Lelê Teles: Tarcísio, o bezerro de ouro

Por Lelê Teles*

“o mito é o nada que é tudo”, fernando pessoa.

nessa fábula fabulosa que vos escrevo agora, o nosso minotauro – metade homem e metade gado – já é uma carta fora do baralho.

retirado desse grande curral que se tornou o brasil, o touro velho apodrece, cheio de gases e refluxos, pastando tristemente pela grama verde de uma labiríntica mansarda, no lago sul de brasília.

mas ele sabe que essa nababesca sensação de impunidade tá com os dias contados.

enquanto aguarda os guardas que o levarão à papuda, o nosso imbroxável minotauro arrasta uma pesada bola de ferro no calcanhar.

lá fora, chifres murchos, o gado emite um mugido triste e resignado, pois sabe que a morte política do minotauro receberá, em breve, a extrema unção de padre kelmon.

não há mais nada que se possa fazer: a vaca foi pro brejo.

e você sabe como é: rei morto, rei posto.

do alto de um trio elétrico, xingando e careteando ódio, com uma linguagem de moleque de nariz sujo, mala sem alça, o pastor impostor, tenta impedir a dispersão do rebanho desliderado.

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ele berra em seu berrante aberrante: “é o seguinte, mermão, quem não dizimar será dizimado, eu vou botar pra arrombar…”

“muuuuuuu”, bradou o rebanho acéfalo.

descarado e oportunista, sepulcro caiado, com seus chifres lustrosos, mugindo como um barítono de ópera bufa, lançou-se candidato a substituir o minotauro.

mas a afobação acabou por fazer dele um bisonho boi de piranha, caiado foi devorado vivo antes de cruzar o sussuarão, o rio que separa o goiás do brasil.

percebendo a fome de liderança da gadaiada, leite também se apresentou como alternativa.

o gado recusou a oferta, percebendo que se tratava de leite desnatado e de caixinha, leite pasteurizado.

devolveram ele ao armário.

o desespero é tão grande que até um filhote de rato – rapaaazz – apareceu pra guiar os touros indomáveis.

o pastor impostor, percebendo a corrida maluca para destronar o destronado, mugiu que o minotauro só será substituído por uma rês do curral doméstico.

“não importa, mermão, se é vaca, garrote ou bezerro, desde que seja um vacum da mesma linhagem.”

foi aí que dudu bananinha, ainda com uns chifrinhos curtos, entrou em cena, prometendo aos gadinhos aquilo que eles sempre tiveram: a liberdade.

“e como conseguiremos essa liberdade?”, mugiram, dudu disse que falaria com deus, “ele tem todas as respostas.”

dudu, então, subiu o sinai, que fica logo depois da fronteira com o méxico.

lá, sob trovões e fumaças, o deus laranjão começou a prescrever os desmandamentos: cancelamento de vistos, sanções econômicas, bullying diplomático e a magnífica magnitsky.

o tempo se arrasta, os desmandamentos não surtem efeito e a turba começa a perceber que dudu, cagando de medo do xilindró, não voltará nunca mais.

cai o pano.

quando as luzes se acendem novamente, entra em cena o improvável valdemar das costas quentes, no papel de arão.

valdemarão vai até a farinha lima e pede aos engravatados, sócios do pececê, que peguem anéis, cordões, colares, braceletes, pateke philippes e rolexes e lancem na grande fogueira das vaidades.

dali sai, em forja incandescente, um grande e reluzente bezerro de ouro, de nome tarcísio, que logo é ungido pelo centrão.

a multidão começa a dançar à sua volta em graça e júbilo, o bezerro de ouro arma sua cow parade na paulista e o minotauro chora, soluça, bufa e arrota em seu palácio, como um palhaço sem picadeiro.

mas um milagre ainda pode acontecer, laranjão, o deus dos desalmados, pode entrar em cena como um deus ex machina, trazendo o bezerrinho a tiracolo.

se isso acontecer, já sabemos o final dessa história, tá na bíblia, êxodos 32, aquela parte em que um levante de levitas se levanta contra os idólatras, passando milhares deles no fio da espada, irmão matando irmão, pai matando filho, choro e ranger de dentes.

e o zé ramalho cantando ao fundo: “ê ê ô, vida de gado…”

é isso, deu zé, brasileiro.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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