Lula: soberania nacional está acima de partidos e traidores da pátria

Presidente endurece tom contra tarifaço de Trump e denuncia ingerência de aliados de Bolsonaro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (5/8), em discurso durante a abertura do encontro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, que a soberania nacional está acima de partidos e tendências políticas. O petista endureceu o tom contra o governo dos Estados Unidos e voltou a denunciar a atuação de “traidores da pátria”, numa referência indireta ao clã Bolsonaro e seus aliados que, segundo ele, incentivam o boicote econômico ao Brasil.

Lula foi enfático ao dizer que o governo federal “não transigirá e não vacilará” diante de ataques à soberania, classificando como inaceitável a interferência externa nos assuntos internos do país. O presidente citou como exemplo a pressão do governo de Donald Trump, que impôs tarifas de 50% a produtos brasileiros, e o que chamou de tentativa de ingerência sobre a independência dos poderes da República.

“Essa interferência contou com o auxílio de verdadeiros traidores da pátria, que aqui tentaram e defendem publicamente ações contra o Brasil”, declarou Lula.

Soberania mineral sob controle da União

Ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e representantes da Fiesp, CUT e movimentos sociais, Lula também anunciou a elaboração de uma política nacional para terras raras e minerais críticos, como o nióbio e o grafite.

O objetivo, segundo ele, é proteger essas riquezas estratégicas da cobiça internacional e assegurar que sua exploração esteja sob controle do Estado brasileiro, gerando desenvolvimento econômico e social para o povo.

“Durante séculos, a exploração de riquezas minerais gerou riqueza para poucos e miséria para muitos. Isso vai mudar”, prometeu.

Tarifaço e ingerência dos EUA

Lula considerou o tarifaço de Trump como um ataque arbitrário e sem precedentes nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos. Ele questionou as justificativas da Casa Branca, que alegam problemas no Pix, desmatamento e liberdade de expressão, e rebateu ponto por ponto, destacando que o Brasil tem promovido reformas e avanços em diversas áreas.

“O Pix é um patrimônio nacional. A liberdade de expressão no Brasil não é salvo-conduto para o crime. E reduzimos o desmatamento pela metade”, disse.

O presidente ainda alertou que os interesses eleitorais de Trump estão por trás das sanções, e denunciou a atuação de figuras políticas brasileiras que teriam atuado nos bastidores para estimular a retaliação norte-americana, como forma de desestabilizar o governo.

Plano de contingência e reação internacional

Lula afirmou que o Brasil continuará buscando diálogo, mas anunciou que o governo já prepara um plano de contingência para proteger setores afetados pelo tarifaço, incluindo recursos diplomáticos junto à OMC, apoio a empresas e estímulo à diversificação de mercados.

Desde 2023, segundo ele, o país abriu 398 novos destinos comerciais, participou de 15 seminários internacionais e lidera negociações de acordos com Mercosul, União Europeia, EFTA, Singapura e ASEAN.

“Nós voltamos ao mundo. Um mundo que sentia a nossa falta. E não seremos arrastados para uma nova Guerra Fria”, avisou.

Avanços e crítica aos rentistas

Na primeira parte do discurso, Lula destacou os avanços sociais e econômicos desde o início de seu terceiro mandato: queda da pobreza extrema, menor desemprego da história, recorde na massa salarial, saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU e crescimento industrial puxado pelo programa Nova Indústria Brasil.

O presidente criticou, ainda, os interesses dos detentores de títulos da dívida pública, que pressionam por cortes em programas sociais, e defendeu uma política econômica que “inclua os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda”.

“Seria fácil governar só para os 35% mais ricos. Mas optamos por sentar todos à mesa”, resumiu.

Interesse nacional acima de tudo

O discurso de Lula nesta terça vai além do tom diplomático. É um recado direto ao bolsonarismo internacionalizado e uma tentativa de reaglutinar as forças democráticas em torno de um projeto de soberania ativa e desenvolvimento estratégico. Ao denunciar os “traidores da pátria” e escancarar os interesses eleitoreiros de Trump, o presidente reposiciona o Brasil no cenário global e finca posição em defesa do que chamou de “interesse nacional acima das siglas e ideologias”.

A guerra tarifária que se desenha terá desdobramentos políticos e eleitorais imediatos. E Lula, com seu histórico de sobrevivente e estrategista, sabe que os próximos capítulos exigirão firmeza diplomática e unidade política.

Assista ao discurso de Lula

Aqui está a íntegra do discurso de Lula:

Entre a última reunião deste Conselho em dezembro passado e o nosso encontro de hoje, nós vivemos uma situação paradoxal. O Brasil nunca esteve tão bem, enquanto o mundo poucas vezes enfrentou situações tão delicadas. Nosso país celebra sucessivos recordes em matéria social e econômica.

É com muito orgulho, e pode ter certeza que é com muito orgulho, que eu comunico a vocês – o que já foi comunicada umas dez vezes aqui – que a ONU disse outra vez que o Brasil estava fora do Mapa da Fome. Isso só foi possível porque implementamos políticas públicas que colocam as pessoas no centro da ação de governo.

Estamos inserindo os pobres no orçamento e, cada vez mais, colocando os ricos no imposto de renda. Temos o menor índice de extrema pobreza e desemprego da nossa história. A massa salarial é maior da série histórica.

A economia não crescia acima de 3% desde 2011. Aprovamos uma reforma tributária que vai simplificar processos, reduzir custos e oferecer maior previsibilidade e eficiência aos negócios. A inflação de alimentos é menos da metade do que foi no mesmo período do governo anterior. A agricultura brasileira se supera a cada ano. A safra atual ultrapassará 330 milhões de toneladas de grãos.

O investimento público e privado em infraestrutura atingiu a marca inédita de 260 bilhões de reais. Nossos portos movimentaram 1 bilhão e 300 milhões de toneladas, maior volume de todos os tempos. Em 2 anos e meio, as vendas de veículos automotivos atingiram o recorde de 14,2 milhões de unidades.

Depois de tantos anos de desindustrialização, a Nova Indústria Brasil – organizada pelo companheiro Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] produziu o maior crescimento do setor nos últimos 14 anos.

Pela primeira vez, 94% dos formandos do Ensino Médio na rede pública se inscreveram no ENEM. Isso graças ao Pé-de-Meia. Batemos recorde de transplantes e cirurgias eletivas do SUS.

Essas conquistas nos credenciam a enfrentar as turbulências da economia global.

Bem, meus queridos, eu quero dizer para vocês que nós estamos vivendo um momento muito delicado. O multilateralismo e o livre-comércio passam por um dos períodos mais críticos em décadas.

O dia 30 de julho de 2025 passará para a história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos como um marco lastimável. Não há precedentes nos mais de 200 anos de relações bilaterais de uma ação arbitrária como a que sofremos. Nossa democracia está sendo questionada. Nossa soberania está sendo atacada. Nossa economia está sendo agredida.

Este é um desafio que nós não pedimos e nós não desejamos.

Em nenhum tarifaço aplicado a outros países, houve tentativa de ingerência sobre a independência dos Poderes do país. Essa interferência em temas internos contou com o auxílio de verdadeiros traidores da pátria que arquitetaram e defenderam publicamente ações contra o Brasil lá nos Estados Unidos.

Vários setores da economia são afetados pela covardia dos que se associaram a interesses alheios aos da nossa nação. Proteger a nossa soberania é um objetivo que está acima de todos os partidos, de todas as tendências. O Governo não transigirá e não vacilará em seu dever de preservá-la.

Não há justificativa para as medidas unilaterais contra o nosso país.

O superávit dos Estados Unidos é robusto: foram 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos. 74% das importações originárias dos Estados Unidos entram no Brasil sem pagar imposto. O Alckmin já falou: oito dos dez principais produtos importados dos Estados Unidos pelo Brasil têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão. A alíquota média efetivamente cobrada dos produtos norte-americanos no Brasil é de apenas 2,7%.

As alegações sobre o PIX, a regulação de plataformas digitais e o desmatamento são descabidas. O PIX é um patrimônio nacional e referência internacional de infraestrutura pública digital. Não podemos ser penalizados por desenvolver um sistema gratuito e eficiente.

No Brasil, a liberdade de expressão não é carta branca para a criminalidade. Sejam nacionais ou estrangeiras, todas as empresas precisam respeitar a lei brasileira. É nosso dever proteger famílias e crianças contra aqueles que se utilizam das redes digitais para promover golpes e fraudes, explorar a pornografia infantil ou espalhar o ódio e a desinformação.

Também combatemos de forma incisiva os ilícitos ambientais. Nos primeiros dois anos de mandato, reduzimos pela metade o desmatamento na Amazônia e em 32% em todo o país. Estamos comprometidos a zerar o desmatamento até 2030. Nosso compromisso com o multilateralismo, o meio ambiente e o planeta se reflete na realização da COP 30, em Belém, etapa fundamental no enfrentamento à mudança do clima.

