Cunca Bocayuva: Carnaval 2024 no tempo de tempestade

Carnaval 2024 durante a tempestade

Por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva*

A partir de quarta-feira, 14 de fevereiro, anunciam-se grandes emoções e riscos face ao desafio de medidas necessárias para sair da sordidez golpista e romper de vez com os negacionismos, sem ceder às chantagens do poder do capital especulativo, do Congresso e da velha tutela das Forças Armadas.

Como evitar a lógica da face pseudo-normalizadora da crueldade que encanta o fascismo social classista, racista e sexista, e prospera com respostas sanguinárias para situações traumáticas de emergências que se repetem?

As pontas da biopolitica renascem como estado de desequilibrio a cada novo ciclo histórico, como hoje, quando as máquinas de guerra, a sociedade do espetáculo e a força da finança capitalista convergem para o centro da cena, agravada pela catástrofe climática e a arquitetura da destruição com a repetição do delírio imperial do Ocidente e os vários fundamentalismos.

A decisão e a luta neste final do primeiro quarto de século 21 não serão comandadas pelos desclassificados, apesar da força das milícias.

O jogo do poder saiu das polaridades provisórias. Chegou a hora do jogo do poder na batalha que vem sendo travada no Brasil e no mundo desde 1989.

No Brasil, o narcisismo de parte da sociedade apela para as ações impulsionadas pela morbidez da mesquinharia na política.

Toda atenção é pouca para não mimetizarmos a psicologia dos recalcados. Contra a barbárie a multidão deve continuar buscando construir uma saída na direção de uma democracia ampliada na sociedade dita do conhecimento, onde o valor de uso se imponha no cálculo social e ambiental.

Os afetos alegres e a festa são sempre o melhor caminho nas ondas da libertação por uma reforma intelectual e moral que fortaleça o bloco da emancipação social.

Mas, para isso é preciso que a vontade de poder possa investir na vida sem cairmos novamente no chamado para a matança.

O século 21 está por demais atravessado pelas guerras e pelas ondas de calor.

Como se sabe, é fácil governar pelo medo. Basta fingir que existe um enigma do mal a ser decifrado destruindo as condições de construção da noção de verdade em nome da fé dos abutres.

Já faz muito tempo que a ironia e a falta de profundidade tentam validar as situações do absurdo como na frase “Celacando provoca maremoto”.

A melhor solução é sorrir e encontrar um projeto que rompa com a arquitetura da destruição.

Não precisamos de falsos mitos salvacionistas. Precisamos, isto sim, reafirmar que o mito que vale é aquele que melhor colar com o velho ideal de igual-liberdade. Ainda vale resgatar os caminhos da liberdade no sentido sartreano.

Ilustração: Cunca Bocayuva

Ao menos, teremos tentado um encontro com uma certa autenticidade responsável na relação com as diferenças, mas sem ilusões.

O romantismo revolucionário e a metafilosofia de Henri Lefebvre servem para a busca do caminho possível, do Direito à Cidade, para a rota na direção de uma nova hegemonia.

Ou seja, o agir estratégico deve ser orientado a partir de uma escrita que articula a produção do espaço e o movimento molecular na chave emancipatória. O que vale para enfrentar a questão cultural dos valores no terreno da velha crítica da ideologia, onde está colocada a grande disputa que se complexificou com o desafio do “príncipe eletrônico” na era das redes do ciberespaço.

Mas é na práxis corpóreo-espacial que medimos e formulamos nossas demandas e construímos nossos afetos. As subjetividades coletivas se corporificam na espacialidade.

A atualidade da obra de Henri Lefebvre, que faz 50 anos, pode ser medida neste lugar de resgate que liga sociologia e filosofia na tramada “Produção Social do Espaço”, uma obra fundamental para compreendermos o processo de formação do planeta urbano em que vivemos.

Essa obra é indispensável para lidarmos com o retorno do espaço como categoria central neste mundo de redes e fronteiras em movimento.

Aqui, cabe destacar, como faz Eduardo Granja Coutinho, a formação da vontade coletiva, levando em conta os mitos, as paixões, as formas e os afetos na estruturação da consciência e na visão de mundo dos subalternos.

Granja Coutinho nos coloca um caminho sugestivo para buscar gerar processos de mudança adequados aos tempos, como lidar com o mito na fórmula crítica do bloco histórico, no momento em que o som e a fúria explodem.

Vivemos um tempo em que a “tempestade” muda o ambiente, em um contexto de crise da globalização, que já está no seu terceiro tempo.

O primeiro foi o da falsa nova revolução (passiva) do capitalismo neoliberal. O segundo foi o de regimes de emergência e medo. O terceiro é o da banalização da crueldade e da arquitetura da destruição, vide Gaza.

A “nova guerra fria” já se ampliou como uma espécie de guerra mundial contra as populações. Uma espécie de guerra civil generalizada, segundo Joel Birman.

*Pedro Cláudio Cunca Bocayuva é professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) e coordenador Laboratório do Direito Humano à Cidade e Território (LDCT) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *