Reerguendo a esperança: MST inicia reconstrução de escola destruída há dois anos em ação da PM
Este domingo (20) foi histórico para o acampamento Quilombo Campo Grande, localizado no Sul de Minas Gerais, na cidade de Campo do Meio. Depois de dois anos, as família sem-terra, que ocupam a área há mais de 20 anos, puderam ver a escola Eduardo Galeano começar a ser reconstruída. A estrutura foi demolida em agosto de 2020, durante a pandemia de covid-19, durante uma ação de reintegração de posse realizada pela Polícia Militar (PM) do estado que durou mais de 56 horas.
“O despejo de 2020 tentou destruir um sonho, mas a gente era semente e ela rebrotou e está rebrotando. Hoje é um dia onde a gente vai comemorar isso, celebrar, essa grande conquista e vitória. Uma vitória da classe trabalhadora de retomar um processe de esperançar. De assumir a condição de uma educação emancipadora”, explica Michelle Neves Capuchinho, membra da Direção Estadual do setor de formação da escola Eduardo Galeano.
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O início da reconstrução reuniu cerca de 400 pessoas. O evento teve início às 9h da manhã e contou com o cortejo místico da irmandade do Rosário de Campo do Meio, que levou batuques por toda a área onde a escola vem sendo reconstruída. Na sequencia, por volta das 10h um ato político teve início, no qual assentados e apoiadores defenderam a reforma agrária, a regularização dos acampamentos e um projeto de educação popular e agroecológica.
A tarde seguiu com shows de Aline Calixto, Zé Pinto, Gue Oliveira, Dandara, fernando Guimarães e o coletivo fuzuê, além da banda despacho de alfenas. Ao final mudas de árvores frutíferas serão plantadas.
“A escola era um curral e que nós limpamos reformamos e brigamos muito para criar ela. Foi um sonho, uma semente de esperança, que alfabetizou e criou nas nossas crianças expectativas de ser uma escola que escolhe, que mais que ensina as letras, ensina a ler o mundo”, relembra Michelle Neves Capuchinho.
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Rosa Helena Gonçalves dos Santos, professora de ciências da escola, lembra que no dia do despejo, “foram mais de 700 policiais, veio o choque na roça para despejar a gente e naquele momento já tinha muita gente querendo ajudar e essa campanha. Veio ajuda a nível regional, nacional e internacional.”
A escola
A escola que homenageia o escritor e pensador Eduardo Galeano, autor da célebre obra Veias Abertas da América Latina, abriu as portas em 2015.
“Naquele ano oficializamos o funcionamento da escola e abrimos duas turmas de EJA (Educação para Jovens e Adultos) com pessoas de mais de 70 alunos e 20 no ensino regular”, relembra Rosa Helena Gonçalves dos Santos.
“Em 2019, quando entrou o governo Zema, ele fechou a escola falando que a escola do campo não era necessária”, continua a professora ao se referir a eleição do atual governador reeleito em Minas Gerais Romeu Zema (Novo).
Rosa Helena dos Santos lembra que a “escola sempre esteve viva, mesmo quando foi fechada”. Segundo ela, o espaço continuava sendo utilizado para reuniões, atividades com crianças e eventos.
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Ricarda Maria Gonçalves da Costa, assentada e educadora, lembra que “foi muito difícil acompanhar quando destruíram a escola, doeu muito, as lágrimas caiam do olho. Mas confiávamos que aquilo ia passar e o futuro ia ser melhor. O MST tem fé, estamos indo e chegaremos lá com certeza.”
Relembre o caso
O despejo do acampamento Quilombo Campo Grande, no Sul de Minas, fica para a história como o mais longo do século XXI no Brasil. Uma operação programada para começar e terminar na manhã de uma quarta-feira tornou-se uma saga que deixa profundas marcas nas lutas sociais do estado. Por 56 horas, famílias sem-terra resistiram pacificamente à pressão da Polícia Militar, dia e noite, no meio de uma estrada, sob o sol forte e o frio da madrugada, respirando poeira e ouvindo ameaças.
Em meio à pandemia, com autoridades sanitárias recomendando evitar aglomerações, 150 policiais esgotaram as vagas dos hotéis nas cidades de Campo do Meio e Campos Gerais. Pela madrugada, a tropa cercou o acampamento com helicóptero, carros, drones, balas, bombas, escudos e cassetetes, entre outros instrumentos de repressão. Era o 12º despejo na trajetória do Quilombo Campo Grande, uma área com 11 acampamentos, cerca de 450 famílias e mais de 2 mil pessoas.
A temperatura do conflito subiu na quinta-feira (13). O dia amanheceu com protestos em frente às lojas Zema no interior de Minas, trancamento de estradas e uma manifestação no Palácio da Liberdade. A bancada do PT na Câmara solicitou ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, liminar suspendendo a ação. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e 64 deputados estaduais e federais mineiros pediram reunião com o governo para discutir o despejo. Padres, bispos, intelectuais, artistas e ativistas se manifestaram na internet.
Após a troca de turno da PM, as pressões contra a comunidade aumentaram e a polícia passou o dia ameaçando usar a força. As vias de acesso ao acampamento foram fechadas para automóveis e pessoas que tentavam entrar ou sair eram revistadas.
Por volta das 14h, o comando da operação deu ultimato para que os sem-terra abandonassem a estrada. No momento em que os advogados negociavam com os policiais, um incêndio no pasto se alastrou. O vento impulsionou as chamas na direção da estrada, obrigando os sem-terra a fugirem para o morro e os policiais a recuarem.
Na sexta-feira (14), a polícia retomou as ameaças e bloqueou a passagem de um padre da cidade, que tentava entrar no local para celebrar um culto ecumênico com os sem-terra. À tarde, depois de 56 horas de resistência, a PM iniciou a repressão, lançando uma chuva de bombas de gás e efeito moral contra mais de 400 pessoas, que correram pela estrada, fugindo dos ataques. O quintal de uma casa que estava fora da área delimitada no mandado judicial foi alvo de bombardeios.
A PM afirma que um homem da corporação ficou ferido. Entre os sem-terra, um rapaz passou mal, ao inalar grande quantidade de gás lacrimogêneo, e teve que ser socorrido pela equipe de saúde do acampamento. Outro rapaz teve a clavícula deslocada. Policiais prenderam uma mulher e três homens, acusando-os de “desobediência”, “resistência” e “obstrução da Justiça”. As quatro pessoas foram liberadas no mesmo dia.
Ao todo, a contar de fevereiro, quando foi proferida a decisão judicial, 14 famílias foram retiradas, sendo oito na operação.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog