Feminicídios no RS expõem fragilidade da rede pública, apontam deputadas
Desde sua instalação em maio, a Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre Feminicídios no Rio Grande do Sul tem percorrido instituições e territórios para escutar especialistas, gestoras e movimentos de mulheres. As visitas revelam um retrato preocupante: ausência de políticas preventivas, desarticulação entre os órgãos públicos e graves falhas na proteção de vítimas. Para as deputadas, sem estrutura e orçamento, a vida das mulheres segue em risco.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol), coordenadora da comissão, destacou que foram visitados órgãos como Ministério Público, Polícia Civil, Patrulha Maria da Penha, Tribunal de Contas, Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres e o Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado.
“Todas as visitas foram importantes para entender como cada órgão atua na rede de proteção à mulher, quais as debilidades, gargalos e seu impacto”, afirmou. A comissão estuda propor medidas concretas. “Na Patrulha Maria da Penha, por exemplo, soubemos que nenhum monitorado por tornozeleira eletrônica voltou a agredir. Podemos pensar em tornar o uso da tornozeleira regra para agressores, não exceção”, exemplificou.

Para Melchionna, o combate ao feminicídio exige ação integrada: “É fundamental que os órgãos trabalhem em rede, pois o feminicídio se combate em rede!”. Ela chamou atenção para o desmonte da rede de proteção nos últimos anos. “A Secretaria da Mulher do RS foi extinta em 2015 e só retomada este ano por pressão das mulheres diante dos números bárbaros de feminicídios.” Há incertezas sobre estrutura e orçamento da pasta, comprometendo sua efetividade. “A vida das mulheres precisa ser prioridade também no orçamento público”, enfatizou.
Instalada no dia 28 de maio, a comissão tem como relatora a deputada Maria do Rosário (PT) e como subcoordenadoras as deputadas Any Ortiz (Cidadania), Daiana Santos (PCdoB), Denise Pessôa (PT) e Franciane Bayer (Republicanos). Além das visitas, já foram realizadas reuniões com movimentos sociais e pesquisadoras.
Dados alarmantes mostram avanço dos feminicídios
Melchionna alertou para dados preocupantes do Atlas da Violência. “O RS tem alguns dos piores índices no Brasil e lidera em feminicídios com medidas protetivas ativas.” São apenas 23 delegacias especializadas para 497 municípios; 70% das cidades gaúchas não têm equipamento público para vítimas. “A partir de agosto, a comissão fará imersão no Interior para entender a realidade regional.”
Em 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídios, segundo o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Das vítimas, 63,6% eram negras, 70,5% tinham entre 18 e 44 anos, e 64,3% foram assassinadas dentro de casa. No RS, ocorreram 72 feminicídios; 14 vítimas contavam com proteção judicial.

Panorama da rede pública e ausência de políticas preventivas
Rosário afirmou que o panorama inicial, a partir das escutas com movimentos e especialistas, revela insuficiência dos serviços e políticas públicas, escassez de recursos humanos e materiais. Há falta de transparência na aplicação do Fundo Nacional de Segurança Pública e ausência de recursos estaduais. “Se falamos em redes, como na Lei Maria da Penha, esta hoje está desarticulada, sem normas, protocolos e fluxos.”
A relatora destacou a ausência de políticas preventivas primárias, como campanhas ou inclusão nos currículos escolares. “Sem elas, violência e feminicídio deixam de ser evitáveis.” Ela afirmou que, sem ações preventivas, “a violência e a morte tornam-se destino inexorável” no estado que mais descumpre medidas protetivas de urgência, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública.

Mobilização política e cenário dramático da violência
A deputada Denise Pessôa (PT) lembrou que a comissão foi criada após articulação das deputadas gaúchas junto ao Ministério da Justiça, após os feminicídios da Páscoa. O plano combina escuta qualificada, articulação institucional e observação em campo, com visitas técnicas a instituições como Ministério Público e Defensoria Pública. Ela celebrou a reabertura da Secretaria de Políticas para Mulheres do RS como fruto da mobilização, mas alertou: “É preciso garantir estrutura, orçamento e compromisso com a vida das mulheres”.
Indagada sobre o cenário de violência de gênero no estado a parlamentar avaliou o cenário como dramático. “No primeiro semestre de 2025, tivemos dezenas de assassinatos de mulheres, muitos com sinais de extrema violência.” Pessôa também indicou limitações da rede: delegacias especializadas com efetivo insuficiente, sem atendimento 24h, e precariedade nas delegacias comuns.
Por fim criticou a falta de articulação e recursos para efetivar medidas. “Mesmo medidas protetivas e tornozeleiras carecem de monitoramento eficaz. O resultado é um cenário de fragilidade, onde a mulher denuncia, busca ajuda e ainda assim é assassinada.” Para ela, o Estado falha em prevenção, acolhimento, proteção e responsabilização, impactando mais mulheres negras, periféricas, indígenas, quilombolas e migrantes. “Não queremos mais relatórios, queremos que nenhuma mulher seja assassinada por ser mulher”, concluiu.

Escuta nos territórios e fortalecimento da rede
A deputada Daiana Santos (PCdoB) destacou que as visitas são fundamentais para levantar informações nos territórios e escutar quem está na linha de frente do atendimento. “Mesmo que nem todas as visitas tenham sido acompanhadas por nossa equipe, elas ajudaram a identificar desafios estruturais, lacunas no atendimento e necessidades locais”, explicou. Os encontros também ampliaram o diálogo com gestoras e trabalhadores da segurança, saúde e assistência social, fortalecendo o diagnóstico final.
Sobre equipamentos públicos, Santos apontou fragilidades como insuficiência de equipes e estruturas inadequadas, especialmente nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams). Contudo, ressaltou o comprometimento dos profissionais que desenvolvem experiências importantes apesar das limitações. “Queremos contribuir com propostas para fortalecer a rede de proteção à vida das mulheres no estado.”
Para a deputada, a criação da comissão e a campanha Feminicídio Zero são passos importantes, mas é preciso garantir ações estruturantes e intersetoriais. “É fundamental que as políticas públicas saiam do papel e cheguem efetivamente às mulheres, com prevenção, proteção e justiça.”
No dia 7 de julho, a comissão apresentou plano de enfrentamento ao feminicídio ao governador Eduardo Leite (PSD). Na ocasião, Leite destacou o compromisso da gestão com a redução dos índices de violência de gênero. Ele afirmou que o trabalho da comissão será fundamental para qualificar as ações já em curso. O relatório da comissão deve ser apresentando em novembro.
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