Lula e Alckmin são uma boa notícia para a democracia

Foto: Ricardo Stuckert/Bethania Kerche

A provável chapa Lula-Alckmin para a eleição presidencial de 2022 causou grande rebuliço no debate público.

Disputas acaloradas foram travadas entre aqueles que sentiram o potencial da dobradinha, os contrários a Lula, e por aqueles que ficaram decepcionados com uma aliança da esquerda com um representante da centro-direita.

Entre os simpatizantes de Lula, a crítica veio em dois sentidos.

Alguns escreveram que Geraldo Alckmin não traria votos para Lula. Pelo contrário, o ex-presidente poderia até perder apoio.

Outros centravam suas observações em aspectos ideológicos, reclamando de que o ex-governador tucano impediria Lula de fazer um governo mais à esquerda, tendo que ceder a uma política mais conservadora.

Creio que as duas críticas estão equivocadas.

Vices não trazem voto para candidatos à Presidência, ao menos de forma substantiva.

Não consta que Fernando Collor, o primeiro presidente eleito após a redemocratização, tenha surpreendido a todos por conta de Itamar Franco, seu parceiro de chapa.

Nem que Fernando Henrique Cardoso tenha levado duas eleições no primeiro turno graças aos votos de Marco Maciel, ou que Lula tenha feito história em 2002 e 2006 por causa do empresário José Alencar.

Nem que Dilma Rousseff tenha sido eleita duas vezes com a ajuda dos votos de Michel Temer, político que corria o risco de nem se eleger se fosse lançado para uma disputa para deputado federal.

A escolha do vice é um acerto e um aceno para coisas distintas: tempo de televisão, financiamento de campanha, sinalização para setores que veem com maus olhos o candidato, alianças partidárias para formar uma base para o futuro governo etc.

Alckmin, do ponto de vista eleitoral, agrega, provavelmente, pouco. Mas ao sair da disputa pelo governo de São Paulo, em que é favorito, abre a oportunidade para que o Partido dos Trabalhadores (PT) possa sonhar em governar o estado mais rico da federação pela primeira vez.

Uma candidatura forte do PT em São Paulo apoiando Lula, por outro lado, pode gerar ganhos eleitorais expressivos. E, se nada disso der certo, sem tirar votos do PT nas eleições presidenciais.

Mesmo os mais críticos à esquerda da aliança não deixarão de votar em Lula.

Se o ex-presidente não ganha do ponto de vista eleitoral “strictu sensu”, também não perde. E como urna não mede intensidade, o voto daqueles que ficaram insatisfeitos terão o mesmo peso dos indiferentes e dos entusiasmados com a aliança.

Em relação aos críticos por questões ideológicas, creio que esses não estão percebendo a gravidade do momento e a importância dessa eleição em 2022.

Não estamos vivendo somente o pesadelo de um governo ruim, provavelmente o pior da história brasileira; estamos no meio de uma crise da própria democracia.

Essa crise se inicia com o mau perdedor Aécio Neves em 2014, que não reconheceu sua derrota para Dilma, passa por um impeachment baseado em falsas acusações e culmina com a eleição de um despreparado representante da extrema direita, Jair Bolsonaro.

Tudo isso acompanhado da Lava Jato, uma operação judicial em que um juiz de primeira instância e um bando de procuradores, trabalhando em conluio, colocaram a política no banco de réus sem observar o devido processo legal.

As instituições não foram capazes, portanto, de barrar esse triste processo de degradação da democracia.

Nem o STF, nem o Congresso, por exemplo, conseguiram impedir essa avalanche de desmandos. Pelo contrário, essas duas instituições, por muitos anos, foram cúmplices do processo de deterioração democrática.

Nem um sistema eleitoral em dois turnos, regra capaz de evitar a vitória da extrema direita em países como a França, conseguiu segurar a eleição do ex-capitão Bolsonaro.

Quando as instituições falham, ensinam Ziblatt e Levitsky, resta aos políticos deter os extremistas e os avessos à democracia. As instituições brasileiras não foram suficientes para barrar esse processo de degradação política.

Mesmo a candidatura de Lula no pleito de 2022, que vai ganhando ares de favorita, só foi possível após o vazamento dos diálogos entre os integrantes da Lava Jato de Curitiba que revelavam as armações para assegurar a prisão do ex-presidente e impedi-lo de concorrer em 2018.

Foi um hacker, e não as instituições, que deu uma nova chance ao processo democrático.

O STF, sempre atento à conjuntura política, percebeu que manter Lula na prisão e não assegurar seus direitos políticos, depois da demonstração incontestável de má-fé do então juiz Sergio Moro e do procurador da República Deltan Dallagnol, era insustentável.

Nessa chave, a aliança entre Lula e Alckmin é positiva. Uma frente ampla, contra forças não democráticas, é bem-vinda, especialmente quando as instituições não conseguem barrar candidatos nos extremos do espectro político.

O sistema brasileiro incentiva as negociações. Além da eleição em dois turnos, que forçam o reposicionamento de todos os candidatos em torno de dois nomes, o Congresso brasileiro nunca ofereceu aos presidentes maiorias baseadas em um único partido, exigindo conversas, concessões e frentes entre diferentes.

Aliança é a regra no Brasil, não a exceção. Lula governou assim, inclusive com o apoio do centrão, um eufemismo para um grupo de partidos de direita que sobrevive graças a sua adesão aos governos.

Essa necessidade de fazer alianças talvez tenha impedido que Lula governasse baseado exclusivamente em suas “preferências sinceras”, mas não impediu que ele fizesse uma administração muito bem avaliada e responsável por iniciativas inovadoras e distributivas.

Todos têm direito à opinião sobre a aliança, e Lula já se equivocou em outros momentos –acho que ele era um melhor nome do que Dilma ara as eleições em 2014.

Mas não percamos o contexto que estamos enfrentando. Vices mais conservadores em chapas petistas não são uma novidade.

Um candidato a vice oriundo de um partido que representava o contraponto histórico ao PT e que já disputou uma eleição contra Lula é uma boa notícia. É uma sinalização de que acima das diferenças ideológicas está a democracia.

Isso não foi percebido em 2018, com Ciro Gomes se escondendo em Paris e Fernando Henrique Cardoso em cima do muro no segundo turno entre o petista Fernando Haddad e a extrema direita capitaneada por Bolsonaro.

A aliança é uma correção importante do erro que as forças democráticas cometeram na última eleição. Antes tarde do que nunca.

Folha  

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