Fala histórica: A última contribuição pública de David Capistrano ao debate da Saúde; vídeo e transcrição, na íntegra

Por Conceição Lemes

Nessa segunda-feira, 10 novembro de 2025, fez 25 anos que David Capistrano da Costa Filho encantou, como diria o escritor Guimarães Rosa (27/06/1908-19/11/1967), também médico.

Eu conheci David, em 1976, como Davizinho.

Era como amigos e familiares o chamavam talvez para distingui-lo do pai David Capistrano da Costa, morto pela ditadura militar e desaparecido político.

Médico sanitarista, político, liderança sanitária, carismático, brilhante orador, um dos criadores do Sistema Único de Saúde (SUS).

David juntava formulações teóricas, inclusive as próprias, à prática e à sua visão política.

A fotomontagem acima dá uma ideia de quem foi ele.

Ela junta flagrantes de dois grandes dias.

No topo, David, em 1978, discursando numa reunião do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que ele ajudou a fundar.

Era prévia do lançamento do livro Medicina e Política, do médico sanitarista e bioeticista Giovanni Berlinguer, que foi militante do Partido Comunista Italiano (PCI), deputado, senador e membro do Parlamento Europeu. Na foto, de terno, é o terceiro da esquerda para a direita. Ele foi o grande inspirador da reforma sanitária brasileira.

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Embaixo, David, em 1990, numa festa no meio de várias mães, na frente da Policlínica da Alemoa, em Santos (SP).

Juntos, comemoravam o 1° ano de vida das crianças de risco do Programa de Redução da Mortalidade Infantil, que David criou como secretário da Saúde da cidade.

Abaixo, o vídeo e a transcrição da última intervenção pública de David Capistrano.

Foi no VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, da Abrasco, Salvador (BA), em 1º de setembro de 2000,

David encerra-a assim: ”Era essa a contribuição que eu queria dar para o debate. Obrigado”.

Nós, David, é que temos de agradecê-lo. Sempre!

A memorável fala dele no congresso da Abrasco segue mais atual do que nunca.

Merece leitura atenta daqueles e daquelas que se preocupam de verdade com a saúde pública brasileira e o SUS.

David Capistrano e seu legado vivem!

O médico sanitarista José Ruben de Alcântara Bonfim, editor científico da Hucitec Editora, foi escolhido a dedo para fazer o preâmbulo da última preleção de David.

Em 1976, os dois estiveram entre os fundadores do Cebes e da revista Saúde em Debate. 

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Como organizar serviços de saúde?

Por José Ruben de Alcântara Bonfim

Com júbilo, registro a iniciativa de Viomundo em divulgar a última preleção de David Capistrano da Costa Filho (1948-2000), constante de livro dele e sobre ele, Da saúde e das cidades, em segunda edição aumentada, ora em lançamento (Hucitec-Cebes, 2025).

David explanou sobre organização dos serviços de saúde (OSS), em 1990, que nada tem a ver com organizações sociais de saúde (sigla idêntica foi criada, em 1997, pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

David compreendia que a práxis sanitária tinha base, em primeiro lugar na “ luta política, em luta social, em luta cultural, em luta de ideias e menos em trabalho técnico especializado, por melhor que seja; em segundo lugar, valorizar mais a iniciativa, a ação concreta e concisa, o exemplo e menos investigação, o inquérito, o plano, o programa, a exposição de motivos, (…), menos planejamento”; em terceiro lugar, “temos trabalhado e insistido nesse caminho, costumamos esclarecer os planos depois” – disse em painel sobre “ Saúde Mental no nível local: rumo à cidadania” – quando era secretário de Higiene e Saúde em Santos, no terceiro ano de administração em 1991 (Saúde Mental e Cidadania no Contexto  dos Sistemas Locais de Saúde, Hucitec, 1992, p. 35).

Creio que esta convicção dele é síntese de uma concepção quanto a organização dos serviços de saúde, expressa na última preleção, um testamento feito setenta dias de nos deixar.

Não é possível dissociar a ação sanitária voltada para a “formação da consciência sanitária, no entendimento de Giovanni Berlinger (Medicina e Política,1978, p. 3-28), da atuação sociopolítica e econômica (a essência da Saúde Coletiva).

Por exemplo, é preciso lutar contra a privatização e pelo retorno ao âmbito público direto de ações de saúde em realização, enfrentar a violência à mulher e à criança, agir contra a desigualdade social, discriminação racial e de  minorias e LGBTQIA+, suprimir a devastação do meio ambiente.

Conhecer o legado de David, um extraordinário desempenho intelectual, é cada vez mais necessário para superarmos os obstáculos, de modo progressivo, rumo a uma sociedade que assista aos mais desfavorecidos, justa, igualitária e sem exploração das classes trabalhadoras.

Última preleção de David Capistrano Filho*

”Quero, inicialmente, agradecer o convite pra integrar essa mesa, também o convite da Abrasco. Quero dizer aqui que talvez a intervenção seja prejudicada pela minha situação de saúde, e se não conseguir terminar em pé, vou me sentar.

Eu entendo o programa de saúde da família como uma estratégia de reorganização do chamado modelo assistencial de saúde, um caminho brasileiro concreto para a construção do SUS (Sistema Único de Saúde) como um sistema integrado, conforme a definição feita aqui por Eugênio Vilaça Mendes.¹

Os princípios essenciais do SUS, que já estavam na Constituição Federal de 1988, objetivam exatamente isto. A Constituição foi promulgada em outubro de 1988, passou para as constituições dos Estados em 1989 e foi regulamentada somente em 1990, ou seja, de vigência, com um mínimo de legislação definida, temos 10 anos de luta pela construção do Sistema Único de Saúde.

Vitórias na legislação

Esses dez anos foram de uma luta muito séria, muito dura, muito difícil, porque tivemos que construir o SUS na contramão da vontade política do poder executivo federal e, sobretudo, daqueles que ditam as regras da política econômica do país.

É importante lembrarmos que, apesar de ter sido jurada pelo presidente José Sarney, a partir dele, todos os seus sucessores passaram a dizer que o país é ingovernável com essa Constituição e dedicaram grande parte de seu empenho e de sua força política em estuprar a Constituição, sobretudo procurando tirar aquilo que ela teria de melhor. Na área da saúde isso não foi diferente.

E não é por acaso que só conseguimos completar o arcabouço legal necessário à construção do SUS, com segurança, com firmeza, agora, com a aprovação da emenda constitucional [nº 29, de 14 de setembro de 2000] que prevê a vinculação progressiva de recursos [e impostos]. E isto com uma resistência tremenda das autoridades da área econômica, com o suporte ou a omissão interessada do poder político federal contra a aprovação de fontes de financiamento estáveis, suficientes para a construção do Sistema Único de Saúde.

Mas não é só essa questão. Isto é uma expressão, também, do fato de que o clima cultural, o clima político do país mudou. Era um clima em 88, quando conseguimos aqueles cinco artigos [Art. 196-200]² na Constituição. Passou a ser outro clima, sobretudo, depois da vitória de Collor nas eleições de 1989, um clima de aberta adesão não só das elites políticas, mas de popularização na massa da nossa população, de aceitação como algo natural e inevitável das ideias neoliberais. O que está na Constituição é exatamente algo contrário a essas ideias. O Brasil é uma exceção gritante, não só na América do Sul, na América Central, como no mundo inteiro, em matéria de Sistema de Saúde.

Os neoliberais estão querendo fazer alguma coisa: se procura destruir o que existia, se procura evitar que floresça o que ainda não existe, sobretudo pelos organismos internacionais de financiamento.

Nós trabalhamos esse tempo todo na contramão. E eu devo dizer o seguinte: nós tivemos êxito nesse trabalho, isso é que é notável. Nós tivemos êxito porque avançamos no plano legislativo. Em 1989 a Constituição Federal fez reproduzir em todas as Constituições Estaduais os seus princípios essenciais.

Em 1990, em pleno governo Collor, nós conseguimos aprovar o que a gente costuma chamar de Lei Orgânica da Saúde, mas são duas leis. O Collor vetou toda a parte referente ao controle social. O Congresso, em uma atitude inédita, derrubou o veto, votou outra lei e ela entrou em vigor e foi sancionada em 1990. Em 1990, todas as leis orgânicas municipais incorporaram também os princípios essenciais do SUS.

Descentralização e regionalização

Além desse aspecto legislativo, avançamos no campo da descentralização e da municipalização, que muitos chamam de cartorial ou autárquica, mas eu creio que dessa descentralização, que dessa municipalização, foram lançadas as bases para que se possa falar hoje de avanços, de mudanças, de consolidação do SUS.

Tem-se que começar. Se não se dá passo nenhum, se ficássemos na imobilidade, nós estaríamos numa situação muito pior do que estamos hoje.

Avançamos também naquilo que eu chamo de reengenharia organizacional do Sistema de Saúde, ou seja, extinguiu-se o Inamps, que foi absorvido na estrutura do Ministério da Saúde, além do Funrural [Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural] e da Fundação Sesp (Serviço Especial de Saúde Pública).

Inúmeros serviços passaram da União e dos Estados para os municípios. Esse êxito, apesar de muito limitado, de gerar um sistema desintegrado, já impactou os indicadores epidemiológicos.

Esta década também foi uma década de redução da mortalidade infantil, de redução da mortalidade materna, de redução de mortalidade proporcional de doenças infecciosas e parasitárias. E foi de aumento da esperança de vida ao nascer da nossa população.

Nós temos que nos lembrar disto, para não cairmos no canto de sereia de uma avaliação negativista ou catastrofista, que lança água no moinho dos inimigos do SUS.

Nós temos avançado muito. Há um indicador extremamente importante disso. O número de trabalhadores na saúde, empregados pelo poder público, não o poder público federal ou estadual, mas, sobretudo, nas prefeituras, aumentou de maneira extraordinária nessa década, enquanto no resto do mundo a tendência neoliberal é de enxugar, demitir, tirar pessoas das áreas de prestação de serviços sociais.

No nosso caso, o poder público municipal ampliou enormemente o número de trabalhadores vinculados à área da saúde, contratados pelo poder público em diferentes regimes de contratação.

Eu acredito que, quando estávamos empenhados no chamado movimento de reforma sanitária, e mesmo após a vitória no congresso Constituinte de 1987 nesse campo da saúde, não imaginávamos o quanto seria dura e longa a batalha política e cultural que teríamos que vencer para efetivamente constituir o SUS.

Nós temos dez anos de avanços no plano legislativo, no plano da reengenharia organizacional, no plano da descentralização. Nós vamos ter ainda não sei quantos anos pela frente para podermos, do ponto de vista político – no sentido mais nobre dessa palavra –, e do ponto de vista cultural, vencemos a batalha pela construção do SUS.

É um pouco disso em que eu quero centrar para falar sobre o Programa de Saúde da Família enquanto estratégia de reorganização do modelo assistencial de saúde.

A primeira coisa que acho notável é a expansão extraordinária do número de equipes de saúde da família que estão trabalhando no país, que já alcançam por volta de 10 mil equipes. E até o final do ano talvez cheguemos a 12 mil, ou mais, e portanto, vamos tendo uma porcentagem cada vez maior da população coberta pelo programa de saúde da família, que é o programa que atualmente concentra as atenções do Ministério, que não é mais o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde) de onde surgiu depois o Programa de Saúde da Família.

Para que esta expansão do Programa de Saúde da Família atinja esses ambiciosos objetivos de reorganizar, para que seja realmente uma estratégia de mudança do modelo assistencial do Sistema de Saúde, eu acredito que algumas condições precisam ser preservadas, precisam ser atendidas. Ainda não o são na maior parte dos estados da Federação e na maior parte dos Programas de Saúde da Família implantados.

O caráter da capacitação

Primeiro, a questão da capacitação como campo de batalha político-cultural. Eu distingo na capacitação dois momentos.

Há um momento técnico. É necessário atualizar os conhecimentos técnicos, fazer com que aquele pediatra que vai ser médico de família, saiba fazer exame ginecológico, saiba tratar de adultos, de idosos, etc. Aquele ginecologista-obstetra que saiba atender crianças, enfim. Como não temos as nossas universidades formando médicos generalistas, médicos de família, temos que ter uma capacitação técnica que supra isso. E essa capacitação tem que ter tempo para ser realizada.

No programa de Saúde da Família realizado em São Paulo, o Qualis, que eu coordenei até maio deste ano, dedicávamos os primeiros quatro meses após a contratação desses profissionais, para essa qualificação, na base de um dia por semana. Trabalhar na unidade quatro dias por semana e estudar, se capacitar, 8 horas por semana, o equivalente a um dia de trabalho, com frequência controlada e tudo mais.

Essa capacitação técnica é absolutamente necessária e indispensável. Mas é necessária, também, uma outra capacitação, pois considero que aqueles cursos introdutórios de uma semana não são suficientes, porque é uma batalha com os capacitandos, com as equipes, os médicos, as enfermeiras, os dentistas, os auxiliares de enfermagem e com os agentes comunitários de saúde. Porque se trata de uma cultura hegemônica, uma postura política hegemônica, em algumas situações uma postura de classe de fundas raízes.

A maioria dos médicos, dos dentistas, das enfermeiras, é oriunda de extratos sociais de elite. Não conhecem, não sabem, não têm a menor noção de como é que vive a massa do povo a que ela deve servir. Não tem sensibilidade social para os problemas, para os sofrimentos, para as angústias, para as aspirações dessas pessoas.

E se nós demonstrarmos isso, não discutirmos isso, não pusermos em xeque, não fizermos esses membros das equipes de saúde da família entrar em crise… Nós temos que fazê-los entrar em crise, nós temos que fazê-los se desesperar. Se nós não discutirmos com eles, nós não vamos ter êxito. Não muda. E tem que mudar!

A experiência que tivemos em São Paulo, capital, foi extraordinária desse ponto de vista. Nas entrevistas de seleção de médicos, exigíamos que eles conhecessem as unidades. Aí, vinham perguntas do tipo: “eu posso ir de relógio? Vão me depenar [roubar]?” Eu pensava: “o que esse cara está pensando que é uma favela?” Não conhecem!

As pessoas diziam: “eu nunca visitei uma favela, nunca fui, não sei como se vive, como se mora, como nada”.

Houve médicos que tivemos até que demitir, que disseram achar inconcebível que uma pessoa perguntasse sobre o diagnóstico feito por ele. Afinal, tinha estudado seis anos de faculdade, dois anos de residência de clínica médica, depois fez especialização, fez mestrado, fez doutorado na França e não queria explicar para o paciente na linguagem dele. Ele achava que o paciente tinha que ter uma confiança cega.

Eu acho que essa é uma questão fundamental. Eu visitei alguns serviços de saúde recentemente, onde no ambulatório de especialidades, a fila para atendimento começava a se formar às 3 horas da manhã, para se pegar uma senha para fazer determinados exames.

Uma pessoa que tivesse a necessidade de dois exames enfrentava uma lógica que demonstra essa insensibilidade total, pois ela pegava uma senha e o exame era marcado para não sei quando depois.

Ela tinha que voltar outro dia, novamente às 3 horas da manhã, para pegar outra senha para o outro exame. Ela não podia marcar os dois exames de uma só vez, enfrentar uma só vez essa fila que começava às 3 horas da manhã. Quando perguntei o motivo, me falaram: “Ah, foi a norma que a gente achou porque senão ia congestionar muito aqui, porque ia fazer dois exames”.

Quer dizer, existe a ideia de que você precisa afastar a demanda, reprimir a demanda. E às vezes não é nem isso, é desconhecimento completo, pois o funcionário nunca precisou entrar em uma fila às 3 horas da manhã. Ele chega às 7 ou 8 horas da manhã e não sabe que aquela pessoa entrou na fila às 3 horas da manhã.

