Claudia Wanderley: Ano novo chinês, vida nova no Brasil
Por Claudia Wanderley*
Neste sábado, 10 de fevereiro, segundo o calendário lunar, começa o ano novo chinês. É o ano do Dragão de madeira.
Tivemos este dragão pela última vez há 60 anos, em 1964.
Na tradição do yoga, a mudança de ano acontece com a entrada do sol no signo de Áries, perto de março/abril dependendo do cálculo.
Mas todos nós estamos envolvidos em ciclos se considerarmos um princípio simples: o ano, o mês, a semana, o dia, a hora, o segundo, todos são para vivermos o presente, curtirmos a nossa vida em paz, seja ela como for.
Em vez de olharmos para as expectativas alheias, sugiro que aproveitemos este momento para nos conhecer melhor. É um bom fio da meada.
Por exemplo, olhar mais para nós mesmos e, a partir daí, pensar o que podemos fazer para melhorar a nossa vida no dia a dia.
Às vezes a tomada de consciência de um simples detalhe faz uma tremenda diferença no nosso bem-estar diário.
Festival de Durga no mês de Chaitra, na India. Foto: Wikimedia Commons
O SEGREDO ESTÁ NO COTIDIANO
O mestre José Manuel Estrada Vazquez (1900-1982), que foi o professor de meu professor, dizia que as coisas mais profundas são simples, e estão em nosso cotidiano.
Isso se aplica também à universidade, onde consideramos as explicações mais sucintas ou as mais simples como as mais elegantes e desejáveis.
Ou seja, começamos por nós, para ganhar consciência de nossos hábitos e olhar para nossas relações.
Como saber como estamos?
Em geral, estamos sendo percebidos em relações, e essas relações têm diferentes funções já definidas na nossa vida.
A gente é mãe, filha, tia, avó, neta, profissional, amiga, yogue, estudante, devota, por exemplo.
Ou seja, exercemos vários os papéis, que exigem que a gente desenvolva certas habilidades.
Esses papéis nos permitem aprendizados importantes para florescermos em nossa vida adulta.
Esses papéis são bem estáveis e já estão mais ou menos definidos. Basicamente o que as pessoas esperam da gente e o que esperamos das outras pessoas.
Trocar um papel nosso que não está em evidência pode ser bom, além de revelar certa generosidade de sua parte.
SERVIÇO COM A SUA COMUNIDADE
No yoga, temos a prática de nos dispor voluntariamente a fazer uma ação que favoreça a vida, sem desejar nada em troca.
Por exemplo, despretensiomante, fazer uma ação bacana.
Às vezes queremos reconhecimento, às vezes queremos retribuição…
Minha sugestão: reserve uma hora por mês para fazer algo assim, gratuitamente, buscando favorecer o desenvolvimento da vida.
Uma vez por mês, ofereça uma hora de presente para fazer algo legal, sem expectativas.
Ofereça de coração, ofereça com alegria, apenas para estar fazendo algo bom de maneira que você expanda sua alegria.
Depois me conte aqui como se sentiu, o que percebeu de si. Acho que é, das práticas que conheço, a mais linda!
Outra maneira de se mobilizar internamente, levando em conta as relações, é você se aproximar de um grupo de pessoas, de um coletivo, de uma comunidade. Enfim, de pessoas envolvidas em uma atividade benéfica para os seres vivos.
Quando estamos em um grupo, abordamos as questões que nos tocam de forma diferente.
Considerar os grupos culturais – nesse caso – como um caminho possível de compreensão e liberação de nossas questões pessoais é um modo de aprender sobre si também, e de estar em boa companhia.
CONHEÇA-SE E SE INVENTE
Atenção à sua criatividade e às comunidades de culturas tradicionais que estão perto de você.
Cultivar a criatividade, neste sentido, é uma prática salutar para acomodar em nós mesmos novas experiências.
Também para conviver curiosamente com novos conhecimentos que chegam, com nossa maturação psicológica, com as mudanças que percebemos no nosso corpo.
Este ano, na Unicamp, nós vamos experimentar cantar mantras na noite anterior à lua nova, que é uma lua ligada a Shiva.
Vamos fazer esse exercício gratuito e espontâneo, para nos envolver mais nas práticas e estudos de yoga no campus. Estamos nos inventando, aqui.
Diga-me com quem andas, ande com a alegria
Tem uma prática tradicional de sua família que ficou esquecida? Retome.
A receita da avó, as músicas da família, as festas para dançar juntos, as cantorias à noite, as caminhadas… Volte a fazê-las. São referências de sua família que alimentam os laços de uma maneira gostosa.
Com leveza e alegria, você pode iluminar quem está perto.
Se sua família não está perto, as culturas tradicionais têm condições de nos acolher nas diferentes fases da vida.
Nessa acolhida, podem nos ajudar a completar nossa educação sobre a convivência e a vida coletiva.
Podem nos ajudar a recompor a experiência de uma família que se desfez, superar um coração partido ou um luto que não parou de doer. Mesmo para poder encarar a morte, o apoio de uma comunidade faz toda a diferença.
E tudo isso acontece enquanto estamos envolvidos com as atividades do grupo.
Estou falando de grupos de culturas tradicionais como capoeira, caixeiras, jongo, afoxé, samba de roda, samba de bumbo, yoga, tai chi chuan, lian gong, danças circulares… são muitas.
Pela minha experiência, encontramos frequentemente professores que ensinam pelo exemplo nas tradições dos povos originários e diaspóricos. Alguém que diz o que faz e faz o que diz.
Quem age com o bem estar da família humana em seu coração, pode ser considerado um/a excelente professor/a, seja da tradição que for.
RECEBA BEM O ANO NOVO
Nem sempre quando a gente se olha a gente fica tranquilo.
Decidir saber sobre si também tem a ver com uma certa coragem para a verdade.
A gente percebeu que não é bem quem a gente pensou que era?
A gente percebeu que não é exatamente como os outros acham que a gente é. O que fazer com isso?
Observe, não julgue. Aprenda sobre você, e se acolha.
Sim, nós somos limitados, imperfeitos e, ao mesmo tempo, criaturas incríveis.
Abra espaço para que possa criar em sua vida.
Criar o quê?!
O que você sentir.
Abra espaço para sentir novamente, para se expressar plenamente, para ser feliz.
Este ano é o seu ano. Ele começa quando você encerrar o ciclo que precisa ser terminado e se permitir viver seu novo ano.
SUGESTÃO DE MEDITAÇÃO
- tome um banho e coloque uma roupa limpa
- sente-se confortavelmente virada para o leste
- dentro do possível, mantenha sua coluna reta, olhe para um ponto à frente no chão em um ângulo de 45 graus
- preste atenção em sua respiração, respire profunda e lentamente
- pergunte-se do que tem saudades de fazer, ou que gostaria de fazer e ainda não fez; pense em como pode fortalecer seu lado criativo.
- fique pensando nisso por 5 minutos; respire profundamente, com atenção no seu coração
- Encerre a prática, e agradeça a experiência
*Claudia Wanderley coordena o grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. Dá aula de saudação ao sol no programa de extensão da Faculdade de Educação Física da mesma universidade
Publicação de: Viomundo