Historiadores criticam comparação entre nazismo e comunismo
Foto: Reprodução
A comparação entre nazismo e comunismo é “cruel” e “absurda” e caracteriza um “negacionismo histórico”, de acordo com a análise de professores de História consultados pelo UOL. O tema foi levantado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que defende a equiparação entre os dois conceitos.
“Esse é um debate muito cruel É como você comparar um carro com um trator quando alguém quer comprar um carro para andar na estrada e o vendedor fala em trator, dizendo que é adequado. É uma comparação meio absurda”, diz o professor de História da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Michel Gherman, também assessor do Instituto Brasil-Israel. “O nazismo é uma experiência de morte. O comunismo é um sonho de igualdade”, completa a professora de História Janete Santos Ribeiro, da rede Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica).
Dois pontos são fundamentais para mostrar que essa equiparação é inadequada, diz a professora de História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Ana Hust:
“Algo que aparece no nazismo, e não no comunismo, é a ideia de superioridade racial, de que se tem povos que são melhores. O nazismo vai se apoiar muito nesse conceito para criar políticas discriminatórias. E isso não aparece em nenhum texto seminal do comunismo”;
“O nazismo promove coisas que são consideradas crime na nossa sociedade. Promove xenofobia, homofobia, racismo. E aquilo que é crime não pode ser institucionalizado, não pode virar partido. É diferente de comunismo, que quer promover igualdade, extinção de classes sociais.”
O sonho do movimento comunista –pode ser um sonho equivocado, criticado– é a criação de uma sociedade sem classes. O sonho do nazista é uma sociedade onde só exista o modelo do nazista, onde não há raça alguma a não ser a ariana, onde só o nazista existe
Michel Gherman, professor
Para Gherman, esse tipo de equiparação é “negacionismo histórico”, possível apenas “a partir de uma necessidade de uma agenda política”. “No final das contas, a comparação com o comunismo é o debate de negacionismo do holocausto. E negacionismo do Holocausto é crime no Brasil.”
Hust lembra que, no comunismo, um objetivo é abolir as desigualdades. “Trata-se de um embate com o capitalismo, com o capitalismo como produtor de desigualdades por conta da própria estrutura de classes sociais”, diz. “E, no nazismo, essa discussão não aparece. Pelo contrário, você tem toda uma hierarquização, não uma ideia de igualdade.”
Um dos pontos de sustentação da tese de apoiadores de Bolsonaro foram as mortes ocorridas em regimes comunistas, como quando Stalin esteve à frente da União Soviética. Gherman explica que esse tipo de comparação não se aplica. “O stalinismo foi um desvio de um projeto socialista, que tinha como objetivo a criação de uma sociedade igualitária. O nazismo não foi um desvio de um projeto com algum sentido humanista. O nazismo foi um projeto de extermínio”, diz o professor.
Se você tirar o Stalin da história do comunismo, a história do comunismo, de cerca de 100 anos antes, continua existindo. Se você tirar Hitler da história do nazismo, não há história do nazismo
Michel Gherman, professor
Gherman reforça “que o projeto do nazismo é de extermínio”. “Extermínio a partir de critérios de origem, de raça, de prática política. O comunismo não tem esse projeto porque nenhum outro modelo político do mundo tem esse projeto. O único modelo que tem esse projeto é o nazismo.”
Para Ribeiro, não é possível aceitar que o presidente da República faça a comparação entre nazismo e comunismo. “Porque quando a gente tem medo e diz que o fato de ser uma autoridade dá o direito de dizer o que quiser, a gente está restaurando o autoritarismo. Há limites para as autoridades. Elas também precisam ter fontes confiáveis.”
Hust concorda e diz que as pessoas fazem a equiparação por “falta do conhecimento histórico”, sem saber “qual foi o contexto que vão embasar as ideias comunistas e as ideias que vão embasar o nazismo como movimento da extrema-direita.”
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