Tânia Mandarino: Toffoli decide contra o TRF-4, mas não reconduz Appio ao cargo
Por Tânia Mandarino*
Em decisão divulgada na terça-feira, 19 de setembro, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou a exceção de suspeição do juiz Eduardo Appio, que estava à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).
Suspendeu ainda o andamento do processo administrativo disciplinar contra o magistrado, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), encaminhando-o ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Destaquei em prints 13 trechos da sentença e sobre os quais faço algumas observações.
A decisão de Toffoli foi sobre dois pedidos de extensão dos efeitos da Reclamação Constitucional 43007/STF.
Um deles, do próprio Eduardo Appio, juiz afastado da 13ª Vara Criminal de Curitiba pela corregedoria do TRF-4.
O outro de Raul Schmidt, réu na lava jato que denunciou o fato do TRF-4 ter abrangido a suspeição de Appio a todas as suas decisões na operação, prejudicando-o.
A Reclamação (RCL) 43007/STF, para quem não se lembra, é aquela proposta em agosto de 2020 pelo então ex-presidente.
Nela, em junho de 2021, o ministro Ricardo Lewandowski anulou provas contra Lula obtidas em acordos de leniência da Odebrecht.
Lewandowski era o relator, Toffoli, o relator substituto.
Com a aposentadoria de Lewandowski em 11 de abril de 2023, Toffoli assumiu a relatoria.
Em sua decisão, Toffoli deferiu a extensão dos efeitos da decisão na RCL 43007, como requerido por Paulo Bernardo, em julho (2023), em relação a uma ação penal que tramitava na 22ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre.
Também estendeu os efeitos da decisão ao ex-vice-presidente do Equador, Jorge Glass, anulando, em agosto, as provas utilizadas em ações penais contra ele.
Nas decisões posteriores de anulação das provas, consideradas imprestáveis pela Segunda Turma do STF, Toffoli fundamentou que as provas foram obtidas a partir dos sistemas Drousys e My Web Day B, utilizados no acordo de leniência celebrado pela Odebrecht no âmbito da lava jato.
Isso porque, na RCL 43007, a Segunda Turma decidiu que as provas obtidas a partir dos sistemas não podem ser utilizadas, em razão da contaminação do material que tramitou perante o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.
E, em 6 de setembro de 2023, Toffoli anulou as provas obtidas contra o presidente Lula pelo acordo de leniência da Odebrecht no âmbito da lava jato.
Em sua decisão, Toffoli definiu a prisão do presidente como um dos maiores “erros jurídicos da história do país” e determinou o arquivamento de inquéritos ou ações judiciais pelos juízos competentes, “consideradas as balizas aqui fixadas e as peculiaridades do caso concreto”.
Toffoli determinou também o acesso integral ao material apreendido na Operação Spoofing a todos os investigados e réus processados com base em “elementos de prova contaminados”, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.
Na decisão, apontando as ilegalidades processuais, Toffoli determinou a adoção das “medidas necessárias para apurar responsabilidades não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal”.
Além disso, concluiu que “houve conluio entre a acusação e o magistrado” no âmbito processo da lava jato que levou Lula à prisão em abril de 2018.
Para Toffoli, “centenas de acordos de leniências e de delações premiadas foram celebrados como meios ilegítimos de levar inocentes à prisão”. “Delações essas que caem por terra, dia após dia, aliás”, acrescentou.
“Tal conluio e parcialidade demonstram, a não mais poder, que houve uma verdadeira conspiração com o objetivo de colocar um inocente como tendo cometido crimes jamais por ele praticados”.
Toffoli concluiu que a parcialidade na investigação da 13ª Vara Federal de Curitiba “extrapolou todos os limites”. Isso “contamina diversos outros procedimentos” e inviabilizou “o exercício do contraditório e da ampla defesa”.
Uma curiosidade: defendendo a lava jato, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (justo a OAB/PR!) criticou duramente a posição de Toffoli, em manifestação publicada em seu site em 13/9, mesmo dia em que foi amplamente noticiado que Appio ingressara com o pedido no STF.
