Pedro Augusto Pinho: As alianças e máscaras na luta pelo poder
O segundo artigo da série Finanças no século 21
Por Pedro Augusto Pinho*
Tratamos das finanças no particular entendimento de um poder. Ou seja, de um segmento da sociedade que busca impor aos demais sua vontade.
Neste caso, sua existência é muito antiga. Já encontramos em Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), nos “Econômicos”, tomo II, quando trata, nas formas da economia, dos rendimentos: “a principal fonte de rendimento é a terra; em seguida está o lucro das atividades periódicas; por último os juros de empréstimos em dinheiro” (adaptação para publicação no Brasil, da tradução das Obras Completas de Aristóteles por Delfim F. Leão, para Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2004; WMF Martins Fontes, SP, 2011).
E quanto a esta última, ele considera a mais censurável, pois procura criar dinheiro a partir do próprio dinheiro, forma contrária à natureza.
O filósofo grego apontava as formas de rendimento numa sociedade escravista, onde as mulheres e os escravos não tinham renda do trabalho. Seriam estas o aluguel da propriedade, o lucro do comércio, a venda de quem tem para aquele que necessita, e a mais censurável, a forma negativa da crematística: os juros.
Antes do capitalismo se impor como economia no ocidente, ainda no modo medieval de gerar riqueza, as rendas fundiárias já tinham esta característica das finanças: eram estéreis, nada produziam que não fosse o acúmulo de rendas.
Também incentivavam guerras para conquistar mais terras. Ter-se-ia então, de um lado, as rendas da produção e do comércio: o lucro e o salário do trabalho. De outro, aquelas pela simples propriedade de bens – terra e moedas, o rentismo, com receita de aluguéis e juros.
No artigo anterior, vimos que o rentismo havia perdido seu poder como consequência da I Grande Guerra e da Revolução na Rússia em 1918.
E, já na década de 1920, começa articular sua volta.
No fundamental livro “1984”, de George Orwell, há uma receita de poder: quem quiser controlar o futuro precisa controlar o passado, porém para controlar o passado é necessário controlar o presente.
As finanças derrotadas buscam alianças e o domínio da pedagogia colonial, para construir o passado e apresentar sua projeção de futuro.
Desde o final do século 19, como decorrências da industrialização na Inglaterra, surgiram movimentos que pediam a despoluição de águas e do ar, a proteção contra doenças respiratórias, o saneamento urbano, limitados geograficamente e ao conhecimento tecnológico da época.
Foi este tema que serviu às finanças, antes mesmo da II Grande Guerra, para iniciar seu combate ao industrialismo.
O domínio das mentes já estava ocorrendo desde o século 19, sendo marco ambientalista a criação do Parque Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos da América (EUA).
No domínio da Commonwealth, surgiram no Canadá (1885), na Nova Zelândia (1894) e na Austrália e na África do Sul, em 1898, que também criaram parques nacionais, entendidos como de proteção à natureza selvagem.
A terceira década do século 20 foi particularmente conturbada. As fronteiras europeias, longe de se fixarem pelos armistícios e tratados de paz, ficaram ainda mais contestadas. Dos “grandes impérios” surgiam separações étnicas e de interesses políticos, militares e mesmo familiares. Formaram-se pequenas e “grandes” ententes.
A tentativa da Liga das Nações foi logo descartada pelos EUA, que desenvolviam um sistema industrial próprio, desde a Guerra da Secessão (1861-1865) denominado “American System of Manufacturing”.
Na linguagem atual seria da obsolescência programada, que fez rapidamente colocar no poder o industrialismo e seu sistema de gestão integrada e formação de cartéis.
Tabela constante do livro de Harry Magdoff (“L’âge de l’impérialisme”, Maspero, Paris, 1970) sobre o percentual de capitais investidos no exterior, bem mostra a redução das finanças diante do industrialismo.
A Grã-Bretanha cai de 50,4%, em 1914, para 43,8%, em 1930. A França, outra grande potência colonial, de 22,2% para 8,4%, nos mesmos anos. Alemanha, derrotada, de 17,3% para 2,6%.
Por outro lado, os EUA que investiram 6,3%, em 1914, passaram para 35,3%, em 1930, mesmo a modesta economia canadense, aproveitou o recuo europeu para crescer de 0,5% para 3,1% nos mesmos anos.
Apenas os Países Baixos mantiveram seu padrão de exportadores de capital, com 3,1%, em 1914, e 5,5%, em 1930.
Nas palavras, nas propagandas, em fatos que indiretamente se relacionavam, o financismo vai construindo na mente das pessoas as ideias de sistema mundial, globalização, Estado Nacional desnecessário, limite populacional, ameaça ecológica. Enfim, de um sistema rentista malthusiano que irá construindo pelas décadas seguintes.
Em 17 de setembro de 1928, na Escócia, no Castelo Achnacarry, reuniram-se as maiores empresas do mundo no estratégico bem que movimentaria todo processo industrial e logístico — o petróleo.
Estavam lá a estadunidense Standard Oil de Nova Jersey, a anglo-holandesa Royal Dutch Shell e britânica Anglo-Persian Oil Company.
Vê-se ainda a dominância do capital inglês. Logo se associaram a elas a Standard Oil da Califórnia, a Standard Oil de Nova York, a Gulf Oil e a Texaco, mostrando a imensa transformação que acarretaria a saída das finanças e a assunção da indústria no poder mundial.
Este poderoso cartel, conhecido como das sete irmãs, não supera os trinta anos gloriosos, pelo despontar, pelo surgimento das nações independentes, dos Estados Nação do pós-guerra.
Na sequência veremos as consequências da II Grande Guerra na disputa pelo poder entre o financismo e o industrialismo, camuflada na defesa da família, da religião, da liberdade no mundo ocidental.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.
Para acessar o primeiro artigo da série Financas no século 21, clique: A perda do poder financeiro no século 20
Publicação de: Viomundo