Esse é um momento que exige uma capacitação muito diferente, e não só do médico, mas as enfermeiras também são assim, em outros aspectos.

As enfermeiras dizem: “estão querendo que nós façamos consultas? Consultas é o médico quem faz. Que eu peça exames? Que eu dê diagnósticos? Que eu ministre tratamento”?

E eu digo que ela pode fazer, desde que o tratamento seja devidamente protocolizado. E ela diz: “não é minha função, nhem-nhem-nhem….”

A cultura das enfermeiras também é uma cultura de submissão aos médicos. Está introjetado o mecanismo de submissão e você tem que provocar nelas a rebeldia, um certo conflito dentro da própria equipe, para que as coisas se equilibrem, se tornem saudáveis.

Agentes comunitários de saúde também refletem essa cultura. Acham que consultas é só com o médico, que o ideal é o hospital, que se chegar ao serviço e disser, “doutor, quero o exame A, B e C”, e o médico disser, “não vou pedir esses exames, vou te examinar e ver quais necessita”.

Ela fica zangada, acha que precisa fazer não sei o quê, acredita no Fantástico [jornal da TV Globo], que é um elemento de deformação da cultura popular acerca de saúde.

A capacitação nesse chamado curso introdutório tem que abordar esses temas, senão fica travado, a coisa não muda, pelo menos não muda na profundidade e no alcance que se deseja.

É claro que a capacitação tem que ter também o propósito de atualizar os conhecimentos das equipes de saúde da família e dos gestores dos programas. E isto é um elemento de choque, também, porque as pessoas têm a dificuldade de admitir que não sabem, que estão desatualizadas, é difícil.

Por exemplo, a tendência que existe claramente nos países desenvolvidos na redução da necessidade de leitos hospitalares. O Dr. Eugênio mostrou aqui a implosão de um prédio de hospital de cento e tantos anos, no Canadá. A Organização Mundial da Saúde trabalhava com a ideia de 4 leitos por mil habitantes, como ideal.

Hoje em dia se trabalha com dois, dois e meio leitos por mil habitantes, porque a função dos hospitais está mudando. O hospital é, por definição, um lugar insalubre, é um lugar ruim, onde só se vai quando não tem outro jeito. Aí, você vai para a UTI, fazer uma grande cirurgia, como eu espero brevemente fazê-la, vai para o hospital, tudo bem, mas deve-se o máximo possível evitar a hospitalização.

E evitar é possível hoje, porque houve uma reviravolta na tecnologia, os equipamentos tornaram-se mais leves, fáceis e mais baratos. A revolução tecnológica transformou o produto industrial, o produto cuja produção se faz em série, em um produto barato.

Então eu costumo dizer que isso é mixaria, o volume de recursos que este país dispõe para saúde. E nós temos que bater nessa tecla o tempo todo. Nós não somos Uganda, nós não somos o Burundi, nós não somos aqueles países lamentavelmente desgraçados da África e de alguns pontos da Ásia, que não têm recursos para nada.

Nós temos tudo. A nossa indústria é capaz de produzir tudo que é necessário para montar um sistema de saúde altamente eficaz. Nós temos os profissionais. Aí dizem, “mas é mal formado”. Mas tem! Alguma coisa as pessoas aprenderam, ficaram seis anos lustrando o banco numa faculdade de medicina, outros têm residência, tem isso, tem aquilo outro, né? Nós temos os profissionais necessários.

Tem distorções? Tem! Há mais médicos que enfermeiras, somos o país que tem mais dentistas no mundo, mais que os EUA, mas existem os profissionais. Nós temos, portanto, os recursos industriais, os recursos humanos, e temos também recursos financeiros.

Recursos e projetos

Não gosto de ficar dizendo que os problemas do sistema de saúde são gerenciais, porque eu acho que isso é uma simplificação. Agora, colhendo um pouco da experiência que o [Otávio] Mercadante sumariou e que começou no Vale do Ribeira quando eu trabalhava no Internato Rural da Faculdade de Medicina da USP… Depois vim para São Paulo, depois fui para Bauru, depois fui para Santos.

Olha minha gente, eu nunca deixei de fazer nada do que era necessário e programado, por falta de dinheiro. Será que sou Midas, que tudo que toca vira ouro? Não! Existem os recursos.

Devolve-se dinheiro para o governo em determinadas rubricas, porque não tem projeto, ninguém pede.

Então existe um problema de recurso, tem que ter um financiamento estável suficiente etc e tal. Vamos esperar que com a PEC [tornada Emenda Constitucional nº 29 citada acima] progressivamente alcancemos isso, mas existem recursos. Aqui não é Uganda, não é o Burundi.

Temos condições de montar um sistema de saúde eficaz para nossa população. As pessoas precisam saber disso, precisam saber que há essa tendência de diminuição de leitos hospitalares e isso não quer dizer que não exista a necessidade de construção de hospitais no Brasil.

