Brasil sai do Mapa da Fome, segundo relatório da ONU

O avanço é significativo, mas não elimina os desafios estruturais de acesso à alimentação

O Brasil saiu novamente do Mapa da Fome, conforme relatório oficial divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira (28). A informação foi apresentada durante a 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares, realizada em Adis Abeba, capital da Etiópia, com base nos dados médios colhidos entre 2022 e 2024.

“É com grande orgulho e imensa alegria que informo: O Brasil está fora do mapa da fome, mais uma vez”, comemorou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), anunciando o feito em suas redes sociais.

A saída do país do Mapa da Fome é atestada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), braço da ONU especializado no monitoramento da segurança alimentar global. O critério técnico adotado pela agência é claro: países com menos de 2,5% da população em situação crônica de subalimentação deixam de figurar na lista.

Essa é a segunda vez que o Brasil protagoniza esse movimento. A primeira ocorreu em 2014, no fim do segundo governo Lula. No entanto, dados posteriores, entre 2018 e 2020, recolocaram o país na zona de alerta, em função do aumento da fome e da insegurança alimentar durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Fome não é falta de comida, é falta de renda

A fome no Brasil não está relacionada à escassez de alimentos, mas sim ao acesso desigual à comida. O país é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, mas isso não impede que milhões de brasileiros deixem de fazer três refeições por dia.

O próprio relatório da ONU alerta para um paradoxo estrutural: embora o desemprego tenha caído no período recente, o custo dos alimentos subiu de forma agressiva, impactando especialmente as famílias de baixa renda. “É um cenário em que o prato esvazia mesmo com a geladeira cheia no supermercado”, avaliam técnicos ligados ao estudo.

Segundo a FAO, a insegurança alimentar está mais ligada à renda, à localização geográfica e ao acesso a alimentos saudáveis, o que coloca os chamados desertos alimentares no centro do debate: regiões onde não há mercados, hortifrutis ou feiras acessíveis, especialmente em periferias urbanas e comunidades rurais isoladas.

Agroexportação em xeque

Outro ponto levantado pelo relatório da ONU diz respeito ao modelo produtivo do agronegócio brasileiro. Críticos argumentam que o setor prioriza o mercado externo em detrimento do abastecimento nacional. Exportamos toneladas de grãos, carnes e produtos industrializados, mas a cesta básica interna permanece cara e pouco acessível para a maioria da população.

Já entidades ligadas ao setor agrícola rejeitam a crítica. Segundo elas, o modelo atual sustenta simultaneamente as demandas internas e externas, sendo a inflação de alimentos resultado de fatores logísticos, cambiais e climáticos.

Desafios persistem: clima, desigualdade e nutrição

Apesar da boa notícia, o relatório da ONU alerta para riscos reais à segurança alimentar futura no Brasil. A principal ameaça é o impacto crescente das mudanças climáticas, com secas prolongadas, enchentes destrutivas e instabilidade na produção agrícola, como já se observa em estados do Sul e do Nordeste.

Outro ponto sensível é a qualidade da alimentação. Sair do Mapa da Fome não significa resolver a má nutrição: milhões de brasileiros consomem calorias em excesso, mas com baixo valor nutritivo, o que mantém altos os índices de obesidade e doenças metabólicas.

A ONU também destaca a importância de políticas públicas continuadas para manter o país fora do Mapa da Fome: programas como o Bolsa Família, o Alimenta Brasil, os restaurantes populares, a agricultura familiar e a volta do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) foram fundamentais no resultado atual.

Sair do Mapa é vitória, mas ainda não é justiça

O Brasil sair do Mapa da Fome é uma vitória da democracia e da política pública. Mas não é o fim da estrada. Ainda convivemos com filas em frente a sopões comunitários, crianças com déficit nutricional e famílias que vivem de restos. É um avanço, sim. Mas que exige vigilância.

A fome, no Brasil, é sobretudo política. E só será vencida de forma duradoura com distribuição de renda, fortalecimento do SUS e reforma agrária. O prato do povo não pode depender apenas do mercado ou da bondade de terceiros.

Seguiremos de olho.

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Publicação de: Blog do Esmael

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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