Jeferson Miola: Galípolo e o pesquisador da aranha
Galípolo e o pesquisador da aranha
Por Jeferson Miola, em seu blog
Gabriel Galípolo respondeu a quem critica as taxas estratosféricas de juros que “todo mundo pode brigar com o Banco Central, mas o Banco Central não pode brigar com os dados”.
Por dados que o BC “não pode brigar” Galípolo quis se referir à inflação, que em outubro passado acumulou 4,68% nos últimos 12 meses, acima do teto da meta em apenas 0,18%, desempenho que jamais poderia justificar a taxa SELIC em absurdos 15%.
Galípolo pretexta a ultrapassagem ridícula da meta em 0,18% para prescrever a manutenção da “política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado” [Comunicado do Copom de 5/11/2025].
O presidente do BC sabe que o problema real não é a inflação –que, aliás, está controlada num dos patamares históricos mais baixos–, mas sim a meta irrealista de 3% de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional [CMN] do atual governo para os anos de 2025 e 2026.
Na “Carta aberta ao Conselho Monetário Nacional” [de 15/10/2024], Luiz Gonzaga Belluzo e economistas de diversas universidades brasileiras afirmaram que a “meta de 3% está se mostrando disfuncional”.
Os autores lembraram que “o consenso de mercado aponta que a inflação será de 4% em 2025, 3,6% em 2026 e 3,5% em 2027” – portanto, sempre acima dos irreais 3% fixados na Resolução do CMN de junho de 2023.
Belluzzo e renomados/as colegas propuseram ao CMN “que a meta de inflação passe de 3% para 4%, de modo a permitir um crescimento mais equilibrado da economia brasileira – sem abrir mão, todavia, do objetivo da estabilidade de preços”.
Não há nenhuma evidência empírica e nenhuma comprovação estatística para justificar uma meta de 3% de inflação no Brasil. Desde a adoção do sistema de metas em 1999, a inflação média anual foi de 6,3%.
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Ora, se nesses últimos 26 anos a média da inflação no Brasil foi de 6,3%, não há argumento plausível para a definição de uma meta de 3%, menos da metade da média anual de inflação em mais de um quarto de século.
Entre 1999 e 2004 a meta de inflação foi fixada realisticamente na média de 5,92%. Depois, no período de 2005 a 2018, durante 14 anos, a meta ficou permanentemente fixa em 4,5%.
A inflexão do BC rumo a uma meta [irreal] de 3% de inflação anual começou depois do [ou com o] golpe contra a presidente Dilma, para normalizar o assalto ao butim via pagamento de juros e dívida pública.
Nas gestões de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda e Ilan Goldfajn no BC o CMN estabeleceu a diretriz de “reduzir gradualmente a meta para a inflação, para patamares mais próximos aos utilizados pelos demais [países] praticantes do regime de metas” [CMN de junho de 2017], o que efetivamente não é a realidade do Brasil, país com uma economia indexada.
A despeito da realidade referida nos parágrafos anteriores, que recomendava a manutenção da meta de inflação nos patamares históricos de pelo menos 4,5%, o atual governo manteve a lógica de redução incremental estabelecida em 2017 no período do usurpador Michel Temer e continuada com aprofundamento com Bolsonaro, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto.
Considerando os antecedentes históricos, a menção de Galípolo a dados com os quais “não pode brigar” o assemelha ao personagem anedótico do pesquisador da aranha, que chega a conclusões totalmente disparatadas do experimento de arrancar as patas do aracnídeo.
O cientista segurou uma aranha sobre a mesa, retirou uma pata, depois soltou-a e então ordenou: “anda, aranha”. E a aranha andou.
Ele então repetiu o procedimento retirando a segunda, a terceira e até a sétima pata e, mediante cada nova ordem de comando, a aranha novamente andava, ainda que de modo progressivamente mais lento e se arrastando cada vez mais.
O pesquisador foi anotando sucessivamente na planilha do estudo que “aranha com sete patas anda; aranha com seis patas anda; … aranha com duas patas anda; aranha com uma pata anda” …
Por fim, o pesquisador então arrancou a oitava e última pata da aranha e ordenou: “anda aranha!”, mas a aranha ficou totalmente imóvel.
O pesquisador então insistiu várias vezes, e, com irritação final gritou: “anda, aranha!”, e nada da aranha se mover, até que ele ordenou a gritos estridentes para a aranha andar, mas o bicho continuou imóvel, e então o cientista anotou na planilha a conclusão inusitada de que “aranha sem patas é surda”!
Galípolo dissiparia as desconfianças e as críticas feitas a ele de servilismo ao rentismo se não agisse como o pesquisador da aranha e considerasse a causa real do problema – que não é a inflação, mas sim a meta de inflação.
Além de mais honesto, seria um gesto benéfico à imensa maioria do povo pobre, que não veria recursos do Orçamento da União desviados para o bolso dos rentistas.
Publicação de: Viomundo