Precisa, pois é muito desigual a distribuição de leitos, mas tem lugares onde tem demais, vai ter que fechar, vai ter que implodir, porque se nós ganharmos essa batalha – embora, o mercado para quem está interessado em lucro na saúde, mesmo se for 40 milhões de pessoas que é o que se estima, vocês imaginem que é um mercadão. Quantas Holandas? Quantas Dinamarcas? É um mercadão bom…

Ambulatórios de especialidades

Eu acho que temos que discutir também, dentro dessa atualização de conhecimentos, sobre a importância de ter, na retaguarda das equipes de saúde da família, ambulatórios de especialidades.

E não são quaisquer ambulatórios. Eu acredito que esses ambulatórios de especialidades deviam ser gerenciados pela mesma lógica do Programa de Saúde da Família, e até pelo próprio programa.

Na experiência que tivemos em São Paulo, tínhamos três ambulatórios de especialidades, um para Itaquera, zona Leste, outro para a zona Norte e outro para a zona Sudeste.

Nós selecionamos os profissionais, estabelecemos as regras de funcionamento, e eram aqueles ambulatórios que chamávamos de alta resolubilidade, porque tínhamos equipamentos que faziam o paciente não virar peteca, pois ele não pode ser encaminhado pela equipe de saúde da família para o ambulatório e de lá ser encaminhado para fazer os exames em diversos locais diferentes.

Isso não faz sentido, você pode concentrar no ambulatório de especialidades. E também vai ter que ganhar para essa concepção os especialistas.

Por exemplo, eu tive uma grande dificuldade para contratar gastroenterologistas, porque só queria contratar profissionais que soubessem fazer endoscopia, que soubessem fazer e interpretar uma ultrassonografia, e não admiti a segmentação dessas atividades, que tem uma especialidade que é o endoscopista, uma outra especialidade que é o ultrassonografista.

No nosso caso o gastroenterologista atende, faz a endoscopia, faz a ultrassonografia e o paciente sai dali com seu problema diagnosticado ou orientado para ser tratado ambulatorialmente, ou se o caso for mais sério, para ser encaminhado a uma cirurgia.

O pneumologista tem que saber ler a imagem, tem que ter seu quadro de luz para ver o raio-X, mas tem que fazer espirometria. E aí eu vou em vários lugares e as pessoas dizem: “esses técnicos não existem”.

Ora, não existem, mas é fácil formar. Nós pegamos uma técnica muito boa do InCor (Instituto do Coração de São Paulo) da FMUSP e pedimos a ela para treinar três técnicos para fazer espirometria nos ambulatórios de especialidades. Não durou dois meses e nós tínhamos três técnicos capacitados para fazer esse exame, inclusive, o trabalho dos pneumologistas elevou-se muito em qualidade e resolutividade.

Exames complementares

Temos que discutir também com as equipes, nessas capacitações, o uso adequado dos exames complementares. E aí é uma batalha, porque a deformação dos hospitais universitários faz com que existam aquelas listas com os quadradinhos para pedir exames e que, por preguiça, os próprios residentes, os próprios internos, já fazem um traço pedindo todos os exames.

Isso confunde, isso é uma má prática, além de acrescentar custos desnecessários. É má prática dentro do Hospital Universitário.

Num debate recente com um diretor de Hospital Universitário que se lamentava que o Hospital estava sem dinheiro, eu disse que ele permitia isso.

“Quanto custa para o Hospital Universitário essa série de exames desnecessários?” E isso está formando o quê? Exame complementar, o nome diz, é complementar, o fundamental do diagnóstico é a anamnese, o exame físico, a história de vida.

Os médicos de família têm excelentes condições de fazer isso, então, só devem pedir exames complementares para confirmar ou rejeitar uma determinada hipótese de diagnóstico muito bem fundamentada.

Isso reduz drasticamente o uso de exames complementares e tem que ser discutido não só por economia, mas pela qualidade da assistência que se presta, mesmo porque, pedir o exame complementar desnecessariamente, desvia o raciocínio clínico do profissional, o sujeito pega uma chapa casual e já se esquece de qual era a queixa do paciente. É o que demonstra muito bem um livro, que eu acho que todo mundo devia comprar e ler, um livro de Kurt Klotzel (1999), lançado recentemente, chamado ”Medicina Ambulatorial”, pela editora EPU³.

Uso e abuso de medicamentos

Uso adequado de medicamentos. A prática entre nós é de fazer o uso de múltiplos medicamentos. É também precaução, quando se atende uma criança que está com febre, com a garganta vermelha, e o médico pensa: “deve ser uma virose, mas vai que venha se instalar depois uma bactéria aí, então eu já dou logo um antibiótico”.

Isto é má medicina e, portanto, não deve ser assim. No caso dos médicos de família existe a oportunidade de a mulher voltar no dia seguinte, ele pode dizer para a mãe que aquilo pode ser uma virose, mas ainda existe uma dúvida, e se a criança não melhorar, que ela pode voltar amanhã.

Portanto, não há justificativa para esse abuso de medicamentos. Todo o medicamento é uma substância estranha no organismo de uma pessoa. Aquilo que chamamos de efeitos colaterais e que variam de pessoa para pessoa, é a expressão disso.

Tem-se que estudar melhor a questão dos medicamentos e a história do uso de fármacos. E para isso existe também um livro fantástico, de uma pessoa sempre disposta a fazer palestras, que é a professora Jane Dutra Sayd [1998], do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro, chamado “Mediar, Medicar e Remediar” e que tem toda a história da divisão dos médicos, que persiste até hoje, em duas grandes correntes, os intervencionistas e aqueles que são chamados de médicos que praticam o ceticismo terapêutico.

Não estou defendendo que a gente seja adepto do ceticismo terapêutico, às vezes é necessário utilizar determinados medicamentos.

Sou inimigo dos que ficam absolutizando certas coisas e dizem assim: “tomar quimioterápicos para tratar câncer? Mas isso é um veneno de rato”. Eu digo: é, é um veneno de rato, tem efeitos colaterais sérios, tem. Eu estou com o meu fígado arrebentado como efeito colateral de medicamentos que, se eu não tivesse tomado, já não estava aqui, já estava debaixo da terra. Portanto, tem vantagens, tem certos casos em que se tem que usar, mas tem que ter critérios, tem que ter conhecimento. Repito, não é só para economizar, mas para se praticar uma medicina correta, e também para difundir uma cultura sanitária nova na população.

Epidemiologia e clínica

Tem-se que discutir também o conhecimento e o uso da epidemiologia, a medicina baseada em evidências, que é a aplicação da epidemiologia à clínica, deixando de lado aquela suposta contradição entre epidemiologia e clínica. Eu acho importante, aqui no Brasil, a gente trabalhar com protocolos, com guias, etc, linhas terapêuticas de diagnóstico, normas terapêuticas, como dizem nos países de língua espanhola. Mas já temos isso feito no Brasil. O grupo gaúcho liderado por Bruce Duncan (1996) publicou um livro que já está na segunda versão, chamado ”Medicina Ambulatorial”.4

Ali tem tudo, tudo baseado na Medicina, baseado em evidências e também medicamentos, resultado de exames, o que é normal e o que não é. É um livro muito útil. No Programa de Saúde da Família da capital de São Paulo, cada médico tinha na sua escrivaninha um exemplar do livro e eu dizia: olha meu amigo, tem dúvida, segue esse “pai dos burros” daqui, vai por aqui.

Tem que haver também conhecimento de epidemiologia para outras coisas, por exemplo, saber trabalhar com os conceitos de mortalidade evitável diante da situação atual do conhecimento e ter a obsessão para zerar a mortalidade evitável. Tem-se que ter essa obsessão.

A gente tem que ser obcecado. Se morre alguém e era uma morte evitável, a equipe inteira tem que ficar inconformada, trabalhar para diminuir ao máximo esse tipo de situação. Também, o conhecimento necessário para usar os marcadores, o próprio Programa de Saúde da Família já tem estes marcadores, porcentagem de internados, de asmáticos, de hipertensos, de crianças, etc. Tem-se que saber trabalhar com aquilo.

Eu também acho que essa capacitação tem que objetivar ganhar as equipes, os gestores, para o rigoroso respeito aos princípios do SUS – acesso universal, integralidade da atenção.

No nosso programa em São Paulo tínhamos saúde mental, saúde bucal, e foi de lá que surgiu a revitalização das Casas de Parto, criar maternidades-modelo do parto normal humanizado etc…

E a equidade, ela é uma espécie de filha da integralidade, mas tem que ser ressaltada. As pessoas têm que ter tratamento e algumas podem precisar de mais gastos, de mais custos, outras de menos, é diferente de uma distribuição meramente equitativa, igualitária, dos recursos entre as pessoas e do controle social.

Mas, controle social de fato, não é só montar os Conselhos, que a gente sabe que, às vezes, perdem a alma. O controle social tem que ser, às vezes, barulhento, inorganizado, começa assim, depois adquire formas estabilizadas. É o controle social sob a forma da reclamação. Nós temos que aceitar e estimular que se formem os Conselhos locais de saúde, os Conselhos entre as unidades e tudo mais.

A exigência da pressa

Vou colocar só mais duas ideias, para terminar.

A primeira é a seguinte. Eu acho que num trabalho com uma equipe no Programa de Saúde da Família que quer alcançar esses objetivos de montar Sistemas Integrais de Saúde em cada lugar e fazer do SUS, como um todo, um Sistema Integrado de Saúde, temos que ter um elemento que, às vezes é mal interpretado, que é o princípio da pressa, o princípio do aqui e agora.

A área da saúde não pode trabalhar com objetivos a médio prazo, a longo prazo, porque a longo prazo, já dizia o lorde Keynes, estaremos todos mortos, então a longo prazo não interessa. Mesmo a médio prazo, significa o seguinte: a criança que tem um problema detectado hoje, daqui a algum tempo não é mais criança, perdeu a infância. O idoso não pode esperar, por razões óbvias, não vai viver muito. O jovem, o adolescente, não será mais jovem e adolescente, daqui a não sei quanto tempo, será um adulto.

Então, nós temos que trabalhar com pressa. O contrário disso é insensibilidade diante do sofrimento, diante do clamor das pessoas que padecem. Eu costumo dizer que em São Paulo, aquela população da região de periferia como um todo, tem uma carga de sofrimento adicional, pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde em meio à abundância de serviços.

É uma coisa impressionante. Você não pode deixar, você tem que ter pressa para fazer as coisas. Dizem que a pressa é a inimiga da perfeição. Tudo bem, fazemos as coisas imperfeitas e vamos melhorando depois. Mas tem que fazer, temos que começar, tem que ter o empenho de que as coisas comecem a aparecer o mais brevemente possível.

