‘A agroecologia tinha que acontecer agora numa escala planetária’, diz Krenak no encerramento do Congresso Brasileiro de Agroecologia

Durante quatro dias, o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) convocou uma popularização de princípios acumulados por saberes populares, científicos e ancestrais. Nesta quinta-feira (23), durante o encerramento, o ativista indígena Aílton Krenak defendeu uma dimensão mais ampla da agroecologia no Brasil e no mundo. No mesmo sentido, a leitura da Carta Política adentrou a teia de povos e bandeiras de lutas das práticas, movimentos e cientificidade agroecológicas. 

Completando 20 anos de existência, o CBA deste ano foi realizado no centro do Rio de Janeiro, de forma descentralizada. De acordo com a organização, foram 5,5 mil inscritos, além da população local que teve acesso a espaços abertos como a Feira Nacional de Saberes e Sabores, instalada no Passeio Público, disponibilizando alimentação saudável, entre outros produtos como artesanato, fitoterápicos e publicações.   

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A lista da programação contemplou diversas formas de troca de conhecimentos, com festivais de cinema e de arte e cultura, a apresentação de trabalhos e experiências no chamado Tapiri de Saberes e o intitulado Terreiro de Inovações, que apresenta e troca experimentações de práticas agroecológicas. Além disso, foram feitas diversas atividades autogestionadas e manifestações políticas, a exemplo de protestos contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 1459/2022, conhecido como PL do Veneno, que tramitará em regime de urgência no Senado. 

A partir do lema “Agroecologia na boca do povo”, o CBA busca uma convergência entre as diversas formas de saberes agroecológicos e a luta dos povos tradicionais e movimentos populares.  

“Eu entendi que [o lema] é uma maneira de explicitar a disposição do movimento social de ir para cima dos seus representantes na vida política, para que seja finalmente definido uma política de segurança e de soberania alimentar, e garantias de que as comunidades tradicionais vão ser diretamente participantes, não só como beneficiárias”, definiu Krenak em entrevista coletiva na Fundição Progresso.

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Destacando os laços inseparáveis de um contexto de fome e destruição da natureza no modo de vida atual no planeta, Krenak ainda afirmou que os poderes hegemônicos – destacando o imperialismo estadunidense – não querem a agroecologia no mundo, ou, no máximo, pretendem que seja uma “atividade circunscrita” em jogo de poder. 

Ao mesmo tempo, Krenak cobrou seriedade com investimento público em agroecologia “não apenas com pequenas iniciativas para fazer poucos hectares”, mas para “fazer agrofloresta para todo lado”, em um planeta que a cada mais sofre com os impactos das emergências climáticas e que entre ondas de calor e inundações pode chegar a uma escala em que “não vai dar tempo de fazer a casa de novo”.

Crítico do modelo de instituições atravessadas pela modernidade, como a Organização das Nações Unidas (ONU), ou de intenções capitalistas que se misturam com a sustentabilidade, Krenak diferenciou a agroecologia de práticas empresariais de reflorestamento.

“A agroecologia tinha que acontecer agora numa escala planetária. Aqui no país, se a ideia é justiça ambiental, tinha que começar por restaurar as áreas que estão queimadas com a prática da agroecologia e não com reflorestamento [feito por empresas com interesses capitalistas]”, afirmou.

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Krenak defendeu o investimento público na agroecolgia / Isis Medeiros

Diversidade 

O 12º CBA foi espaço de uma diversidade de vozes que afirmam a agroecologia enquanto saberes ancestrais, em diálogo permanente com os contextos de lutas contemporâneas. A líder quilombola Lucimara Nunes, da comunidade de Custodópolis, em Campos dos Goytacazes (RJ), por exemplo, compartilhou saberes da medicina tradicional, com a cura através das folhas, e da cozinha ancestral, que sustenta a historicidade de quilombos. 

“Eu estou levando para casa uma troca que emana do povo. O que comemos faz emanar uma espiritualidade diferente de quando você come em qualquer restaurante. Porque ali [cozinha ancestral] você está comendo da mão de quem cuida do nosso território, da terra, e levam uma cura alimentar e espiritual”, explica a líder quilombola, que relaciona a cultura dos povos com a importância dos territórios para as comunidades tradicionais. 

A indígena Iracema Pankararu, do povo Pankararu do sertão de Pernambuco, mora no Rio de Janeiro. Ela relaciona as questões ancestrais de sua origem com as emergências climáticas, através da agroecologia, como uma religação necessária para a vida no planeta.

“Estamos falando da agroecologia, mas estão acabando com o planeta. E assim nossos povos estão se unindo como antigamente para mostrar a nossa cultura, como protegemos a nossa terra, a nossa alimentação, nossas rezas, nossos remédios. E por isso estamos reivindicando aqui”, afirma a indígena. 


Diversos povos e culturas se expressaram durante o Congresso / Isis Medeiros

Antes e depois

A realização do 12º CBA antecedeu 30 encontros preparatórios, que foram sistematizados na iniciativa Agroecologia em Rede. Além disso, foram realizadas oficinas e encontros dos Núcleos de Estudo da Agroecologia (NEA) pelo país.

“Foi um Congresso muito mobilizador, construído durante um ano e meio, de forma descentralizada em todo o país. Mais de 5.500 inscritos e inscritas, com a mobilização de mais de 10 mil pessoas na cidade do Rio de Janeiro, em vários espaços. O objetivo do Congresso era justamente isso, com ‘Agroecologia na boca do povo’, popularizar a compreensão de que a agroecologia é uma emergência, com a necessidade de mudarmos os sistemas agroalimentares. Para isso, a gente precisa da força e da compreensão ampla da sociedade brasileira”, afirmou Paulo Petersen, da Comissão Organizadora do 12º CBA. 

Ampliando a margem de tempo, esta é a primeira edição realizada após a pandemia de covid-19. Em 2019, o 11º CBA foi realizado em Aracaju (SE).

“Estamos vindo de uma crise sanitária e de um processo onde a ciência foi muito deslegitimada [nos últimos anos]. Então esse CBA [de 2023] também é uma retomada da ciência como um campo de parceria, de lutas populares”, aponta Natália Almeida, que também integra a Agenda de Saúde e Agroecologia da Fiocruz.

Além da popularização da agroecologia na sociedade como um todo, o 12º CBA também vai servir como referência para a atuação de Grupos Temáticos (GTs) da Associação Brasileiro de Agroecologia (ABA). Ao todo são 12 Grupos que debatem os seguintes temas: agrotóxicos e transgênicos; campesinato e soberania alimentar; construção do conhecimento; cultura e comunicação; economia solidária; educação; infâncias; juventudes; manejo; mulheres; ancestralidades e saúde.

Cada comissão tem participação na elaboração da Carta Política do Congresso que chegou a ser lida durante a Conferência, mas segue aberta ainda para colaboração. Organizações e coletivos que não compõem a ABA também podem contribuir com o documento que será concluído nos próximos dias.

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

Lunes Senes

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