Brasil, Recursos Estratégicos, Infocracia e a ‘Nova’ Ordem Global

O Brasil vive um momento delicado, com o julgamento de Jair Bolsonaro servindo de base para um ataque político e informacional dos Estados Unidos. A questão, porém, é mais complexa. 

Se olharmos a história, os EUA nunca se moveram apenas por princípios democráticos, mas sobretudo por interesses estratégicos. Foi assim no Oriente Médio, onde o petróleo justificou décadas de intervenções, e é assim hoje no apoio à Ucrânia, cujos depósitos de lítio e titânio se tornaram fundamentais na corrida tecnológica.

Nesse contexto, não surpreende que o Brasil — dono de quase 98% das reservas globais de nióbio, da segunda maior reserva mundial de terras raras (com 21 milhões de toneladas, ou 23% do total) e detentor de 26% das reservas de grafita — entre de vez na mira global “yankee”. Estima-se que a exploração desses recursos pelo Brasil, possa acrescentar R$ 243 bilhões ao PIB nacional por ano nas próximas 2 décadas e meia. Essa abundância, somada ao pré-sal e à maior reserva de água doce do planeta, faz do país um alvo natural para a cobiça estadunidense.

Os Estados Unidos, apesar de “arranhados” por crises internas e pela ascensão da China, não estão em colapso. Pelo contrário, seguem apoiados em pilares robustos: um dos exércitos mais poderosos do mundo, um sistema financeiro que atrai investimentos da própria China e da Europa e, talvez o mais invisível de todos, a máquina de sua indústria cultural.

Esse último aspecto é central, pois define não apenas o que se consome, mas o que se pensa. Netflix rivalizando com Hollywood, Spotify dissolvendo o poder das gravadoras, a desintermediação das notícias pelas redes sociais: tudo isso cria um ambiente fragmentado, sem gatekeepers, em que se confunde transparência com liberdade irrestrita de expressão.

Como lembra Byung-Chul Han em Infocracia (Editora Vozes, 2022), a transparência virou uma forma de controle e não de emancipação, já que somos coagidos a nos expor o tempo todo. Mas ser transparente não é poder dizer qualquer coisa; é estar sujeito a algoritmos que selecionam, hierarquizam e moldam discursos, reforçando bolhas de opinião e dissolvendo o espaço público em enxames digitais.

Esse ambiente de pulverização discursiva facilita a imposição de certas narrativas. A ideia de que os EUA não têm problemas estruturais, de que empreender é sempre viável, de que a reforma agrária é uma ameaça ou de que a esquerda não defende o bem comum, circula como consenso globalizado.

Há aqui um traço de darwinismo social embutido na comunicação, onde os mais fortes — econômicos ou discursivos — prevalecem. Como aponta Juliano de Empoli (Cia. Das Letras, 2020) em suas análises sobre o poder da comunicação política, não basta disputar instituições; é preciso disputar também o fluxo da informação, captar as “transparências” da opinião e reverter a lógica dos algoritmos a favor de pautas democráticas.

É por isso que Bolsonaro não é apenas um personagem isolado, mas um modelo funcional para interesses estrangeiros. Seu governo abriu caminho para a flexibilização ambiental, a entrega de riquezas minerais e a criação de um terreno fértil à penetração de narrativas que favorecem a lógica extrativa. É como uma nuvem de gafanhotos: o território fica mais vulnerável, e a abundância de recursos passa a servir a outros. Ao mesmo tempo, a pulverização midiática garante que esse processo seja naturalizado, pois a instabilidade gera mais cliques, mais audiência e, portanto, mais lucro.

As próximas eleições no Brasil, nesse cenário, não estarão imunes a ataques informacionais vindos de fora. A direita já demonstrou saber operar com dados duvidosos, manipulação algorítmica e mentiras factuais. Grandes plataformas e conglomerados de mídia tendem a ser coniventes, não apenas por omissão, mas porque a bonança não vende notícia: é o caos que move negócios. Empresários da comunicação nunca perdem dinheiro em ambientes instáveis, pelo contrário.

Portanto, o desafio da esquerda é usar a própria liberdade de expressão como ferramenta estratégica para furar bolhas, captar sentimentos difusos e construir narrativas que convertam a transparência em espaço de disputa democrática. Sem isso, o Brasil corre o risco de repetir no século 21 a velha lógica do século 20: ser visto apenas como um território a ser explorado, e não como uma nação soberana.

*Renê Esteban Rojo é cientista Político e contribui com formação junto a movimentos populares. 

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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Publicação de: Brasil de Fato – Blog

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Colaborador Convidado

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