Advogada que denunciou assédio é agredida e ameaçada de morte por bolsonarista no RS
“Ele veio atrás dizendo, por enquanto eu estou te avisando, depois eu vou te matar.” No relato da advogada Janaíra Ramos foi o que aconteceu quando o agressor, Rodrigo Tondelo, chegou ao seu escritório e, quando a vítima deixou o local, passou a persegui-la na rua. O episódio ocorreu nesta quarta-feira (23) em Casca, no Norte gaúcho, município distante 227 quilômetros de Porto Alegre, região onde Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial por larga margem.
No início de novembro, Janaíra denunciou nacionalmente em uma live no Instagram do advogado Táki Cordás que comerciantes que, supostamente, teriam votado em Lula, estariam sob assédio de bolsonaristas inconformados com a derrota eleitoral. Janaíra relatou que os eleitores mais exaltados do perdedor do pleito estavam propondo a identificação de estabelecimentos comerciais que seriam vinculados a simpatizantes do candidato vitorioso com um adesivo retratando uma estrela vermelha, símbolo do Partido dos Trabalhadores. Uma proposta que remete ao que acontecia no nazismo, quando as lojas dos judeus eram marcadas com a estrela de Davi.
“Depois vou te matar”
Ao Brasil de Fato RS, Janaíra relatou detalhadamente a violência sofrida. Contou que atendia um colega em videoconferência quando alguém acionou o interfone do escritório. Estava sozinha. “Era um homem alto, calça social, camisa. Interfonou e eu abri o portão. Não vi quem era. Deixei entrar. Ele ficou na recepção. Eu não reconheci aquela pessoa. Foi erro meu”, relembrou.
Quando terminou a videoconferência, Janaíra foi ver o que o homem queria. “Perguntei quem ele era. Disse que era Rodrigo Tondelo. Disse para ele sair porque se não iria chamar a polícia”. Lembrou que era uma pessoa que estava nos atos antidemocráticos. Ele disse: “Você vai me ouvir”. E ela disse não. “Saí da minha sala, cheguei no interfone, abri o portão, e disse então saio eu”, recorda.
A advogada saiu e o homem a perseguiu gravando a cena. “Veio atrás dizendo ´Por enquanto, estou te avisando. Depois eu vou te matar´”. Depois que ela abriu o portão para sair a fazer com que o homem saísse, recebeu um tapa. Com o impacto, acabou se desequilibrando e arranhando o braço.
Agressor confessou agressão na polícia
Janaíra foi socorrida por uma vizinha. Enquanto atravessava a rua, contou que Tondelo a seguia dizendo que ia matá-la e chamando-a de “vadia, vagabunda, petezada”. E prometeu: “Vou começar contigo a liquidar o PT aqui”. Ato contínuo, desferiu-lhe um pontapé.
Chamada, a Brigada Militar não compareceu. Mas a Polícia Civil foi acionada levando-a ao hospital. Depois, registrou o boletim de ocorrência. Após as agressões, ela realizou exame médico, que constatou um edema no seu joelho esquerdo e escoriações no antebraço.
À tarde e à noite, o agressor teria continuado transitando nas imediações do escritório. No testemunho da advogada, Tondelo teria publicado nas redes sociais que ela estaria mentindo. Que fora apenas um pontapé na bunda e um tapinha para que saísse da cidade. “Estou apavorada. Tu não sabes o que essa gente pode fazer. É surreal. Agora ele diz que estou mentindo. Quem é que larga um escritório com computador, processo, dinheiro e sai para rua desesperada? Tu fazes isso porque estás sofrendo alguma agressão, algum motivo.”
Segundo ela, Tondelo teria chegado antes na polícia e dado sua versão do episódio. O delegado Cristiano de Bone disse que o suspeito se apresentou na delegacia confessando a agressão e foi liberado. A investigação trabalha com a hipótese de lesão corporal.
“Ele alegou que foi tirar satisfações sobre coisas que ela teria falado dele. Disse que acabou se excedendo e desferindo um chute nela. Ele mesmo relatou”, informou o delegado.
Ela pediu uma medida cautelar protetiva contra o agressor. A Vara Judicial da Comarca de Casca acatou o pedido e determinou que o agressor está proibido de se aproximar a uma distância de menos de 100 metros, de manter contato com a advogada, mesmo que indiretamente, de ir ao escritório e à residência dela ou de fazer qualquer postagem ou menção à vítima em redes sociais.
