Metade dos millennials das grandes cidades dos EUA não conseguem pagar aluguel
No norte da Califórnia, uma cidade está pedindo para que as famílias locais aluguem edículas ou quartos extras para os professores da região. A medida acontece depois que 10 docentes pediram demissão – todos saíram pelo mesmo motivo: não conseguiram encontrar na área uma moradia que coubesse no orçamento.
Esse problema, porém, está longe de ser exclusivo a uma região ou a uma profissão, e tampouco é um fenômeno recente. “O abismo entre aluguel e renda está aumentando há 30 anos. Ficou pior depois da crise financeira de 2008, porque basicamente paramos de construir novas casas, sobretudo unidades multifamiliares”, diz Christian Weller, diretor do departamento de Políticas e Relações Públicas da University of Massachusetts Boston.
Em 2022, para pagar o aluguel de uma casa modesta de dois quartos, um trabalhador em tempo integral precisa ganhar, em média, um salário de US$ 25,82 por hora. Enquanto isso, o salário mínimo federal no país é de pouco menos de US$ 8 a hora. Isso significa que em pelo menos 8 grandes cidades dos EUA, metade dos millennials (como são chamadas as pessoas que têm hoje entre 24 e 39 anos) não conseguem arcar com os custos do aluguel de um apartamento de um quarto.
“Um dos maiores problemas com isso é que as pessoas que trabalham em nossas casas, nos restaurantes ao nosso redor, nas casas de repouso da região e etc, não conseguem viver ali. Esses trabalhadores têm que passar uma hora e meia no trânsito e, eventualmente, vão se cansar e entender que aquele sacrifício não vale a pena”, continua Weller.
Todo esse cenário já desafiador foi ainda mais pressionado pela pandemia da covid-19. “Antes da pandemia, era comum que pensassem que o problema do aluguel era restrito a grandes metrópoles, mas a covid escancarou a verdade: é um problema nacional”, diz ao Brasil de Fato o advogado Michael Lewyn, que dá aula de propriedade, terras e meio ambiente na Touro University.
De acordo com Lewyn, a aceleração do trabalho remoto, aliado com o sentimento de muitas famílias de buscar mais espaço, fez com que cidades menores recebessem um fluxo sem precedentes de moradores. Ou seja, a procura aumentou mas a oferta era a mesma, então ficou tudo mais difícil.
A realidade é tal que, segundo National Low Income Housing Coalition, há 36 casas de aluguéis acessíveis para cada 100 famílias de baixa renda.
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“A equação da oferta e da procura penaliza essa geração de forma inédita por conta da tecnologia”, acrescenta à conversa o geógrafo urbano Jean-Paul Addie, professor da George State University.
De acordo com Addie, plataformas de aluguel de curta temporada, como o Airbnb são um verdadeiro perigo para o mercado, sobretudo porque perpetuam a ideia de que o valor de um imóvel não está no seu poder de troca, mas no seu uso.
Além disso, Addie pensa que é um pensamento muito simplista reduzir essa crise à falta de casas e apartamentos vazios. “Se você seguir essa linha de argumentação, da oferta e da procura, você apenas chega à lógica de que precisamos construir mais casas, mas não é uma questão de oferta apenas. É uma questão política, econômica e traz fundamentos culturais de como os mercados imobiliários realmente funcionam. Então, em vez de pensar apenas em produzir mais moradias, produzir mais commodities, acho que precisamos pensar mais sobre os fundamentos políticos e econômicos que estão moldando como os mercados imobiliários e os aluguéis estão se alinhando”.
Alguns esforços estão sendo feitos para enfrentar a situação. Um deles é a política de controle de aluguel – vigente em diferentes pontos do país. Sob essa regra, os proprietários de casas e apartamentos não podem subir o aluguel mais do que uma porcentagem determinada pelo governo. Na zona oeste de Los Angeles, por exemplo, o locatário pode apenas reajustar o aluguel em, no máximo, 3% ao ano.
“Essa solução é como um band aid para uma crise que é, na verdade, estrutural”, rebate o Weller. Já o professor Addie comemora a lei, e diz que todo esforço é bem-vindo neste caso, sobretudo porque garante às pessoas o que o filósofo e urbanista francês Henri Lefebvre chamou de direito à cidade.
“O direito à cidade, mais amplamente, é um conceito, uma ideia política, que está ligada aos direitos e a centralidade social. De não ser excluído de todas as coisas boas que a vida urbana oferece. As cidades são ótimas, e existe uma razão pela qual as pessoas querem estar lá. A diversidade, o dinamismo, a inovação, a união de diferentes modos de vida, é o que faz que uma cena urbana vibrante seja possível em vários níveis diferentes”, defende Addie.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog