José do Vale: Aprenda a ver e não escape da realidade

APRENDA A VER E NÃO ESCAPE DA REALIDADE

Por José do Vale Pinheiro Feitosa*, especial para o Viomundo

A liberdade de pensar e se organizar é um fato histórico crítico agora.

Estamos passando por uma transição imensa na história, com impactos globais. Não podemos simplesmente repetir o que lemos, precisamos enxergar a realidade por trás do escrito.

Enxergar e agir conforme a realidade, de modo independente das diversas angústias e expressões dela. Temos de sintetizar a realidade que observamos a partir de nossas janelas.

Vou apresentar três leituras sobre o atual momento, tentando considerar suas angústias específicas e suas expressões e interesses.

Ao final, talvez não tenhamos uma saída, mas, pelo menos, sabemos algumas pautas deste tempo.

A primeira é a visão terminal, apocalíptica do jornalista americano Chris Hedges.

Ao visitar as ruínas de Cahokia no estado de Illinois, nos EUA,  ele teve uma visão pessimista do futuro da humanidade.

Em seu texto, Hedges nos transporta a um apocalipse civilizacional cujo resultante seria o fim não apenas da civilização, mas da própria espécie criadora de civilizações.

Argumenta com o destino inexorável da “máquina suicida” da sociedade industrial.

Dialoga com um texto do antropólogo americano Ronald Whight, imaginando os depósitos arqueológicos desta era, todos tóxicos, compostos por materiais não degradáveis.

O jornalista traz ao baile do pessimismo americano a chamada Pegada Ecológica, espécie de marca do andamento cotidiano das sociedades, posto numa contabilidade, ao estilo empresarial, de balanço de patrimônio, com entradas e saídas, onde o resultado contábil é o “déficit ecológico”.

A visão do jornalista não é pessoal. Reflete uma corrente importante no mundo ocidental cujo discurso é o de um desastre a meio palmo do futuro.

Poluição de todos os ecossistemas, esgotamento dos recursos biológicos, terras aráveis e das reservas hídricas, levando à violência generalizada, aumento das temperaturas, secas pluviométricas até o limite intransponível de um crise humana terminal.

Na visão do jornalista, a humanidade não tem como superar o atual modo civilizatório e não terá mais saída. We Are Not the First Civilization to Collapse, But We Will Probably Be the Last (substack.com).

A segunda leitura é o risco de um guerra nuclear, a partir do bombardeio da usina termoelétrica da Ucrânia.

Após dezembro do ano passado, um velho e tenebroso medo da humanidade voltou à pauta dos assombros diários. E, desde a segunda semana de agosto de 2022, o medo atômico recebeu mais um ponto na angústia da guerra.

Os russos denunciam que mísseis ucranianos estão sendo lançados na direção da Usina Termonuclear de Zaporizhzia.

A Ucrânia respondeu, transferindo a responsabilidade por eventual acidente à ocupação militar russa da Usina.

A União Europeia (UE) entendeu que os russos, ao denunciarem os bombardeios, estariam criando problemas para a OTAN. Por isso responderam que a Rússia deveria abandonar os territórios ucranianos ocupados para cessar o risco nuclear.

Quer dizer, os russos, após terem feito enorme esforço de guerra, abandonariam seus objetivos porque a UE não considera o risco nuclear?

Claro que mísseis lançados na direção de uma usina nuclear em operação seria um risco local e, em caso de incêndio, poderia dispersar materiais radioativos pelo ar, atingindo diversos países da União Europeia.

Recentemente o site de notícias russo RT World News publicou um artigo sobre o conflito nuclear em larga escala. 

Resumidamente diz que as mortes não se limitarão àquelas pessoas que morrerão de imediato ou após breve sofrimento em razão da explosão e destruição nuclear.

Uma guerra nuclear ampla alterará de tal modo a atmosfera, que seria saturada por cinzas, resfriando a temperatura, interrompendo os raios solares, acabando com as culturas de alimentos, fazendo emergir uma enorme fome e mortes.

Estudo realizado nos Estados Unidos e publicado na Nature Food estima a morte de 5 bilhões de pessoas. ”Mais de 5 bilhões morreriam de fome na guerra nuclear”, diz o estudo divulgado pelo site RT World News

Junto a tais visões apocalípticas, existe uma outra cuja natureza essencial será como salvar e oferecer um “paraíso na terra” à elite econômico-financeira.