“Tirou foto do alvará e expôs na rede”
Janaíra disse à polícia que nunca teve desentendimento anterior com Tondelo e que continua se sentindo ameaçada. “Eu fiz corpo de delito, mandei as imagens da câmara do escritório, tudo que eu tinha. Ele tirou foto do meu alvará, expôs na rede. Hoje eu estou em casa porque acho que ele pode fazer alguma coisa.”
“Aqui é muito pequeno, a gente precisa trabalhar, mas é bastante arriscado. Na verdade esse rapaz é o boi de piranha. Tem gente por trás dele. Não entendo a mente dessa gente. Como eu estou mentindo se ele foi na polícia e disse que me bateu?”
Janaíra observou que, no começo do mês, já haviam quebrado o interfone e agora veio a agressão. “É irracional, ele estava gravando. Claro, gravou o que interessava a ele, porque na hora que estava me surrando não fez gravação. Eles cancelam a gente. Aí evangélicos, porque ele é evangélico, entraram na minha rede dizendo ´Sua mentirosa, sua vaca, defensora de bandido`.
A advogada desabafa dizendo não saber onde buscar forças. “Eu efetivamente tenho medo, mas tenho que trabalhar. Ele agride em rede, coloca em dúvida a tua palavra, tu tens que viver provando que eles estão fazendo aquilo. A questão de gênero é forte para essa gente, eles são misóginos. Ele me liquida, me traz como mentirosa, falsária, para ele passar como vítima.”
Janaíra acredita que fortalecendo as instituições, com o respaldo do Ministério Público, dos Conselhos de direitos, da Ordem dos Advogados, possa se parar essas agressões. “Eles são muito perversos, temos que combater com rigor. Não dá para se acovardar, se eu tiver medo nesse momento eles vão me liquidar.”
Ela conta com uma rede de apoio formada por advogados, como os doutores Júlio Ramos, Mauritânia Dallagnol, entre outros, assim com o Conselho Estadual de Direitos Humanos e parlamentares gaúchos como Maria do Rosário (PT), Paulo Pimenta (PT) e Luciana Genro (PSOL).
Reação contra as perseguições
A OAB/RS, assim como a bancada do PT na Assembleia Legislativa do RS, lançaram nota de repúdio.
“É inaceitável que a advocacia seja agredida em razão de intolerância política ou por qualquer outra razão. A OAB/RS está adotando todas as medidas necessárias junto à Polícia Civil para auxiliar e acompanhar a investigação do caso e a punição, sendo observados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório do acusado que, inclusive, conforme noticiado pela imprensa, já confessou a agressão”, registra o texto.
“O condenável episódio – ressalta a OAB/RS – decorre da denúncia produzida pela profissional acerca da divulgação de listas de boicote que sugerem a não contratação de advogados e advogadas (e outros profissionais) por eventual posição política.”
Já a bancada estadual do PT requer das autoridades responsáveis “medidas que garantam segurança e justiça para Janaíra. A advogada foi agredida, dentro de seu escritório, por um extremista de direita. Janaíra já vinha sofrendo ameaças, por denunciar uma série de crimes cometidos, na cidade, por seguidores de Bolsonaro”.
O líder da bancada, deputado Pepe Vargas, contatou o governador do estado, Ranolfo Vieira Júnior, que assegurou a tomada de medidas urgentes pela Secretaria de Segurança. Pediu uma avaliação imediata das medidas cabíveis para garantir a segurança de Janaíra, inclusive a possível prisão preventiva do agressor.
Pelo PSOL, as deputadas Luciana Genro e Fernanda Melchionna reclamaram, nesta segunda-feira (21) providências ao estado em relação aos repetidos casos de perseguição política praticadas por bolsonaristas no Rio Grande do Sul após a vitória de Lula. Elas se reuniram com o chefe da Polícia Civil, delegado Fábio Motta Lopes, acompanhadas de Janaíra. Luciana propôs que a advogada seja ouvida na Comissão de Direitos Humanos da AL/RS.
Brasil de Fato RS tentou localizar Rodrigo Tondelo para ouvir sua versão, mas sem sucesso. Ele apagou seus perfis nas redes sociais, após ter feito publicações sobre o episódio.
Tondelo é arquiteto com registro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS). O conselho emitiu uma nota, nesta quinta-feira (24), em que repudia a agressão. A entidade diz que acompanhará o desdobramento das apurações sobre o caso. “O CAU/RS manifesta à sociedade gaúcha que tem compromisso e atua diariamente para garantir que as divergências políticas, naturais e legítimas em uma sociedade democrática, sejam resolvidas com diálogo e dentro da lei sem colocar em risco a integridade física ou moral das pessoas”.
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Publicação de: Brasil de Fato – Blog