesa, para quem a “educação é diretamente orientada para as responsabilidades políticas”: “Quando um homem com cargo oficial descobre que pode fazer mais do que dar conta dos seus deveres, então ele estuda; quando um estudante descobre que pode mais do que dar conta dos seus estudos, então ele aceita um cargo oficial” (Confúcio, Os Analectos, Livro XIX, 13).
O Ocidente, neste século 21, tem nas finanças o poder que se sobrepõe à vontade popular, quer por artifícios, quer pela corrupção. Entre as formas que se utiliza está a “alternância do poder”, simulada por partidos que têm a mesma fonte de poder, o plutocrático, mas se apresentam como se defendessem ideais distintos.
Já a República Popular Chinesa, a República Popular Democrática da Coreia, a República Popular Democrática do Laos, a República Socialista do Vietnã, na Ásia, a República de Cuba, na América Central, e o Estado da Eritreia, no leste da África, são países de partido único, no pressuposto de que as divergências se dão apenas quanto ao modo de defender a soberania do Estado e a condição cidadã da população, objetivo de todos.
Em meados do século 20, havia um chiste, relativo aos Estados Unidos da América (EUA), afirmando ser a diferença entre o governo do Partido Democrata e o do Partido Republicano, que, no primeiro, quem mandava era a General Motors e, no segundo, a General Electric.
Era possível o gracejo pois o poder da indústria ainda prevalecia nos EUA. Hoje fica sem sentido pois há um único poder nos EUA: o financeiro, dos “gestores de ativos”.
AS MANIPULAÇÕES DE FATO E O PODER
O jornal New York Post informou que o Serviço Secreto dos EUA havia eliminado a cocaína encontrada, em 2023, na Casa Branca. Porém o conhecimento deste fato só foi possível pela divergência de procedimentos ocorrida no acobertamento do ilícito: “Centenas de pessoas trabalham na Casa Branca e estariam no rol dos suspeitos”, alegou o Serviço Secreto.
O poder usa sua capacidade de comunicação para ocultar os fatos. Se houve sempre esta manipulação, as possibilidades se multiplicaram com os sistemas e equipamentos de comunicação digital e as informações virtuais, sem materialidade alguma.
Mais recentemente, um analista das relações internacionais refletiu que a eleição, em que a oposição declara meses antes da sua realização ser fraudada, cria, desde logo, a dificuldade para definir se houve efetivamente fraude ou se há, na realidade, um projeto golpista. O caso da Venezuela é o mais recente acontecimento.
O declínio do Eixo Hegemônico do Ocidente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os EUA e seus satélites, diante das organizações asiáticas, surgidas no século 21, tais como a Organização para Cooperação de Xangai (15/6/2001) e a Iniciativa do Cinturão e Rota ou Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século 21 (2013), que se somaram à Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), criada em 1967, evidencia-se pelo abandono do acordo do petrodólar pela Arábia Saudita, pelo fracasso da transição energética como sustentáculo das finanças anglo estadunidenses, e pela oposição às guerras construídas por “revoluções coloridas” praticadas por serviços secretos dos EUA, Reino Unido e da França.
O Eixo Ocidental poderia se reestruturar no projeto multipolar, mas suas estruturas de poder não podem dispensar a condição de hegemonia.
Embora haja a forte presença da comunicação de massa ocidental, sempre com as finanças apátridas como sustentáculo, os povos cada vez mais sentem a presença da guerra em seus territórios e pela falta de conhecimento adequado resultam em eleições como se viu na Europa e, em especial, no Reino Unido e na França recentemente: verdadeira “coisa de doido”, como se expressava o comediante Jô Soares. Amanhece-se com a vitória da direita (Parlamento Europeu), dorme-se com a vitória da esquerda (Legislativo Francês).
A invasão e destruição do poder nacional do Iraque é a mentira que continua há duas décadas, como escreveu Matthias von Hein, em 20 de março de 2023, publicado no “Brasil de Fato”. Recordando, como na chamada do artigo, “os EUA de Bush iniciavam a invasão alegando posse de armas de destruição em massa”.
