Dalva Garcia: Quem ganha com a Educação no Brasil? Com certeza, perdem os professores e, em especial, os alunos
Por Dalva Garcia*
A equipe de transição do novo presidente inicia uma cruzada pela governabilidade.
São muitas as negociações necessárias, que esperamos não virem negociatas.
Um incômodo me acompanha desde que o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, fez o primeiro anúncio da equipe de transição da área de educação.
Aparentemente, Haddad ouviu mais os representantes de institutos e fundações vinculados a bancos e empresas, denominados ”especialistas em educação” pela imprensa.
No meu entender, especialistas em educação são os pesquisadores da política educacional espalhados pelas universidades desse imenso país.
Também as pessoas como o mestre de todos nós, o gigante Paulo Freire, que dedicou sua vida à educação dialógica e transformadora.
Ou ainda, professores como eu e tantos outros, que há décadas se dedicam a pensar e repensar ações na sala de aula, para minimizar as mazelas do tecnicismo implantado na ditadura militar.
O tecnicismo que inundou as orientações educacionais nas décadas de 1970 e 1980 gerou analfabetismo funcional, dificuldade de leitura e interpretação de textos e até de linguagem gráfica e matemática.
Curiosamente assistimos hoje à reedição tecnicismo da ditadura que agora atende pela pomposa denominação “educação tecnológica”.
Ela objetiva, no fundo, afastar os alunos da escola pública, dos centros universitários de pesquisa e, numa visão bem ingênua, “prepará-los para o mundo do trabalho”.
Na campanha deste ano, as escolas de tempo integral foram o carro chefe da propaganda eleitoral do governo do Estado de São Paulo.
Nada mais nada menos, uma carta de intenções falsas e, no mínimo, escusas.
Manter os alunos em período integral nas escolas não significa proporcionar educação integral para a civilidade e humanização.
Dados oficiais da REPU (Rede Escola e Universidade Pública) e da própria Seduc-SP (Secretaria Estadual de Educação de São Paulo) apontam tempo ocioso dos estudantes na escola, falta de professores habilitados com rigor em universidades e licenciatura plena para dar aulas.
O resultado é crescente evasão escolar de jovens.
A equipe de transição priorizou inicialmente institutos e fundações privadas sustentadas pelo lucro de oligarquias bancárias e empresariais.
Não quero aqui desmerecer por completo o trabalho dessas instituições.
Mas quero, sim, alertar para um risco perigoso demais. Me refiro a colocar na educação um objetivo que extrapola seus princípios e se vincula a interesses no mínimo questionáveis.
Serei mais clara ainda: vincular a educação ao mundo do trabalho numa perspectiva imediatista e populista é um risco.
Num país naufragado em crise econômica, é mais do que falsidade prometer a escola integral como trampolim para o sucesso, o empreendedorismo e coisas afins.
É falta de compromisso com a formação humana e a tradição cultural, que apenas sofre transmutações quando bem fundamentada.
Não conheço movimentos vanguardistas exitosos na literatura, música, teatro ou ciência que tenham surgido de um currículo vazio e propagandista.
Comecei a trabalhar com uma escola de 180 dias letivos onde pareciam claras as deficiências dos jovens que terminavam o Segundo Grau, hoje denominado Ensino Médio.
Com aulas 180 dias por ano, os jovens do antigo Ensino Médio sabiam minimamente ler e escrever, quando saíam da escola.
Depois, passamos para 200 dias letivos, escola integral. E as lacunas da formação, ao contrário do que muitos supõem, se aprofundaram.
Lamentavelmente isso acontece não apenas no ensino básico, mas no superior também.
Não é mero acaso o obscurantismo que nos cerca.
Enquanto se espera que alunos do ensino básico se tornem ” influenciadores digitais”, ganhando muito dinheiro, os candidatos a diversos cargos públicos não sabem sequer usar os verbos no plural.
É o primado “do copia e cola”. Dos clichês prontos e repetidos.
Que se pense em educação financeira não é de todo mal. Mas quando o feirante anuncia oferta de cinco abacates pelo preço de meia dúzia é enganação. Há algo muito errado que precisa ser analisado.
Os institutos empresariais preocupados com a educação parecem gostar dos chamados modelos inovadores.
Principalmente daqueles que: 1) escondem que cinco é menos que seis; 2) ignoram que a educação integral afasta os jovens da escola porque o pãozinho francês custa R$ 1 (um real).
É só fazer os cálculos.
Quantos pães são necessários para alimentar mal e porcamente uma família de avós, pais e três filhos?
Se 1 pãozinho custa R$ 1, são necessários R$ 6 diários para uma família de seis pessoas. Ao final do mês, somam R$ 180.
É óbvio que, com o salário mínimo atual, os jovens, para ajudar suas famílias, estão sendo forçados a ingressar no mercado de trabalho formal ou informal, deixando a escola.
É um exemplo de que a educação integral é falácia frente à situação econômica do país.
Com certeza os “especialistas da educação” oriundos de instituições bancárias não pensam nisso.
Me perdoem as fundações educacionais, mas não é suficiente um “projeto de vida” para obter o sucesso financeiro e profissional que todos almejam.
Que o novo governo seja capaz de ouvir outras vozes.
Vozes comprometidas com outras visões que não reduzam a educação ao “Brasil que vai para frente”.
Nem ao Brasil das “oportunidades” imediatas. Até porque em nome dessas oportunidades se camuflam oportunismos e alguns ganham muito com a educação, como o mercado editorial e as plataformas digitais.
Porém, a maioria perde. São os professores e, principalmente, os alunos.
*Dalva Garcia é professora de Filosofia na rede pública de São Paulo.
Publicação de: Viomundo