O conflito necessário

Por último, vou defender aqui um ponto de vista que não é muito aceito, que já me levou a grandes discussões, sobretudo com os adeptos da Escola de Frankfurt5.

Eu sou favorável a uma estratégia de confronto, de conflito. Se não fizermos confronto, conflito, não vamos avançar e mudar nada. Uma das piores vertentes da tradição brasileira é o horror ao conflito, a busca do consenso, a valorização do consenso, que gerou um tipo humano especial, que é chamado de “homem cordial brasileiro”.

Essa ideia de consenso, de mascarar o conflito, só serve à conservação das coisas como estão. Eu acredito que a discussão e, sobretudo, a mudança de determinados padrões sociais, exige o confronto. As pessoas precisam saber que ideias estão se chocando, até para se posicionarem. É necessária uma estratégia de confronto.

Eu costumo dizer, até, para provocar, que o maior inimigo da implantação do SUS, mais do que qualquer lobby da indústria de peças, de equipamentos etc, ou mesmo do que as multinacionais da indústria farmacêutica, é a categoria médica, da qual eu posso falar mal, pois sou membro dela. Continua sendo assim.

Casas de parto e corporativismo

Esse programa de Casa de Parto, Maternidade de Parto Normal, tem como maiores opositores o Conselho Federal de Medicina, os conselhos regionais de Medicina de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, e que puxam os outros para essa posição. Isso tem influência nos médicos.

Recentemente houve uma resolução do Conselho Regional de Medicina de São Paulo que está aterrorizando os médicos do Programa de Saúde da Família, do projeto Qualis, que diz que o médico não pode encaminhar a gestante para a Casa de Parto, pois estará cometendo uma infração ética6

Aí se junta a fome com a vontade de comer, não é? O medo do médico em ser processado com o fato de, às vezes, ele não estar suficientemente convicto daquela estratégia, daquele programa. Então, temos que ter essa estratégia de confronto ante todos os corporativismos e as entidades que expressam esse corporativismo.

Muitos conselhos regionais de Enfermagem não fogem à regra e, em particular, o de São Paulo, cuja presidente chegou a dizer que iria me processar, e eu disse a ela que seria uma honra para mim, ser processado por ela.

Isso também reflete atrasos de concepção e de conhecer a realidade. Ora, vir dizer que um agente comunitário de saúde não pode verificar a temperatura de uma criança ou verificar a pressão arterial de uma pessoa, por quê? Qualquer dona de casa de classe média vai a uma farmácia e compra termômetro e aparelho digital para verificar a pressão. E por que uma pessoa incorporada ao sistema de saúde não pode fazer isso? Não tem cabimento.

Eu acho que essa estratégia de confronto é também, desobedecer a esses conselhos, a essas coisas.

Desobedece e vê o que dá depois. Você só vai mudar a legislação, inclusive, se houver movimento de rebeldia, porque a legislação – e esse é um dos princípios do Direito Romano – deve refletir o que acontece na vida, ela não pode querer normatizar a vida. Ela geralmente reflete com atraso, mas é preciso que a prática mude, para que as leis mudem depois, não se tem que ficar com muita obsessão nessa questão.

O papel dos dentistas no PSF

A mesma coisa com os dentistas. Nós lá tínhamos o programa, agora há uma determinação geral de incorporar dentistas nas equipes do Programa de Saúde da Família. E eu não sei se meramente incorporar o dentista no Programa resolve o problema. Acho que não, porque é bom deixar os dentistas concentrados em Unidades Básicas de Saúde, que podem ser transformadas em Unidades de Saúde da Família, e introduzir elementos de redução da artesanalidade da profissão odontológica.

Para isso tem que ter auxiliar de consultório dentário, técnico de higiene dentária. Fazer e verificar placa bacteriana em escola é subutilização do dentista, outra pessoa pode fazer isso, fazer aplicação tópica de flúor, ensinar a escovação correta etc.

O dentista tem que fazer o que ele sabe fazer bem e que só ele mesmo pode fazer. Forrar cavidade o auxiliar de consultório dentário pode fazer, depois que ele abriu etc e tal, e depois ele faz o arremate lá.

Isso é uma batalha, porque os dentistas não estão habituados com essas ideias, não estão habituados a discutir com a comunidade. Os auxiliares de enfermagem fazem o levantamento da situação das bocas das famílias e vêm com os dados, têm que discutir com os dentistas, e se vai dar prioridade a quê?

Eles querem resolver entre eles. Não pode, tem que ter a comunidade participando, escolhendo as prioridades. No nosso caso, as prioridades foram, em primeiro lugar, jovens que não tinham os quatro dentes da frente. Jovem que não tem os quatro dentes da frente fala com a mão na frente da boca, tem dificuldade de namorar, vai dar um beijo, tem um vácuo dentro da boca, é complicado, reduz a autoestima, é uma coisa horrorosa. Então esse jovem vai ter prioridade para colocar prótese. Com idosos é uma situação complicada, a má oclusão dificulta a mastigação dos alimentos, gera doenças gengivais.

Nós fizemos um levantamento em São Paulo, com rigor metodológico completo, que demonstrou o seguinte: apenas 18% da população periférica necessita de cuidados curativos que só o dentista pode prestar. Então, pode-se programar dois, três, quatro anos de trabalho e zerar isso.

A Secretaria Municipal de Saúde de Chapecó se propôs a isso. Eles vão zerar, vão tratar todos os adultos em um determinado prazo, enquanto a geração mais nova vai ficando com índices de saúde bucal invejáveis. Essas são questões que eu estou mencionando e que a gente tem que discutir claramente.

Recentemente encontrei pessoas da universidade dizendo que defendem aquele velho modelo dos dentistas nas escolas, ou então revelam o temor de que o técnico de higiene dentária se transforme em prático e que vá competir com os dentistas.

Nós temos que discutir, confrontar essas questões o tempo todo. É um trabalho difícil, mas absolutamente necessário, se nós pensarmos em Programa de Saúde da Família como estratégia de mudança de modelo assistencial, estratégia de mudança da situação atual do Sistema de Saúde, se nós pensamos em transformar isso tudo em Sistemas Integrados e fazer com que o SUS seja, de fato, o sistema de saúde desse país e que funcione na contramão, mas que seja um sistema vitorioso.

Era essa a contribuição que eu queria dar para o debate. Obrigado.”

David Capistrano Filho

VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco

Salvador (BA), 1º de setembro de 2000

*Transcrito de “A luta política e cultural pela construção do SUS – a última fala de David”. Marcelo Mário de Melo (org.). David da saúde e da vida. Recife: Governo de Pernambuco, Secretaria da Saúde, 2007. p. 63-78. O trabalho do organizador teve por base o vídeo mencionado abaixo com adaptações de manifestações coloquiais. Para esta edição foram feitos poucos ajustes adicionais sob cotejo da íntegra da apresentação de David Capistrano Filho no VI Congresso de Saúde Coletiva da Abrasco, constante em “David Capistrano”, canal do YouTube “Pedro Romualdo”.

1 Entre os livros de Eugênio Vilaça Mendes, até a ocasião, registre-se Distrito Sanitário (Mendes, 1993), Uma agenda para a saúde (Mendes, 1996), A organização no nível local (Mendes, 1998) e a posteriori As redes de atenção à saúde (Mendes, 2011).

2 O artigo 198 teve alterações parciais em parágrafo ou inciso, no conteúdo ou redação, em sequência pelas seguintes emendas:  Emenda Constitucional nº 29, de 14 de setembro de 2000; Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006; Emenda Constitucional nº 63, de 4 de fevereiro de 2010; Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015; Emenda Constitucional nº 120, de 5 de maio de 2022; Emenda Constitucional nº 124, de 14 de julho de 2022; Emenda Constitucional nº 127, de 22 de dezembro de 2022; Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. O artigo 200, inciso V, teve alteração de redação pela Emenda Constitucional nº 85, de 26 de fevereiro de 2015. Para verificar as alterações anteriores e as atuais consulte aqui. Para consultar o texto na íntegra acesse aqui

3 Em comemoração ao 25o aniversário da edição pioneira de Medicina Ambulatorial: Princípios Básicos, de Kurt Kloetzel, a editora Guanabara Koogan (Grupo Gen), lançou, em 2024, a 2ª edição especial, organizada e comentada por Rodrigo Caprio Leite de Castro & Maria Inez Padula Anderson.

4 O livro recomendado está na quinta edição (Duncan et al, 2022); observe-se a Figura 1.2. Mudanças no ranqueamento das principais causas de óbito no Brasil, 1990-2019. Imagem disponível aqui.

5 Um verbete completo, de fácil acesso, sobre a Escola de Frankfurt, escola (ou vertente) de teoria social e filosofia, particularmente associada ao Instituto para Pesquisa Social (fundado em 1923) da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, encontra-se na Wikipedia.

6 Ao pesquisar amplamente a resolução mencionada por David, nada foi encontrado antes de 2000 relacionado a Casas de Parto, na legislação do Cremesp. Indagou-se então à inteligência artificial Deep Seek: “Qual a resolução do CREMESP que proibiu os médicos de atenderem nas casas de parto por volta de 1998?” A resposta foi: “Em 1998, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) emitiu a Resolução nº 124/98, que proibia médicos de atenderem em casas de parto (também chamadas de centros de parto normal independentes) que não fossem vinculados a hospitais. Principais pontos da resolução: 1. Proibição de atendimento médico em casas de parto não hospitalares – O CREMESP considerou que o parto deveria ocorrer apenas em ambiente hospitalar ou em casas de parto vinculadas a hospitais, garantindo recursos para emergências. 2. Riscos à segurança – A justificativa foi a falta de estrutura para lidar com complicações como hemorragias, sofrimento fetal ou necessidade de cesárea. 3. Impacto no movimento de parto humanizado – A medida foi criticada por parteiras e defensores do parto natural, que argumentavam que casas de parto bem estruturadas tinham segurança comprovada para gestações de baixo risco.” No entanto, na legislação do Cremesp depois de 2000, única e não revogada, dispõe no primeiro artigo da Resolução Cremesp nº 111, de 23 de novembro de 2004: “É vedado ao médico exercer atividades nos locais denominados Casas de Parto, por não serem os mesmos dotados de infraestrutura indispensável ao adequado atendimento à gestante, à parturiente e ao recém-nascido”. As disposições atuais do Ministério da Saúde, quanto ao Centro de Parto Normal (CPN) é a Portaria MS/GM nº 11, de 7 de janeiro de 2015.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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