Come Ananás: Eleições na Argentina — a ESMA e o bairro

Eleições na Argentina: a ESMA e o bairro

Vencem novamente na Argentina os negacionistas da sangrenta ditadura civil-militar-eclesiástica que sumiu com 30 mil pessoas no país.

Por Hugo Souza, no Come Ananás

A Escola de Mecânica da Armada (ESMA) é o símbolo mais emblemático dos horrores da mais recente ditadura civil-militar-eclesiástica na Argentina.

Naquele famigerado centro de detenção, tortura e extermínio encravado no bairro de Núñez, na parte norte de Buenos Aires, foram cometidos crimes contra a humanidade que ainda hoje, mais de 40 anos depois do fim da ditadura, seguem sendo investigados e seus autores julgados nos tribunais argentinos.

Estima-se que cinco mil dos 30 mil argentinos sequestrados e desaparecidos pela ditadura passaram pela ESMA entre 1976 e 1983, incluindo 30 bebês nascidos em cativeiro e “apropriados” — sequestrados — pelos fardados e seus cúmplices de terno e batina.

Na chamada Megacausa ESMA, um dos maiores processos judiciais da história da Argentina, 62 genocidas já foram condenados por crimes de lesa-humanidade.

No velho prédio da ESMA em Núñez funciona hoje o Espaço Memória e Direitos Humanos Ex-ESMA.

O memorial foi criado em 2004, no governo Néstor Kirchner, a fim de contribuir para a consolidação de uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos na Argentina. Conforme a comunicação institucional da casa, “a existência material e espacial da ESMA é uma denúncia viva e uma prova dos crimes do terrorismo de Estado”.

Em março de 2023, o Espaço Memória Ex-ESMA lançou o projeto “A ESMA e o Bairro”, que tinha como objetivo investigar a relação histórica do bairro de Nuñez com a ESMA por meio de depoimentos dos vizinhos da ex-masmorra; que buscava “dialogar com o ambiente urbano do Espaço Memória para reconstruir a história da antiga ESMA por meio da memória da vizinhança”.

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Naquele ano, meses mais tarde, o então candidato à presidência da Argentina Javier Milei disse em um debate que “não foram 30 mil desaparecidos [pela ditadura], são 8.753”, citando um número burocrático que todos no país sabem ser brutalmente subestimado. Dias antes do segundo turno, a candidata a vice na chapa de Milei, Victoria Villarruel, disse que para a Argentina sair da crise, só com “tirania”, e botou o Espaço Memória Ex-ESMA na mira da motosserra mileísta: “a ESMA tem 17 hectares que poderiam ser desfrutados por todo o povo argentino”.

Espaço Memória e Direitos Humanos Ex-ESMA. Foto: divulgação

“A ESMA e o bairro”: em novembro de 2023, dos 37.342 moradores de Nuñez que saíram de casa para votar no segundo turno da eleição para a presidência da República Argentina, 59,5% — 22.235 pessoas — votaram na chapa Milei-Villarruel, índice superior aos 55,7% dos votos conquistados no total, em toda a Argentina, pela chapa negacionista dos crimes da ditadura.

Neste domingo, 26, o partido de Milei e Villarruel, A Liberdade Avança, venceu as eleições legislativas na Argentina com 40,7% dos votos. Em Buenos Aires, a vitória “libertária” foi de 47,4%. Na comuna mais populosa da capital federal, a Comuna 13, onde ficam os bairros de Colegiales, Belgrano e Núñez — onde fica a Ex-ESMA — venceu com 56% dos votos o advogado “libertário” Alejandro Fargosi, co-fundador, junto com Villarruel, do instituto negacionista da ditadura Centro de Estudos Legais Sobre o Terrorismo e Suas Vítimas.

Javier Militei votando neste domingo em Buenos Aires. Foto: redes sociais/Fotos Públicas

Alejandro Fargosi amealhou 81.854 votos na Comuna 13, quase 56 mil votos de vantagem sobre o peronista e ativista dos Direitos Humanos Itai Hagman e precisamente 71.168 votos a mais do que a candidata da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, a também ativista e também advogada Myriam Bregman, mas uma advogada bem diferente de Fargosi: Bregman atuou em vários casos contra os genocidas do “Processo de Reorganização Nacional” de Videla, Massera e Agosti, incluindo a Megacausa ESMA.

Memória? Parece que algo deu errado.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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