Lelê Teles: Um belo dia libertarei o grito preso na garganta
UM BELO DIA
Por Lelê Teles*
Um dia, sem avisar, eles vieram e levaram a Sara Winter; como eu não queria ucranizar o Brasil, não me incomodei.
No dia seguinte, eles retornaram e levaram o Oswaldo Eustáquio; bola de ferro nos calcanhares.
E eu caguei praquele bosta.
Encorajados pelo meu silêncio, eles voltaram, pularam o muro, pisaram a grama e levaram o Daniel Silveira, dando-lhe uma surra de gato morto.
E eu não dei a mínima.
Quando menos se esperava, eles apontaram de novo na esquina, mataram o cão, arrancaram as flores e levaram Zé Trovão e Bob Jefferson.
Eu fiquei espiando pela fresta da cortina, silente.
E eles continuaram avançando, bravos e destemidos: anularam todos os processos do juiz ladrão e colocaram uma espada no pescoço dos dallagnois.
Tranquei a porta e apaguei a luz da sala; calado.
Aí, mostrando que não tinham limites, eles botaram perdigueiros no calcanhar do Allan dos Santos, nas estranjas.
E eu dei de ombros.
Então, na calada da noite, mandaram satanás levar o Olavo de Carvalho.
Apaguei a luz, acendi um cigarro e fiquei a observar por trás das cortinas.
Lá fora, já não havia mais muro, nem gramas, nem flores e nem cão.
Livres, eles avançaram ainda mais: calaram Monark e arrancaram a máscara do Pequeno Kim.
Como eu sou antinazi, achei foi pouco.
Agora, irrefreáveis, vão cassar o mandato do Mamãe Falhei e já cancelaram o Tour de Blonde do Renan Santos.
E eu num digo é nada.
Sei que, se eu continuar em silêncio, um dia eles virão em bando ainda maior, archotes nas mãos, faca nos dentes, e levarão o ZeroZero, o ZeroUm, o ZeroDois, o ZeroTrês e o ZeroQuatro.
E então, neste belo dia, sob a luz dos primeiros raios de sol, abrirei as cortinas, abrirei as janelas e soltarei a minha voz…
Libertarei o grito que estava preso na garganta:
“Queima quengaral!”
Palavra da salvação.
*Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista.
Publicação de: Viomundo