Em relação ao juiz Eduardo Appio, é bom que se diga que, em junho deste ano, ele já havia protocolado um pedido de extensão dos efeitos da decisão na RCL 43007. E, na última quarta-feira (13/9) ele fez novo pedido requerendo a concessão liminar de recondução ao cargo e acesso às provas dos autos na ação que o afastou.
A decisão do ministro Toffoli desta terça-feira, 19/09, deixou a questão da recondução do juiz para o CNJ, mas foi rigorosa e taxativa quanto ao que parece envolver o TRF-4.
Toffoli, de início, já encara algumas questões, citando o voto do relator que decretou a suspeição de Appio, “decisão cheia de detalhes e referências a diversas ações”, considerando os 28 exceções de suspeição em face do juiz Appio, “todas propostas pelo ministério público federal de primeiro grau.”
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Antes, Toffoli anota “não terem sido poucas as exceções de suspeição das defesas de acusados que pesaram sobre o então juiz Sérgio Moro e sobre a juíza substituta da 13ª Vara Federal Criminal. Todas, no entanto, foram rechaçadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região”.
Encara também a questão levantada nas exceções de suspeição, em relação ao falecido pai do juiz Appio, o senhor Francisco Appio:
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Cita decisão anterior sua expressando preocupação em relação ao contexto da lava jato no TRF-4:
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Cita o caso Tacla Duran e destaca o interesse de Moro ao peticionar nas ações envolvendo a suspeição de Appio (que feio, hein, Moro, te pegaram com a boca na botija!), bem como os reiterados descumprimentos das decisões do STF pelo TRF-4 ao proferir decisões mesmo depois da suspensão dos feitos:
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Lembra que o desrespeito às decisões do STF pelo TRF-4 vêm desde quando Lewandowski era relator do feito:
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Sublinha que na exceções de suspeição de Appio, o relator do processo no TRF-4 continuou desobedecendo as decisões do STF com o expediente de transformar as 28 em um só:
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Conclui que o relator do processo contra Appio no TRF-4, ao seguir decidindo nos autos, mesmo após Lewandowski ter determinado a suspensão dos feitos estava agindo do mesmo modo que acusou Appio de agir, o que, segundo o critério do próprio relator, também o tornaria suspeito:
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Segue, apontando os expedientes criados pelo relator do processo contra Appio no TRF-4 para violar garantias processuais de todos os réus em processos da lava jato decididos por Appio:
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Lembra que o desembargador Loraci Flores proferiu decisão mesmo depois ter se declarado impedido “fatos gravíssimos que já justificariam a anulação da decisão”.
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Lembra também que o desembargador Malucelli – investigado no CNJ por descumprir decisões do STF no caso Tacla Duran — é pai do genro de Moro e sócio do ex-juiz e de Rosângela Moro, sendo quem recebeu a ligação objeto da reclamação disciplinar contra Appio:
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Por fim, diz não ver razão para a reclamação disciplinar de Appio ser julgada pelo TRF4, já que as de Flores, Malucelli e Hardt estão no CNJ.
Suspende o processo administrativo (PAD) contra Appio até as conclusões da Correição Extraordinária em andamento no CNJ e pede cópia integral de todos os processos no TRF4.
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Como se pode ver, o ministro Dias Toffoli, relator da RCL 43007, foi rigoroso ao apreciar, conjuntamente, os pedidos formulados por Eduardo Appio e Raul Schmidt.
Não poupou juízes que passaram pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba nem desembargadores da 8ª Turma do TRF-4.
Tampouco poupou Sergio Moro em seus peticionamentos suspeitos nos processos de Appio e em sua relação de parentesco com o filho do desembargador Malucelli.
Entretanto, não fez o enfrentamento completo dos pedidos liminares do juiz Appio para sua recondução ao cargo, que são tocantes, uma vez que ele informa que seu afastamento cautelar, em razão da perda de gratificação, compromete o seu sustento e o da sua família.
O primeiro pedido liminar de Appio foi a suspensão dos efeitos do processo disciplinar contra ele junto à corregedoria do TRF4 e sua imediata recondução à condição de juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, bem como às funções inerentes ao cargo, destacando-se que inexiste, atualmente, qualquer processo em curso relativo a agentes políticos.
