Tânia Mandarino: Sobre o vídeo exibido pelo agressor do deputado Renato de Freitas

Sobre o vídeo exibido pelo agressor do deputado Renato de Freitas

Por Tânia Mandarino*

Numa análise primária da tal bala de prata trazida por aquele advogado da direita que não teve pudores em revelar sua tese na defesa do cliente que expos publicamente em suas redes sociais, mesmo antes da existência de um inquérito policial, observo que num trecho daquele vídeo coberto de marcas com o nome do advogado, o sujeito que, provavelmente se prestou à farsa orquestrada pela extrema-direita contra o deputado Renato Freitas, aparece com um filete de sangue escorrendo pelo rosto e o advogado inclusive salienta que a camiseta dele tem sangue.

Acontece que no primeiro vídeo que veio a público o rapaz não estava sangrando quando quebrou o nariz de Renato.

Basta a gente lembrar que o agressor mesmo diz algo como “ah, você está sangrando?” e nesse momento Renato era o único que estava sangrando. Tal cena me faz acreditar que o filme exibido com hora marcada e de forma espetaculosa pelo advogado do rapaz, se refere a cena ocorrida após o agressor ter quebrado o nariz de Renato e o feito sangrar, não é o que diz a lógica?

E você, serumaninho, serumaninha? Como reagiria depois de um cara te acertar na rua e quebrar o teu nariz?

Eu pergunto porque, quando tinha a idade do cliente do advogado que exibiu o filme (que me parece manipulado, inclusive invertendo a ordem dos acontecimentos), quebrei meu nariz na porta de vidro de um prédio lá na Itupava, em Curitiba, que não tinha a devida sinalização, e o ódio que eu senti na hora foi muito grande, devido à dor que isso gera. Fico imaginando se tivesse sido uma pessoa (e não uma porta de vidro) a me desferir um soco e me quebrar o nariz, do que eu seria capaz de fazer em resposta…

Aliás, quando eu tinha 18 anos e o taxista atravessou nossa preferencial na Av. Higienópolis, em Londrina, fazendo o carro em que estávamos capotar e parar de ponta cabeça muitos metros depois, eu fui a primeira a sair do carro e berrava com o motorista do táxi, que se manteve à distância, xingando-o e gritando “VOCÊ MATOU MEU PAI!” porque só eu e mamãe tínhamos saído do carro (depois vi que papai estava bem e demorou para sair porque estava pegando os documentos do carro antes),

Mas se algo tivesse acontecido com meu pai, não sei como teria reagido em relação àquele motorista. E olha que ali nem sequer tinha questão ideológica ou racial envolvida.

Voltando ao Renato, eu sempre digo que o que um homem pode fazer, o outro também pode.

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Parece que o vídeo exibido pelo advogado do agressor do Renato retrata momento posterior ao cliente dele ter quebrado o nariz do Renato e o feito sangrar.

Se houve injúria racial e racismo, então, nem dá pra dizer que o cara é só um inocente trabalhador, como afirma seu advogado, provocando os petistas a defendê-lo (e nessa hora o ódio do advogado se torna evidente e perceptível em suas expressões e verbalizações).

Se, o que parece ter sido, na verdade, uma reação do Renato (e não a cena inicial de toda a história) se justifica ou não se justifica não é a questão aqui.

Quem vai apurar tudo isso é um devido processo legal, precedido de um imprescindível inquérito policial, e que quem tem culpa responda criminalmente na proporção de seus atos.

Mas que a situação toda me parece ter sido utilizada dolosamente por fascistas que se incomodam com a existência de Renato e seus mandatos, ah, parece! (veiculação imediata, quase simultânea nas redes e protocolo de pedidos de cassação do mandato do Renato igualmente imediatos e quase simultâneos, na ALEP).

Inclusive, é sempre bom lembrar, que a conduta de um advogado que expõe seu cliente e os detalhes de um caso em redes sociais, especialmente antes da instauração de um inquérito policial, pode ser enquadrada como uma violação de diversos dispositivos do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94) e do Código de Ética e Disciplina (CED).

A análise dessa situação envolve três pontos centrais: o dever de sigilo profissional, os limites da publicidade na advocacia e a vedação à captação indevida de clientela.

O sigilo é um dos pilares da relação entre cliente e advogado, essencial para garantir o direito de defesa. A exposição pública do caso e do cliente fere diretamente essa obrigação.

Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94):

Art. 7º, II: Estabelece como direito do advogado a “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”. A divulgação de informações confidenciais é uma quebra dessa inviolabilidade.

Art. 34, VII: Define como infração disciplinar “violar, sem justa causa, sigilo profissional”.
Código de Ética e Disciplina (Resolução nº 02/2015):

Art. 35: Determina que o advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão.

Art. 36: O sigilo profissional abrange os fatos revelados pelo cliente ou por terceiro em função da atividade profissional, e só pode ser quebrado em situações excepcionais, como grave ameaça ao direito à vida e à honra ou em defesa própria, o que não parece ser o caso.

O Supremo Tribunal Federal reforça que o sigilo profissional é um direito do indivíduo que presta informações ao seu representante para fins de defesa. A Corte decidiu que a quebra desse dever é uma violação ético-profissional grave, sendo inadmissível que um advogado utilize informações obtidas no exercício de sua função contra os interesses de seu cliente, mesmo em situações extremas como uma colaboração premiada.

Quanto às questões da publicidade imprópria e captação de clientela, a OAB permite a publicidade na advocacia, mas de forma restrita, com caráter meramente informativo e discreto, vedando qualquer prática que configure mercantilização da profissão ou captação indevida de clientes.

Código de Ética e Disciplina:

Art. 39: “A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão.”

Art. 45: “São vedadas (…) a utilização de oratória ou de argumentos de cunho emocional ou que visem a captar clientela.”

Art. 46: “A publicidade veiculada pela internet ou por outros meios eletrônicos deverá observar as diretrizes estabelecidas neste capítulo.” A exposição de casos concretos com detalhes e nomes extrapola o caráter informativo.

Art. 34, IV do Estatuto da Advocacia considera infração disciplinar “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros”.

A autopromoção a partir de um caso em andamento pode ser enquadrada como captação e a exposição midiática de um caso para promover o nome do advogado é vista como uma forma de mercantilizar a advocacia, o que é expressamente proibido.

Podemos concluir que a conduta de expor um cliente e os detalhes de seu caso em redes sociais, antes mesmo do início formal de uma investigação, aparenta violar frontalmente o dever de sigilo profissional (Art. 34, VII, do Estatuto e Arts. 35-37 do CED).

Além disso, viola as regras sobre publicidade profissional, que proíbem a autopromoção, a espetacularização e a captação de clientela (Art. 34, IV, do Estatuto e Arts. 39, 45 e 46 do CED).

Em regra, tais violações são passíveis de representação no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da seccional da OAB correspondente, que pode aplicar sanções que vão desde a censura até a suspensão do exercício profissional, a depender da gravidade do caso, após um processo administrativo no âmbito da OAB, que garantirá ao advogado o direito à ampla defesa e ao contraditório.

O advogado do agressor do Renato, contudo, demonstra que já investigou, julgou e condenou o deputado Renato Freitas, enviando-o para ser executado no grande Tribunal do Ódio em suas redes sociais.

É sobre tudo isso que devemos pensar antes de nos “assustarmos” com o vídeo exibido por um advogado dentro de tantas circunstâncias que se aparentam violadoras da ética profissional e inversoras da lógica no vídeo exibido.

Se o deputado Renato Freitas caiu em uma armadilha armada pela extrema-direita ou não, é fato a ser investigado ainda.

Mas que não caiamos nós nessa provocação gaiata e notoriamente antiética, pra dizer o mínimo, de mais uma espiral de silêncio que grupos de ódio da extrema-direita tentam nos impor via narrativa invertida e espetaculosa da questão.

Não se deve dialogar com fascistas. Mantenhamos nosso apoio ao deputado Renato Feitas.

*Tânia Mandarino é advogada.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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