Eliana Alves Cruz: Cabelos pretos, brancos e lutas eternas
Cabelos pretos, brancos e lutas eternas
Vetada a PEC da Blindagem. Falta abolir o etarismo
Por Eliana Alves Cruz*, no ICL
Centenas de milhares de brasileiros e brasileiras pelo país protestando contra um dos projetos mais descaradamente desonestos dos últimos tempos. Uma Proposta de Emenda à Constituição indecente, pois pretendia — entre outros absurdos —, deixar para o Congresso a decisão de abrir ou não processos criminais contra parlamentares, blindando-os. A PEC da blindagem estava pronta para ser enfiada goela abaixo de uma sociedade enojada, farta, saturada, de impunidade ao longo de sua história.
Apesar do tema espinhoso (na esteira da PEC da blindagem vinha também o exaustivo tema da anistia), foi bonito de ver. Lá estavam nossos grandes artistas. Cantoras, cantoras, atores, atrizes, escritores, enfim… gente que deu ao país trilha sonora, rosto, estilo, histórias para contar e se orgulhar. Gente que traduz com talento a alma brasileira em sua arte.
Bonita a arena pública tendo no alto Gilberto Gil, Chico Buarque, Ivan Lins, Djavan, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e outros que chegaram à oitava década de vida, depois de brigarem muito pela democracia, sofrendo na pele toda a truculência e desejo de morte de uma ditadura real. O que dizer da incrível vitalidade de Benedita da Silva (83) e Luíza Erundina (90)?
Deveriam servir de meta de disposição e alegria de viver, mas… Apesar de tudo isso, há quem ache engraçado debochar da idade destas personagens e mais. Há quem ache que existe uma relação direta entre a cidadania que ninguém perde o direito de exercer apenas porque completou uma idade avançada e a omissão de artistas mais jovens. A cobrança pelo posicionamento destes, não exclui àqueles. Muito pelo contrário!
Num tempo em que tanto se fala em bem-estar, culto à saúde etc. e tal, passar dos oitenta conseguindo empunhar um violão por horas de pé em um show, ter a cabeça ativa e criativa para lembrar letras que nos embalaram por décadas e criar outras, contribuir com pensamentos, presenças, posturas… é uma dádiva que uma geração brilhante de artistas nacionais alcançou.
Todo mundo diz que o Brasil ama juventude. Não é verdade. Uma parcela de Brasil parece obcecada por uma falsa ideia de jovialidade eterna que é morta, cheia de ideias adoecidas, de imagens retocadas incessantemente por procedimentos e imóvel para o que realmente interessa para o bem próprio e coletivo.
A teimosia e a conveniência de políticos de uma nação do tamanho do Brasil em não saírem da irresponsabilidade característica da adolescência, têm feito um estrago significativo ao mesmo tempo que tem demonstrado um tremendo ridículo. Se Nelson Rodrigues aí estivesse poderiam ampliar seu célebre conselho “Jovens, envelheçam” para “Jovens e velhos, envelheçam”!
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Quem dera todos pudessem envelhecer, completar mais tempo sobre a Terra caminhando com autonomia, exercendo por completo a cidadania e humanidade. Quem dera muitas gerações “caminhando contra o vento, sem lenço nem documento” “vendo o dia raiar sem lhe pedir licença”.
Não existe direito que esteja para sempre conquistado. Então, envelheçamos todos e todas com disposição de luta.
*Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Publicação de: Viomundo