Muitos vêm nesse comportamento estratégias de aproveitamento de crises, como relatado pela escritora Naomi Kline em a Doutrina do Choque.

E, aqui, entro na na terceira leitura sobre o atual momento.

Refere-se à manipulação dos créditos de carbono para livrar os ricos do controle das emissões de carbono e à jogada financeira dos banco para contabilizar tais créditos com uma moeda.

A cada crise ambiental, política, cultural são concentrados esforços para desapropriar riquezas, privatizar bens comuns e controlar populações mediante os interesses das classes responsáveis pela acumulação capitalista.

Quando, por dinheiro ou controle dos meios de produção, uma classe procura controlar a maioria da população, temos o velho e conhecido totalitarismo tão amplamente utilizado no ocidente em defesa da sua suposta democracia.

O modelo literário mais conhecido do controle totalitarista surgiu no romance 1984, do inglês George Orwell. intitulado 1984. Não por acaso o nome de um programa da rede globo chamado Big Brother, em que o grande irmão controla a todos.

A questão ambiental e a recente pandemia de Covid-19 abriram possibilidades para maior controle dos indivíduos em relação às suas opções e atitudes pessoais.

Inegavelmente ampliou-se o controle social, tanto acerca do livre ir e vir quanto os que dizem respeito aos padrões aceitos na sociedade: vacinados, sem sinais clínicos, obedecer certos comportamentos.

Os que controlam os capitais, como sempre, ganharam muito dinheiro investindo em recursos médicos para a pandemia. Subiram mais um ponto na marca do controle das pessoas  com certos e câmeras espalhadas pelo ambiente. Criaram tecnologias de observação e controle totalitário.

Desde 2020, há desconfiança geral em relação a um arranjo de interesses capitalistas, especialmente de três grandes segmentos de corporações: tecnologias de informação e comunicação, complexo industrial da saúde e complexo industrial-militar.

Estariam arranjando meios para adoção do controle totalitário de todos os seres humanos centrado em três dados sensíveis: saúde, alimentos e recursos ambientais.

Muitos analistas centram a argumentação no chamado Great Reset, que seria um acordo do sistema financeiro nos fóruns tradicionais do capitalismo.

Agora juntando os pontos:

— o pessimismo do jornalista americano, prevendo o fim da humanidade, provavelmente angustiado com o próprio fim da hegemonia americana;

— a denúncia do site de notícias russo, alertando sobre o poder destrutivo de uma bomba nuclear. A Rússia tem um dos dois maiores estoques de armas nucleares no mundo. 

— o controle do mundo a partir do crédito de carbono. As chamadas empresas de tecnologia já preparam ferramentas para garantir a implementação do controle totalitário do comportamento das pessoas a partir dos tais créditos de carbono.

Tomemos um exemplo.

Alguém mora em um barraco no morro e sua pequena área de domínio territorial tem uma baixa pegada de carbono.

Já nas vizinhanças alguém habita numa mansão com alta pegada de carbono.

Os pobres da redondeza poderiam, então, vender seus pequenos créditos de carbono para o dono da mansão, que permaneceria no seu estilo de vida sem objetivamente ter feito nada para reduzir o consumo de carbono.

Cria-se, assim, um “cartão de créditos de carbono”.

Os ricos podem viver sem remorso diante do apocalipse e os emissores dos tais “cartões” criam novos valores financeiros para manipular em benefício próprio.

Antes de terminar, mais uma coisa.

Os restaurantes, por exemplo, poderiam criar pratos com pegadas de carbono diferentes: a carne é maior, os vegetais menor e produtos que a malandragem inventar menor ainda.

Quer dizer, em termos de créditos de carbono o que as pessoas comerão, vestirão e consumirão de modo geral.

E a conclusão? Ao final da destruição nazifascista, o dramaturgo e poeta alemão Bertholt Brecht (1898-1956) escreveu um poema a respeito: 

Portanto, aprenda ao ver e não escape.

De agir ao invés de falar pelo dia longo.

O mundo quase foi vencido por um traste!

As nações o colocaram em seu bunker tonto.

Mas elas se alegraram muito cedo com o abate.

O útero de onde ele rastejou permanece pronto.

(Tradução Livre).

*José do Vale Pinheiro Feitosa é médico sanitarista.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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