Schabib Hany: Com quantas mortes se faz um genocídio

Com quantas mortes se faz um genocídio

No mesmo dia em que organizações humanitárias revelam que são mulheres 75% das vítimas do genocídio cometido por Israel em Gaza, um adido policial desse Estado pária faz visita às instituições policiais de Corumbá, com direito a foto com a bandeira que hoje simboliza o horror contra crianças, adolescentes, jovens, mulheres e idosos indefesos

Por Ahmad Schabib Hany*, no blog O caminho se faz ao caminhar

Nesta véspera do 247º aniversário de fundação de Corumbá, fomos tomados de perplexidade pela inusitada visita do adido policial do Estado de Israel às instituições policiais de Corumbá.

Além de fotos com direito à exibição da bandeira daquele Estado pária por autoridades policiais locais, ao adido foi feita uma demonstração das estratégias de combate à contravenção e ao crime nesta fronteira.

Coincidência a visita do adido policial do Estado colonial genocida à cidade com uma das maiores, senão a maior densidade demográfica de palestinos no Brasil?

E na semana em que a Organização das Nações Unidas, por 142 votos a 10 contrários e 16 abstenções, proclamou o reconhecimento da existência do Estado da Palestina, que os pretensos filhos únicos de Deus, com o acintoso apoio do atabalhoado Donald Nero Trump, declaram abertamente querer banir da Terra?

Isso não é antissemitismo (pois os árabes, descendentes de Ismael, também são semitas)?

Nunca é demais reiterar que o sublimado Estado de Israel foi criado pela Assembleia Geral da ONU em 29 de novembro de 1948, sem ter sido consultada a população milenar da Palestina, que na época era um “mandado”, isto é, uma colônia, do Império Britânico.

E Corumbá tem sido, desde meados da década de 1950, o destino de expressiva parcela das famílias palestinas em sua diáspora causada pelas atrocidades dos que, em nome da fé, teimam em tratar os povos originários do Oriente Médio como sub-espécie humana.

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Assim como o Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição Federal de 1988, proclama a uma só voz que militares e policiais têm que se ater às suas atribuições funcionais, o ativismo político em pleno horário de expediente, num claro afã de afrontar à autoridade máxima, representada pelo Presidente Lula, que foi taxativo em seu repúdio ao morticínio protagonizado pelos que sempre se declararam vítimas de seus vizinhos, mas sonegam informações como, entre outros mais de trinta, o massacre de Deir Yassin, em que os grupos paramilitares Haganá e Ergun, em 1937, assassinaram quase toda a população daquela aldeia milenar palestina com o único afã de criar o pânico e promover uma limpeza étnica, que nunca parou — basta vermos a expansão do território originalmente destinado ao Estado sionista e a criação de colônias em aldeias e cidades milenares palestinas, consideradas ilegais pela mesma ONU que criou Israel.

Se a visita desse serviçal sionista com atributos diplomáticos visa insinuar, subliminar ou acintosamente, alguma forma de intimidação aos defensores da Causa Palestina, podem ir tirando o cavalinho da chuva.

Há precisos 50 anos participamos altiva e ativamente da solidariedade ao milenar povo palestino, como meu saudoso pai, o estudioso humanista Mahoma Hossen Schabib, e meu igualmente saudoso avô, odontólogo Yussef Al Hany, já o faziam por meio de palestras e artigos em jornais e revistas árabes no Brasil, Bolívia e Chile.

Emblemático ano para a democratização do Brasil, 1987 foi igualmente fecundo para a solidariedade ao povo palestino em Corumbá.

Além das mais de 50 rodas de conversa em escolas, sindicatos, associações, igrejas e centros religiosos de matriz africana nesta região de fronteira, realizamos, sob a coordenação da professora Elenir Lena Machado de Melo, a Primeira Mostra da Cultura Árabe-Palestina de Corumbá, durante mais de 60 dias, nas dependências da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque, então sob a sábia direção do Doutor Lécio Gomes de Souza, médico, general e estudioso da História.

E para fechar o ano, em 27 de novembro de 1987, constituímos o Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino Jadallah Safa, do qual participaram, além da professora Lena Melo e do doutor Lécio de Souza, o doutor Roberto Moaccar Orro (secretário de Estado de Justiça), o professor doutor Valmir Batista Corrêa (então vereador, representando a Câmara Municipal de Corumbá), o poeta Rubens de Castro (representando a Academia Corumbaense de Letras), a jornalista Margarida Gomes Marques (representando o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul), a jornalista Maria Helena Brancher (representando o GAIN-MS), o então acadêmico e hoje professor Maurício Lopo Vieira (titular da Unidade Regional do Trabalho, representando o doutor Carmelino Rezende, secretário de Estado do Trabalho), o comerciante Najeh Abdel Hamid Mohd Mustafa (Presidente da Sociedade Árabe-Palestino Brasileira em Corumbá) e o sindicalista ferroviário e professor Manoel do Carmo Vitório, seu primeiro coordenador-geral.

Se durante o regime militar instaurado em 1964 não nos submetemos à censura na manifestação solidária ao milenar povo palestino, não será agora, em plena vigência do Estado Democrático de Direito, que nos submeteremos a qualquer ato intimidatório.

Tenho insistido em dizer que a História não admite amos nem tolera lacaios, da mesma forma que não há “jabaculê” capaz de mitigar, ou escamotear, sua inexorável e inapelável condenação àqueles que recorrem à violência como forma de ativismo político.

E nunca é demais reiterar que a solidariedade é um ato espontâneo, unilateral, explícito, incondicional e, sobretudo, irrestrito.

Em nosso caso, decorre de muita leitura, muito estudo, o que não é comum para pessoas que carecem de profundidade intelectual e por isso recorrem ao uso da força como forma de defender seus argumentos — recurso, aliás, recorrente em Estados policialescos como Israel, em que há centenas de milhares de detidos sem qualquer denúncia ou sentença –, como tem sido documentado nos últimos trinta anos, quando a rede mundial de computadores permitiu a cobertura em tempo real dessas inomináveis repressões e tentativas de banimento.

Nós não “moramos” em Corumbá. Vivemos Corumbá [objeto direto, por favor!], onde construímos nossa história e contribuímos com a história desse Paraíso na Terra chamado Corumbá, até como forma de retribuir a hospitalidade e generosa acolhida aos nossos ancestrais.

Cosmopolita desde a sua gênese, Corumbá, ao lado de Ladário e das vizinhas conurbadas Porto Quijarro e Porto Suárez, na Bolívia, é palco de um profícuo e repercussivo processo de miscigenação, tanto que, como filho de imigrantes libaneses, tenho a honra de ter em meu DNA os genes dos povos originários amazônicos e meus descendentes os do Povo Guarani, cuiabano e corumbaense.

Nem Macondo, nem Sucupira: é Burácom o que inspira. Parabéns e obrigado, Povo Corumbaense!

*Ahmad Schabib Hany é graduado em História, já lecionou a disciplina em Corumbá, Mato Grosso do Sul. Ativista de movimentos por democracia, direitos humanos, cidadania, saúde pública, povos indígenas, preservação do meio ambiente. Atualmente, está empenhado na criação da Universidade Federal do Pantanal, em torno da qual se reúne o Movimento UFPantanal.

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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