Servidores do Hospital Vila Nhocuné inovam: Criam coletivo de combate ao racismo institucional
Servidores e servidoras do Hospital Municipal Alexandre Zaio criam Comissão de Combate ao Racismo Institucional
Iniciativa inédita, que teve como gatilho uma situação de racismo entre pacientes e atingindo também servidores, busca tornar a unidade hospitalar um serviço público antirracista.
Por Cecília Figueiredo, do Sindsep
Trabalhadores e trabalhadoras de diferentes setores do Hospital Municipal Dr. Alexandre Zaio, na vila Nhocuné, zona leste, estão desenvolvendo uma iniciativa inédita no serviço público para enfrentar o racismo institucional.
Em outubro do ano passado, decidiram criar a Comissão de Combate ao Racismo Institucional no HM Alexandre Zaio.
Semanalmente, esse coletivo realiza atividades para estimular o letramento racial entre os/as trabalhadores/as.
Um processo de reeducação racial que reúne um conjunto de práticas com o intuito de desconstruir formas de pensar e agir naturalizadas e normalizadas socialmente, em relação a pessoas negras e pessoas brancas.

Da esquerda para a direita: Glauber, Mariana, André e Fabiana. Foto: Cecília Figueiredo/Sindsep
Fabiana Santos Fernandes, servidora pública do município há 20 anos, dez dos quais no Hospital Municipal de Vila Nhocuné, conta que a comissão surgiu quando atitudes racistas presenciadas entre funcionários e entre usuários se tornaram insuportáveis.
“O estopim foi um caso que tivemos, em 2022, entre pacientes e de um desses pacientes com outros funcionários. Chegamos à conclusão que não dava para ficarmos parados”.
O caso lembrado como estopim tinha potencial para um desfecho trágico ou uma solução positiva, avaliam os integrantes da comissão.
Glauber Leonardo Teles Novaes, auxiliar de enfermagem do HM Alexandre Zaio, demonstra que falou mais alto a necessidade de transformar o ambiente, a partir de um trabalho realizado pelos próprios funcionários.
NÃO BASTA NÃO SER RACISTA
“Havia um incômodo expressado nas conversas de corredor por brincadeiras, palavras, atos [com cunho racista] que eu já vinha catalogando há algum tempo, aí tivemos um caso envolvendo pacientes. Buscamos então o Centro de Referência de Igualdade Racial (CRIR), que nos deu apoio inicialmente, para podermos acessar a direção do hospital e levar o problema”.
O psicólogo, André Luiz dos Santos Teixeira, servidor há cerca de quatro anos, acrescenta que o caso de racismo entre pacientes internados acionou não apenas a necessidade do acolhimento psicossocial, quando ele foi chamado ao atendimento psicossocial, mas a necessidade de buscar orientações jurídicas, para que a vítima pudesse responder à violência sofrida, por meio de uma denúncia, um boletim de ocorrência.
“A partir dessas ações prematuras e nossas conversas, decidimos formar a comissão para que essa instituição seja antirracista. Uma instituição que é parte de uma sociedade que tem na sua estrutura o racismo e, a partir daqui, façamos o enfrentamento. Até porque se trata de uma unidade do SUS, que tem em sua maioria trabalhadores/as e usuários/as negros, além do entendimento de que o racismo é um determinante social da saúde”.
De acordo com a farmacêutica Mariana Donata Soares, que passou a integrar o coletivo esTe ano, a comissão não tem um caráter punitivo.
“Já existiam ações da comissão desde outubro. O coletivo já estava ganhando o público aqui dentro, funcionários, coordenação, aí procurei o André, psicólogo, esse ano e pedi pra fazer parte da comissão. Começamos a fazer ações de letramento racial, curtas, no meio do expediente, no Solarium [refeitório]”.
RESULTADOS INICIAIS
Foi após ouvir uma dessas palestras, enquanto comia sua marmita, que o servidor público Clovis procurou a comissão, se integrou e no dia 11 de maio realizou a atividade cultural de capoeira.