Queridos companheiros e companheiras, o Brasil nunca saiu da mesa do diálogo. A única explicação que eu tenho é que interesses políticos, especialmente político-eleitorais, não podem contaminar as relações comerciais.

Desde 6 de março, quando meu querido vice-presidente teve sua primeira reunião com o Representante Comercial e o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, demonstramos repetidamente interesse em dialogar sobre barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias. Foram mais de 10 reuniões em diferentes níveis, envolvendo inclusive o companheiro Fernando Haddad [ministro da Fazenda] e Mauro Vieira [ministro das Relações Exteriores].

Nós não podemos aceitar que o povo brasileiro seja punido. Diante do tarifaço, o compromisso do Governo é com os brasileiros. Vamos colocar em execução um plano de contingência para mitigar esse ataque injusto e aliviar seus prejuízos econômicos e sociais.

Vamos proteger os trabalhadores e as empresas brasileiras que sejam afetadas pelas medidas.

Vamos recorrer a todas as medidas cabíveis, a começar pela OMC, para defender os nossos interesses. Aliás, o governo já vinha atuando para fortalecer nosso comércio exterior e gerar novas oportunidades para empresas nacionais desde antes da mudança de governo nos Estados Unidos.

Desde 2023, o Brasil voltou ao mundo. Um mundo que sentia a nossa falta.

Resgatamos uma política externa consistente com as melhores tradições de nossa diplomacia universalista, que refez laços com países e povos de todas as regiões, credos e origens. Investimos em promoção comercial para levar nossos bens e serviços para os quatro cantos do mundo.

Participei de 15 seminários empresariais realizados no exterior, à margem de visitas que fiz a países europeus, asiáticos, africanos e latino-americanos. Abrimos 398 novos mercados para os nossos produtos agrícolas. Assinamos o Acordo MERCOSUL-Singapura, o primeiro acordo de livre-comércio do bloco em mais de dez anos.

Concluímos com a União Europeia as negociações do primeiro acordo birregional do mundo, que reúne um PIB conjunto de 22 trilhões de dólares, além de 718 milhões de pessoas. Estamos empenhados para que este acordo seja assinado neste ano e entre em vigor o quanto antes.

Em 2025, concluímos as negociações entre o MERCOSUL e a EFTA [Associação Europeia de Livre Comércio], grupo que reúne países de renda per capita elevada, como Suíça e Noruega. Na condição de presidência de turno do MERCOSUL, neste semestre, vamos avançar em negociações com Emirados Árabes Unidos, México e Canadá.

Em outubro, retornarei à Ásia para participar da Cúpula da ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático], bloco de 10 países, 680 milhões de habitantes e PIB agregado de 4 trilhões de dólares.

Depois de ter ido ao Japão, ao Vietnã e à China, visitarei ainda este ano a Malásia e a Indonésia.

Minhas amigas e meus amigos, parcerias sólidas se constroem com base em benefícios mútuos. Durante séculos, a exploração mineral gerou riqueza para poucos e deixou rastros de destruição e miséria para muitos. A transição para uma economia de baixo carbono depende de minerais estratégicos utilizados na produção de baterias elétricas, turbinas eólicas e painéis solares.

Contamos com a maior reserva mundial de nióbio, a segunda de níquel, grafita e terras raras e a terceira de manganês e bauxita. Estamos construindo uma política nacional que vai garantir que a exploração desses recursos traga ganhos ao povo brasileiro.

Queridas amigas e meus amigos, seguiremos mantendo relações econômicas, políticas e culturais com todos os países. Não seremos dependentes de ninguém nem tomaremos parte em outra Guerra Fria.

Este Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável é a cara do povo brasileiro que constrói a nossa prosperidade. A prosperidade verdadeira só existe se for compartilhada e só se fará com ampla e efetiva participação de organizações da sociedade civil. Com a participação de trabalhadores e de empresários, das mulheres, de povos indígenas e comunidades tradicionais, do povo negro, de governadores e prefeitos e da academia.

Nosso horizonte é o de seguir batendo recordes de indicadores de bem-estar e desenvolvimento. Criando um país justo, inclusivo, sustentável, criativo, democrático e soberano para todos os brasileiros e brasileiras. Um país que quer contribuir com voz ativa e construtiva para a solução dos grandes problemas que afetam a humanidade. Que defenda um mundo de paz, mais solidário e menos desigual, livre da pobreza, da fome e da crise climática.

Muito obrigado, e viva ao povo brasileiro, e que Deus nos abençoe.”

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Publicação de: Blog do Esmael

Lunes Senes

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