E, somente em fevereiro de 2023, ainda foram assassinados pelas forças estadunidenses, 52 civis!
Reino Unido, Austrália e Polônia participavam da matança, pois havia o prêmio em petróleo, saqueado do país detentor da quarta maior reserva mundial.
Em 2011, os EUA voltam a atacar, desta vez o país que abrigava a oitava maior reserva de petróleo, a Líbia, detentora do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África.
Mais uma vez os poderes financeiros e militares se unem para roubar o petróleo de outras nações.
E, dentro desta geopolítica do petróleo, a Síria sofre, desde 2011 das “primaveras”, que os serviços secretos dos EUA, do Reino Unido e seus aliados movem contra países que defendem suas autonomias governamentais na África, América Latina e no Oriente Médio. Vez por outra, fica-se sabendo do roubo de petróleo sírio pelas forças estadunidenses.
Lorenzo Carrasco, do Conselho Editorial do MSIA – Movimento de Solidariedade Ibero-americana, escreveu, no Volume XXXI, junho/2024, o artigo: “Por que já estamos na III Guerra Mundial”, assim iniciado: “Já estamos na III Guerra Mundial. O nome se justifica pelo estabelecimento de uma nova ordenação do poder global, como ocorreu com as duas guerras mundiais do século 20. E poucos duvidam de que a guerra Rússia-Ucrânia seja um dos eventos sinalizadores de uma nova ordem de poder mundial, com a substituição da hegemonia unipolar pós-Guerra Fria centrada nos EUA por um cenário multipolar com diversas potências capazes de fazer valer os seus direitos e uma forte presença do chamado Sul Global, cada vez mais assertivo e menos temeroso dos defensores da ordem moribunda”.
A MUDANÇA NO SÉCULO 21
O fim da história, como foi saudado o triunfo do financismo, com o Consenso de Washington (1989) e a derrocada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991), chegou a bem menos de meio século.
Os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) surgem como “países de mercado emergente”, em junho de 2009. Em 2011 é agregada a África do Sul, incorporando o S à sigla: BRICS, como ficou então conhecida, mesmo em 2024, quando já incorpora quatro novos países e tem trinta candidatos para sua expansão.
Como já vimos, também surgem a OCX e a ICR, como novas organizações multinacionais que defendem a soberania de todos parceiros. Não é imposta a homogeneidade global. Os organismos surgidos do triunfo dos Aliados na II Grande Guerra perdem gradativamente importância e poder.
Os BRICS já têm seu banco de desenvolvimento. As OCX e ICR ampliam pela Ásia, África e Europa sua ação comercial e de integração por redes de transporte ferroviário, marítimo, lacustre e dutoviário.
O papel das finanças deixa de ser impositivo para secundar a produção industrial e o desenvolvimento tecnológico.
No campo estritamente político, os partidos conservadores, da direita nacionalista, agregam outras correntes, como os “verdes”, como demonstraram as últimas eleições europeias.
A comunicação à época da vitória contra o nazifascismo ainda não atingira o que Miguel Nicolelis designou por S-info (“O verdadeiro criador de tudo”, ver primeiro artigo desta série: “Geopolítica e Humanidade”, Monitor Mercantil, 7/8/24), ou seja, a informação digital. A televisão começava a invadir os lares estadunidenses e ocidentais a partir dos anos 1940.
As esquerdas oscilam entre a globalização da luta de classes e as soluções nacionais para o desenvolvimento de seus Estados Nacionais e a segurança e bem-estar de seus cidadãos.
A secular publicação britânica, The Economist (1843), em 9 de maio de 2024, apresentava a matéria “A ordem internacional liberal está lentamente a desmoronar-se”, com o subtítulo: “Seu colapso pode ser repentino e irreversível”.
