Driblar sanções e crescer: Venezuela cria estratégias para melhorar economia
Driblar as sanções e crescer em meio a bloqueios econômicos. Essas têm sido as metas do governo da Venezuela depois de 9 anos do início das medidas coercitivas impostas pelo governo dos Estados Unidos à economia do país sul-americano. De acordo com estimativas da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, isso será possível, independente da retomada ou não das sanções.
Os EUA ameaçaram na última semana retomar os bloqueios contra a Venezuela no setor do petróleo e gás, depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) confirmou a inabilitação da opositora María Corina Machado. Depois de quatro meses vigorando, o governo do presidente Joe Biden começou a derrubar algumas licenças, primeiro contra a mineradora estatal Minerven. Os bloqueios começaram a ser impostos em 2015 e impactam a produção e exportação do principal produto venezuelano: o petróleo.
De acordo com o governo de Nicolás Maduro, em janeiro de 2015 eram produzidos 2,5 milhões de barris diários de petróleo. Em 2020 esse número caiu para 339 mil.
Com isso, o governo afirma ter deixado de arrecadar US$ 323 bilhões só com a venda de petróleo nos últimos anos. Com todas as sanções, Maduro diz que o impacto foi de US$ 642 bilhões no PIB venezuelano de 2015 a 2022. Para efeito de comparação, o PIB da Venezuela em 2023, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi de US$ 92,2 bilhões.
O advogado especialista em Economia Política Juan Carlos Valdez disse ao Brasil de Fato que o foco dessas sanções é justamente amarrar a Venezuela a um problema sem solução: a entrada de dólares. “A Venezuela é um país basicamente importador e viu reduzir a entrada de divisas. Para satisfazer a nossa necessidade de importações, temos que ter dólares suficientes para ir ao mercado internacional. E a agressão dos EUA está focada em que a Venezuela não possa ter dólares”, afirmou.
Medidas evasivas
Como forma de aumentar a entrada da moeda estadunidense, as empresas venezuelanas passaram em 2020 a usar ferramentas para driblar os bloqueios e garantir a venda de petróleo para o mercado internacional. Um dos recursos para isso foi criar empresas intermediárias e vender a commodity por triangulação com o mercado asiático. Ainda assim, o produto tinha um desconto de quase 40% se comparado aos preços do mercado internacional. Segundo a Reuters, em março de 2020, enquanto o barril de petróleo brent era vendido a 37 dólares, a petroleira estatal venezuelana PDVSA vendia seu barril entre 14 e 18 dólares.
De acordo com o sociólogo e mestre em comunicação política Franco Vielma, o país também criou condições logísticas para o mercado marítimo para furar o bloqueio e vender petróleo no mercado internacional. “Fretar embarcações sem seguro, desligar dispositivos de posicionamento das embarcações e trocar a carga de petróleo entre diferentes navios em alto mar foram algumas das formas encontradas para escapar das medidas coercitivas”, disse o especialista ao Brasil de Fato.
Para ele, isso tudo representou uma forma de adaptação do mercado venezuelano.
“Hoje a produção é de 801 mil barris por dia e, mesmo longe dos níveis históricos mais altos, implica uma recuperação. E essa recuperação não se explica pelas licenças. A Venezuela já produzia mais nos últimos dois anos, mas se está vetada do sistema internacional, como aumentou sua produção? Aumentou porque conseguiu vender petróleo por métodos evasivos. Ou seja, a Venezuela começou a usar métodos que já aplicavam Irã e Rússia a partir de 2022. Obviamente isso é uma adaptação”, afirmou.
Para os especialistas, a retomada da sanção contra estatal mineradora Minerven representa só uma ameaça a outros investidores, já que o setor representa uma porcentagem muito menor das exportações venezuelanas.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
Mesmo com uma eventual retomada das sanções, o objetivo é que essa adaptação garanta um crescimento econômico não só em 2023, como também em 2024. Segundo projeções da Cepal, o PIB da Venezuela deve apresentar um crescimento de 2,7% em 2024.
“A asfixia que impõe os EUA não vai impedir o crescimento econômico, vai fazer com que ele seja mais lento. Mas para mim, não vai nos lançar um saldo negativo. O saldo positivo não vai ser tão alto quanto esperávamos”, disse Valdez.
Prejuízos lá e cá
A empresa mais impactada com as sanções foi a petroleira estatal PDVSA. A companhia respondia por 95% da entrada de dólares na Venezuela e, com as contas bloqueadas fora do país, teve uma queda vertiginosa no fluxo de caixa, além de perder acesso ao mercado internacional para refinanciar sua dívida.
A PDVSA também teve um dano logístico e operacional. As bacias venezuelanas têm um petróleo pesado, que exige produtos diluentes como a nafta petroquímica para deixar o produto com uma menor densidade para transportar e comercializar. Com os bloqueios, grande parte desses produtos deixaram de entrar na Venezuela, o que limitou a produção.
Outra questão importante para as produtoras venezuelanas é o armazenamento do petróleo. Sem conseguir colocar o petróleo à venda no mercado internacional, o país precisou de espaço para armazenar o produto e passou a alugar navios para estocar. Com a falta de estoque e a queda na produção, vários poços tiveram que ser fechados, o que representa um desperdício do dinheiro usado para a perfuração, já que a empresa terá que fazer um novo investimento para perfurar o mesmo poço.
Empresas petroleiras estadunidenses também tiveram prejuízos com as sanções. Parte da infraestrutura montada por essas companhias foi inutilizada e elas tiveram que recorrer a mercados distantes, como o Oriente Médio, para substituir a demanda por petróleo. Por isso, as petroleiras dos EUA também começaram a fazer pressão pela queda das sanções.
“Nos EUA a política de lobby é completamente legal. Parte das petroleiras fazem pressão aos seus políticos pagos, aos seus funcionários no Congresso, e em alguns casos, pressionaram para reduzir as medidas coercitivas contra a Venezuela que estão relacionadas ao petróleo porque essas empresas consideram que tiveram que gastar durante muito tempo para substituir a importação de petróleo venezuelano”, explica Franco.
Atores do mercado venezuelano também começaram a demonstrar preocupação com as sanções. Adán Celis, presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela (Fedecámaras), disse em entrevista ao portal TalCual que parte dos investidores estão reticentes em continuar aplicando dinheiro no país com as ameaças norte-americanas.
Ainda assim, a população continua sendo a principal afetada com as medidas coercitivas. “Isso também implica saúde, educação, salário do setor público, investimentos em obras públicas. O dano é generalizado contra a estrutura de financiamento do Estado venezuelano. Quando se rouba ou congela ativos do Estado, claramente é a população a principal prejudicada. Nem sequer países em guerra perderam tanto dinheiro quanto a Venezuela neste curto período de tempo. E isso explica alguns dos desastres na economia venezuelana”, afirma Franco.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog