Sergio Moro recebeu mais de R$ 3,5 milhões da Alvarez & Marsal: “Não enriqueci”
O ex-juiz Sergio Moro disse ter recebido US$ 45 mil por mês no período em que trabalhou na consultoria estadunidense Alvarez & Marsal, que atua na recuperação judicial de empresas envolvidas na Operação Lava Jato.
Em reais, o valor do salário mensal é de R$ 241,9 mil. Além disso, Moro recebeu um bônus de US$ 150 mil pela contratação (R$ 806 mil). No total, portanto, os ganhos superam os R$ 3,5 milhões.
O salário mensal (sem considerar o bônus) de Moro nos EUA representa 695% do salário de um juiz, 2567% do que ganha um médico e 9436% do salário de um professor da educação básica no Paraná, onde ele mora.
As informações são de calculadora disponível em reportagem do site Nexo Jornal. Com os rendimentos no Alvarez & Marsal, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro ganhou, segundo a calculadora, mais do que 99% dos brasileiros e 872% do salário-base de um deputado federal.
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As informações do salário de Moro foram antecipadas pelo jornalista Lauro Jardim, em sua coluna no jornal O Globo, durante a tarde desta sexta-feira (28). Pouco depois, Moro participou de live com o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e confirmou os valores: “Não enriqueci”.
Na transmissão, ele minimizou os ganhos e disse não ter trabalhado para a Odebrecht e outras empreiteiras brasileiras: “A empresa atuou a serviço da Justiça, não das empresas”.
Documentos do Tribunal de Contas da União (TCU), sobre os quais o ministro Bruno Dantas levantou o sigilo, mostram que a Alvarez & Marsal recebeu R$ 65 milhões de empresas investigadas na Lava Jato. O montante equivale a 77,6% dos seus recebimentos no Brasil.
Durante a semana, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou, uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra Moro.
Por meio da representação, o grupo de juristas solicita a instauração de um inquérito para apurar os valores e as condições da contratação do ex-juiz e pede a investigação da relação entre Moro e as companhias assessoradas pela consultoria, como a Odebrecht.
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O objetivo é verificar se Sergio Moro cometeu algum crime ao passar de juiz da Operação Lava Jato para funcionário da A&M, em benefício próprio, envolvendo conflito de interesses.
Em nota, a associação destaca que “Moro, enquanto juiz, julgou e condenou executivos das empresas clientes da Alvarez & Marsal no processo de recuperação judicial. Teve acesso a informações privilegiadas que possuíam potencial de impacto em favor de seu trabalho na empresa”.
“É no mínimo para se desconfiar e, evidentemente, para se investigar, que nunca houve motivação adequada à ordem jurídica constitucional e legal a justificar que Sergio Moro pudesse assumir um cargo para atuar na recuperação judicial de empresas cuja situação foi causada pela sua atuação como magistrado”, reforçam.
Revolving door
Nas palavras de Tânia de Oliveira, integrante da Coordenação Executiva da ABJD, o que está em questão é a prática de “revolving door”, que pode ser traduzida como “porta giratória”.
Em termos jurídicos, “é quando um servidor público migra para o setor privado, na mesma área em que ele atuava, e leva consigo benefícios como acesso a informações privilegiadas”. Nada menos do que o conflito de interesses.
Enquanto juiz, Moro “tinha acesso a tudo, porque homologava os acordos de leniência, as colaborações premiadas”, destaca Oliveira.
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“Ele é o juiz que determinou a condenação da Odebrecht. Ele tinha acesso a tudo. Ele estava a par de todas as situações. Então ele tem acesso a informações privilegiadíssimas que ele leva com ele para empresa quando ele é contratado”, afirma.
Em novembro de 2020, a empresa anunciou a contratação de Moro como sócio-diretor. Na seção Our people (nossa equipe, em inglês) do site da empresa, no entanto, o ex-juiz aparece como diretor-gerente. Publicamente, Moro sempre se apresentou como consultor, o que nunca constou no site da empresa. “Nada na relação de Moro e Alvarez & Marsal está claro.”
Tráfico de influência e corrupção passiva
O conflito de interesses, apontado pela ABJD, está tipificado na legislação, a partir da Lei nº 12.813/2013, que “dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego”.
Moro foi desonerado do cargo de juiz federal para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda em 2018. Mas, além disso, Tânia de Oliveira aponta outros dois caminhos para a responsabilização do ex-juiz: tráfico de influência e corrupção passiva.
“No momento em que um servidor público obtém vantagem ou promessa de vantagem, entendendo que não precisa ser financeira, a pretexto de influir em ato no exercício da sua função, que não seja de interesse público, há o tráfico de influência”, afirma Tânia de Oliveira.
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A advogada afirma que a corrupção passiva é semelhante. Segundo o artigo 317 do Código Penal, trata-se da prática de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
“A gente tem muitos elementos desde o início [contratação de Moro, em 2020]. O que está acontecendo agora é que isso está sendo colocado de forma mais incisiva, inclusive na mídia, porque ele é candidato à Presidência da República.”
Investigação penal
Em dezembro do ano passado, o ministro Bruno Dantas, do TCU, determinou à A&M a apresentação dos valores pagos ao ex-juiz com as respectivas datas das transações, os processos de recuperação judicial das empresas assessoradas desde 2013 e os valores indicados por juízes.
A determinação é decorrente de um pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, cujo objetivo é investigar possíveis “prejuízos aos cofres públicos pelas operações supostamente ilegais dos membros da Lava Jato de Curitiba e do ex-juiz Sérgio Moro, afetando a empresa Odebrecht mediante práticas ilegítimas de revolving door”.
Em outro ofício, encaminhado a Dantas pouco antes, o subprocurador-geral apontou para “possíveis conflitos de interesse, favorecimentos, manipulação e troca de favores entre agentes públicos e organizações privadas”.
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Segundo Tânia de Oliveira, a investigação no TCU é “absolutamente pertinente”. A situação, no entanto, torna “ainda mais importante que o órgão que tenha competência para fazer a investigação penal, que é do Ministério Público Federal, seja acionado”, explica.
“O Tribunal de Contas ele tem competência para várias coisas, desde a possibilidade de decretar perda do cargo público até multa. A grande questão é que tudo isso está na esfera de uma investigação que não é investigação penal. Para saber se houve realmente revolving door, precisa ter um inquérito para investigar no âmbito penal”, afirma Oliveira.
Em petição apresentada ao órgão, a empresa informou que não existiu conflito de interesses na contratação de Moro ou irregularidades em sua atuação.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog