STF vai ‘engrossar’ com Bolsonaro neste ano

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Oficialmente de recesso, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem sendo acionado nos últimos dias para resolver demandas urgentes. A maioria delas gira em torno da pandemia de covid-19 e da campanha de vacinação contra a doença. A decisão de continuar despachando, mesmo durante o período de descanso, pode ser um recado ao governo de que o Judiciário vai adotar uma postura mais rígida ao longo do ano.

Apesar da estranheza que isso possa causar, não tem sido raro os magistrados da Suprema Corte optarem por trabalhar durante o recesso, o que aconteceu também em 2020 e em julho de 2021. No recesso do fim de ano, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, informaram que continuam atuando em seus gabinetes, mesmo durante as férias.

Com isso, eles podem tomar decisões em ações que estão relatando, ou em casos que chegarem aos gabinetes. Cármen Lúcia informou que apesar de permanecer em atividade, não vai julgar matéria que trate de habeas corpus. Os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e André Mendonça, decidiram aderir ao período de descanso.

O professor de direito constitucional e advogado constitucionalista Carlos Augusto Santos acredita que o Supremo não deixará brechas e deve adotar uma postura ainda mais firme durante o ano. “Uma postura rígida de não aceitação dos abusos reiteradamente cometidos pelo Executivo. A opção por permanecer despachando nos processos e atuando sem interrupções significativas pode ser também um indicativo de cautela dos ministros quanto ao desdobramento das próprias decisões”, destaca.

A decisão de continuar trabalhando pode ser encarada sob dois aspectos. “Um deles implica em reduzir, de certa forma, os poderes do presidente do tribunal que, ao invés de decidir todas as medidas urgentes, como dispõe o regimento, passará a decidir apenas aquelas que recaiam sobre os processos dos ministros que estão efetivamente de férias”, avalia o constitucionalista.

O outro diz respeito ao discurso de Luiz Fux na cerimônia de encerramento do ano do Judiciário. Sem citar nomes, o presidente do STF mandou uma série de recados ao governo federal e afirmou que, durante 2021, a Corte valorizou a ciência e foi alvo de tentativas de intimidação. “Além de reafirmar o compromisso da Corte para com a democracia, sinaliza também uma postura de enfrentamento aos discursos que ameaçam a dignidade do tribunal”, ressalta Santos.

No último dia de 2021, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a decisão do Ministério da Educação (MEC) que proibiu instituições federais de cobrar a imunização para o retorno às aulas presenciais. O imbróglio da vacinação contra a covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos tem mexido com os ânimos do Supremo. O ministro Lewandowski tem proferido despachos importantes e cobrado respostas do governo federal.

Na avaliação do advogado constitucionalista e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, o conflito entre o Judiciário e o Executivo pode se acirrar ainda mais. “Existe a possibilidade de ser necessária uma rápida medida por parte do STF. As urgências podem acabar se tornando mais cotidianas, sobretudo com o histórico de embates do governo com os demais Poderes — em especial com a edição de medidas que possam ser consideradas inconstitucionais”, ressalta.

O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva acredita que o Supremo tem decidido agir, mesmo durante o recesso, por razões conjunturais e institucionais. “Na conjuntura, persiste o clima de tensão entre Executivo e os demais poderes, bem como entre Executivo e sociedade civil, que cria um clima propício para a judicialização de políticas”, aponta.

Silva cita o exemplo da vacinação contra o novo coronavírus em crianças. “O governo, mais uma vez, criou uma guerra cultural em cima de um assunto de saúde pública e ações foram propostas visando obrigar o Executivo a fornecer as vacinas. Nesse contexto, não são apenas as pessoas comuns que ‘não tem um dia de paz’. Fica difícil para os ministros tirarem férias”, observa o especialista.

Institucionalmente, o desenho do STF leva a concentração de poderes nas mãos de relatores e, na ausência dos ministros (situação típica do recesso), do presidente da Corte. Um exemplo foi a decisão do presidente Luiz Fux no caso da Boate Kiss, que se sobrepôs ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) e concedeu uma liminar que só ele decidirá quando levar ao plenário. “Alguns ministros estão evitando deixar vácuos de poder”, conclui Fabio Sá e Silva.

Correio Braziliense  

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