“É esse nosso intuito, conscientizar, falar o que não é falado. No Brasil, a política é omitir que existe o racismo e não trabalhar isso. Então, a partir dessas ações, as pessoas passam a questionar, trazer ideias. É muito horizontal a comissão, com a participação de pessoas dos mais variados setores do hospital. O que tem gerado mudanças significativas no dia a dia dos/as trabalhadores/as, que sofriam tanto com o racismo recreativo”, relata Mariana.

Servidor que passou a participar da comissão, trouxe atividade cultural no Café Aquilombado. Foto: Cecília Figueiredo/Sindsep
Apesar da correria e tempo curto para as palestras e conversas, Fabiana Santos Fernandes aponta o avanço obtido.
“A primeira vez que ele colocou esse reconhecimento em depoimento, no papel, foi depois de muita conversa com o Glauber, e participando das reuniões da comissão. Essa mudança fez com que ele conseguisse ajudar seu filho, que já tinha sofrido muito racismo, e ele nunca deixava o menino terminar de contar as queixas. Desse período tão curto, o filho desse funcionário já falou de três situações que vivenciou do racismo na escola e ele pode ajudá-lo. É isso que a gente quer”.
Piadas, comentários aparentemente “inofensivos” sobre o jeito de usar o cabelo, a aparência, as roupas, são exemplos do racismo recreativo que vêm sendo enfrentado pelo coletivo e potencializando a resposta dos trabalhadores dentro e fora do hospital.
FRENTES DE ATUAÇÃO DO COLETIVO
A Comissão trabalha em três frentes, segundo Glauber, de suporte às vítimas do racismo, que serve de canal de escuta dentro do hospital, de estudo das estatísticas para produção de propostas e do letramento racial.
Para a produção de indicadores, André dá como exemplo as tentativas de suicídio, que visivelmente acometem mais a população negra. no entanto é preciso de dados para a produção de políticas pelo Poder Público.
“Estamos lutando para que as fichas, formulários, tenham o preenchimento do dado raça/cor. Já tivemos uma resposta muito positiva do SAME [Serviço de Arquivo Médico e Estatística], da Comissão de Obituários do hospital, que antes não contavam o número de óbitos a partir do quesito raça/cor”, cita o psicólogo.
Outro desafio do coletivo é o tempo para realizar essas ações numa linguagem que seja acessível.
“Oferecemos material audiovisual breve, de 30 minutos, 40 minutos, que traga algum conteúdo para uma discussão após a apresentação e que caiba dentro da correria de um hospital”, acrescenta Glauber.
POTENCIAL
O que era, inicialmente, projeto de mudança da ambiência, hoje caminha para se tornar referência em serviço público livre do racismo ou antirracista.
Nos dias 11 e 12 de maio, a Comissão de Combate ao Racismo Institucional do Hospital Municipal Alexandre Zaio realizou o Café Aquilombado, no espaço Solarium [refeitório do hospital] lotado, com a apresentação artística de capoeira do poeta Clóvis Reis, funcionário e participante da comissão, e exibição do curta “Do Navio Negreiro à Abolição”.
Luana Bife, coordenadora de Região Leste II do Sindsep, saudou a ousadia dos servidores e servidoras do HM Alexandre Zaio pelo pioneirismo da iniciativa no Serviço Público.
“Parabenizo as colegas servidoras e servidores que tiveram a iniciativa de criar a Comissão de Combate ao Racismo Institucional do HM Alexandre Zaio, num momento em que se escancaram as denúncias de racismo num país formado pela maior população afrodescente fora da África, e onde continuamos sendo o principal alvo de violência, injustiças, desigualdades e assassinatos no país. É ousada e pioneira a construção da Comissão. Porque lutamos em defesa do SUS, da verba pública, para fazer justiça social, e não há justiça social com racismo. Esse é o nosso combate diário, a luta contra o racismo estrutural, a luta por igualdade de oportunidades e contra todas as injustiças”, destacou a dirigente.
Publicação de: Viomundo