E nela se lia: “À primeira vista, a economia mundial parece tranquilizadoramente resiliente. A América cresceu mesmo com a escalada da guerra comercial com a China. A Alemanha resistiu à perda do fornecimento de gás russo sem sofrer um desastre económico. A guerra no Médio Oriente não trouxe nenhum choque petrolífero. Os rebeldes Houthi, que disparam mísseis, mal tocaram no fluxo global de mercadorias”.
Uma semana depois, sob o título: “A América é à prova de ditadores?” (16/5/2024) questiona: “Como pode ter chegado a este ponto? Após a vitória na Guerra Fria, o modelo americano parecia incontestável. Uma geração depois, os próprios americanos estão a perder a confiança nele. Uma guerra irresponsável, uma crise financeira e a podridão institucional libertaram uma ferocidade na política americana que deu às disputas presidenciais riscos aparentemente existenciais. Os americanos ouviram os seus líderes denunciarem a integridade da sua democracia. Viram concidadãos tentando bloquear a transferência de poder de uma administração para outra. Têm boas razões para se perguntarem quanta proteção o seu sistema lhes garante contra o impulso autoritário que cresce em todo o mundo”.
No entanto, como aqui vem sendo apresentado, há um somatório de farsas, onde o interesse da humanidade não é observado; apenas o acúmulo e concentração do capital financeiro. E, o que é mais grave, em papéis que, cada vez mais, não se suportam em lastros reais, mas em papéis sem lastro, fazendo antever uma derrocada que deixará 1929 e 2008 como a infância das tragédias.
Joseph Borrell Fontelles (1947), vice-presidente da Comissão Europeia, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que afirmava “a Europa é um jardim. Tudo funciona. É a melhor combinação de liberdade política, prosperidade econômica e coesão social que a humanidade foi capaz de construir”, deve andar mudo, sua tagarelice não tem mais como ser arrotada.
A guerra na Ucrânia não foi um ataque da Federação Russa, mas uma “primavera” na Praça Maidan, em Kiev, entre 18 e 23 de fevereiro de 2014, contra o presidente eleito Víktor Fédorovytch Ianukóvytch, sob o surrado pretexto de corrupção, pois se tratava de um governo colaborador do presidente Putin.
A falta de energia que colocou abaixo a indústria alemã foi resultado da sabotagem estadunidense nos gasodutos Nord Stream 1 e Nord Stream 2, em 26 de setembro de 2022.
A concentração de renda por toda Europa colocou maiores contingentes de sem teto pelas ruas da Espanha de Borrell, da França, de Macron, das realezas da Holanda, Bélgica, Reino Unido e por toda União Europeia.
Se a III Grande Guerra surgir não será pelas oposições à unipolaridade, mas pela única solução que as finanças terão encontrado para se manter no poder, ainda que restrito ao Ocidente, pois a África do Mali, de Burkina Faso e do Níger, desde 2023, celebraram acordo de defesa mútua contra os EUA e seus antigos colonizadores, e contam com a ajuda da Rússia e da China.
Por outro lado, a compra de reatores nucleares dos EUA pela Europa Oriental é principalmente por laços militares, não sobre mudanças climáticas. Países da Europa Oriental, como a Polônia, são participantes ativos neste esforço para renomear a energia nuclear como limpa e favorável ao clima.
A inclusão da Polônia nesta lista deve ser surpreendente: sua eletricidade vem principalmente de combustíveis fósseis, e o país não se comprometeu com nenhuma meta líquida zero, tornando-a “a nação mais baixa colocada da UE” em sua capacidade de atingir emissões líquidas zero até 2050. No entanto, em 2023, o governo da Polônia anunciou planos para importar reatores nucleares.
Dada a guerra em curso na Ucrânia e as tensões em várias partes do mundo, a combinação de geopolítica e tecnologia nuclear pode ser perigosa, mesmo que seja ineficaz para mitigar as mudanças climáticas (apud Bulletin of the Atomic Scientists, 2/8/2024).
A esperança de paz vem do Oriente, dos Estados com partidos únicos.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado
Publicação de: Viomundo