Subsidiariamente, Appio solicitou liminar de designação para atuar em qualquer outra Vara Federal ou em “esquema de mutirão”, inclusive tendo em vista a essencialidade da prestação jurisdicional, a escassez de magistrados e a notória existência de processos judiciais pendentes de prestação jurisdicional localmente.
Toffoli acatou o pedido de suspensão liminar do processo administrativo disciplinar em face do juiz Appio perante à corregedoria do TRF4 e declarou a nulidade total da decisão na exceção de suspeição que foi unificada contra ele a partir de 28 processos, todos movidos pelo MPF do Paraná.
Ordenou também que aquele tribunal tome as providências necessárias e respectivas consequências em todas as ações, incidentes e recursos que tiveram reflexos da decisão, como no caso de Raul Schmidt.
Toffoli mandou enviar cópia de sua decisão ao corregedor nacional de justiça para a adoção de medidas sob sua competência Constitucional e legal, e solicitou cópia do relatório completo da Correição Extraordinária na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba e respectiva(s) turma(s) recursal(is), tão logo finalizado, bem como de todo material, tais quais processos, dados e informações disponíveis acerca da unidade, que possua em seu poder.
Entretanto, talvez por considerar atribuição exclusiva que não quis usurpar do CNJ, o ministro não atendeu ao pedido liminar de Appio para sua recondução ao cargo e nem seu pedido subsidiário, para atuar em qualquer outra Vara Federal ou em “esquema de mutirão”.
Na minha avaliação, em se tratando tão somente de um pedido liminar, o ministro Toffoli poderia ter atendido o pleito de Appio para voltar ao trabalho determinando sua recondução à 13ª Vara, ou, em não considerando viável tamanha concessão nesse momento, designando-o para atuação em qualquer outra Vara Federal ou em “esquema de mutirão”.
O magistrado, afastado por uma corte suspeita, declarou que seu afastamento compromete o seu sustento e o da sua família.
Mas, ao que aparenta, Toffoli enfrenta o TRF-4, mas não enfrenta o CNJ, que em julho último manteve o afastamento de Appio ao argumento de que há elementos suficientes para a manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações, já que a gravidade das condutas praticadas foi constatada e aparenta possível ameaça a desembargador da mesma Corte.
Além disso, na mesma decisão de julho, o corregedor nacional do CNJ, o ministro Luis Felipe Salomão, concluiu que a continuidade do magistrado investigado no exercício da atividade jurisdicional poderia atrapalhar a regular apuração de todo o ocorrido, com o livre acesso aos sistemas de informática da Justiça Federal e a possibilidade de manipulação de dados essenciais à investigação.
À época, Salomão deu cinco dias de prazo para o TRF-4 encaminhar informações sobre o caso ao CNJ.
Até o momento não se tem notícia de quais informações enviou.
Depois disso, o CNJ publicizou o relatório parcial da correição extraordinária que fez junto ao TRF-4.
A correição, segundo o relatório parcial, constatou graves irregularidades na 13ª Vara Federal de Curitiba e na 8ª Turma que, ainda que em caráter não conclusivo, demonstram que finalmente a lava jato terá que prestar contas ao judiciário e à sociedade, sobre os crimes que pode ter cometido.
Manter Appio afastado, depois de todos esses desdobramentos, me parece medida não condizente com o Direito e a Justiça.
Toffoli poderia ter ordenado liminarmente sua volta, ainda que em outra vara, deixando o mérito da questão para o CNJ.
Eu adoraria ver o que fariam o MPF do Paraná, o ex-juiz Sergio Moro e os desembargadores comprometidos da 8ª Turma do TRF-4 para se oporem à tal concessão liminar depois dessa lambada que levaram na decisão de Toffoli.
Seria um bom termômetro para medir o grau dos atrevimentos, agora que muita sujeira está vindo à tona legalmente.
De qualquer forma, espera-se que o CNJ reconduza brevemente o juiz Appio à 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba e que se some ao STF na apuração de toda a sujeira escondida embaixo do tapete da república de Curitiba.
Quanto ao STF, me somo à opinião de um amigo do direito de quem não devo dizer o nome: “eles vão palitar os dentes nos ossinhos do TRF-4”.
E assim será. Mas é preciso fiscalização popular para que tudo isso ocorra, mesmo.
Publicação de: Viomundo
