Marcelo Zero: Ucrânia isolada e derrotada. Europa inerte pagará a conta

Ucrânia Isolada e Derrotada. Europa Inerte Pagará a Conta

Por Marcelo Zero*

Todo o mundo sabia, já há algum tempo, que o cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia seria algo a ser resolvido basicamente em negociações bilaterais entre Trump e Putin.

Todo o mundo sabia também que Zelensky nunca teve qualquer relevância nas movimentações geopolíticas que levaram à guerra

O “ditador sem votos”, na visão de Trump, jamais teve voz ativa em nada.

Zelensky, o comediante, foi apenas um trágico fantoche de um conflito que começou a se delinear na década de 1990.

Com efeito, o presente conflito entre Rússia e Ucrânia não pode ser entendido sem se levar em consideração dois grandes fatores históricos: a expansão injustificada da Otan em direção ao território da Rússia e a instalação, via golpe, na Ucrânia, de um regime político francamente hostil a Moscou, no qual grupos neonazistas têm considerável influência.

Não convém repetir aqui toda gênese histórica do conflito, mas era evidente, há muito tempo, que a geoestratégia dos EUA para Rússia acabaria por redundar em um conflito.

Como bem advertiram muitos analistas e políticos conservadores do EUA, como Kissinger, MacNamara, George Kennan, John Matlock etc. etc., a injustificada expansão da Otan, combinada com a guerra civil ocasionada pela deposição de Yanukovich, a qual rompeu com o delicado equilíbrio político interno na Ucrânia, teria sido considerada uma “questão existencial” por qualquer governo russo, não apenas pelo de Putin.

William Burns, recente diretor da CIA e antigo embaixador dos EUA na Rússia, assinalou, em memorando à secretária de Estado, Condoleezza Rice, datado de 2008, que: “a entrada da Ucrânia na Otan é a mais brilhante de todas as luzes vermelhas para a elite russa (não apenas Putin). Em mais de dois anos e meio de conversas com os principais atores russos, desde os funcionários mais graduados do Kremlin até os críticos liberais mais perspicazes de Putin, ainda não encontrei ninguém que veja a Ucrânia na Otan como algo aquém de um desafio direto à existência da Rússia”.

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William Perry, secretário de Defesa de Clinton chegou a pensar em renúncia, quando seu chefe decidiu fazer uma primeira expansão da Otan. Até Biden, em 1997, reconheceu que tal expansão geraria reações hostis na Rússia.

Portanto, não há como negar. A guerra não teria ocorrido se os EUA e aliados não tivessem expandido injustificadamente a OTAN em direção às fronteiras da Rússia, não tivessem apoiado um regime ucraniano francamente hostil a Moscou e, sobretudo, se não tivessem recusado, reiteradamente, a estabelecer um pacto de não agressão com a Rússia e assegurado a neutralidade do território ucraniano.

Evidentemente, essa estratégia não foi concebida e levada adiante por Zelensky. Zelensky simplesmente recebeu pressões e ordens para desafiar a Rússia. Os EUA e alguns aliados europeus, concentrados na Otan, é que empurraram a Ucrânia para a guerra inútil.

Quando Trump diz que Zelensky poderia ter evitado a guerra, ele está mentindo. Os EUA e alguns aliados europeus é que poderiam ter evitado facilmente a guerra.

Achavam que poderiam continuar a provocar Putin e que sua reação, que enfim veio, poderia conduzi-lo a uma derrota militar e a uma mudança de regime na Rússia. Cometeram um erro de cálculo gigantesco.

Aliás, a guerra poderia ter sido extinta logo no início, em abril de 2022. O acordo de paz estava praticamente pronto e envolvia a neutralidade do território ucraniano, autonomia para a região russófona do Donbas e o reconhecimento da soberania histórica russa sobre a Crimeia.

Boris Johnson, no entanto, mandou recado para Zelensky insistindo para que a Ucrânia resistisse e “ganhasse” a guerra com a Rússia, com o apoio dos EUA e a OTAN.

Um delírio. Chegou-se mesmo a se montar uma contraofensiva ucraniana, que fracassou miseravelmente e ocasionou centenas de milhares de baixas entre o exército ucraniano.

Agora, a perspectiva mais realista é que a Ucrânia perca cerca de 20% de seu território sem sequer conseguir a garantia de entrar para a Otan.

Como se previa, a Ucrânia foi derrotada de forma humilhante, após passar por sacrifícios inúteis impostos por interesses geopolíticos de terceiros, que hoje mudaram.

Mas por que Trump mudou radicalmente a estratégia estadunidense sobre a Rússia?

Em primeiro lugar, porque Trump vê a China como a grande rival estratégica dos EUA. Na década de 1970, Kissinger viu a oportunidade de inserir uma cunha no bloco comunista, aproveitando-se de divergências entre Beijing e Moscou. Atraiu a China para enfraquecer a União Soviética.

Agora, Trump intenta ter uma relação mais harmoniosa com Moscou, de modo a intentar isolar a China. É muito duvidoso que isso funcione, dadas às relações atuais profundamente estreitas entre Moscou e Beijing.

Mas, mesmo sem comprometer as relações bilaterais entre Rússia e China, a paz na Ucrânia, nos termos que Putin demanda, permitiria a Trump concentrar seus esforços em alvos prioritários, como o Oriente Médio, o Irã e a projeção no Leste da Ásia e no Pacífico.

Mas há outro fator que impele Trump a aceitar uma paz que agrade Putin.

É preciso considerar que Trump, em seu primeiro mandato, ameaçou episodicamente sair da OTAN, removendo os Estados Unidos como o eixo central da aliança militar mais bem-sucedida dos tempos modernos.

Trump sempre viu a Otan e a Europa com desconfiança. Sempre achou “injusto,” os EUA consumirem seus recursos com essa aliança, a qual, na visão dele, deveria ser mantida, majoritariamente, pelos países europeus e não pelos EUA.

Como já afirmou várias vezes: “se querem proteção, que paguem por ela”. Quer que a Europa duplique seus investimentos em segurança.

Trump não esqueceu que a maioria dos países europeus apoiaram Biden e os democratas. Também não esqueceu os laços de Biden e do seu filho com o regime ucraniano,.

Em seu segundo mandato, ele está tentando uma abordagem diferente: esvaziar a Otan por dentro.

Após a conferência de Munique, os europeus descobriram, chocados, que não podem mais contar com os EUA para protegê-los. Terão de arcar com sua própria segurança.

Christoph Heusgen, presidente da Conferência de Segurança de Munique (MSC), não pôde concluir seu discurso final durante a reunião internacional deste ano porque chegou às lágrimas, enfatizando a necessidade urgente de “preservar a segurança comum”. Vance não se comoveu.

A Europa também terá de encontrar uma maneira de proteger o que restará da Ucrânia e manter o cessar-fogo. Os EUA já disseram que não envolverão suas tropas no processo.

Assim como Zelensky, a Europa, em choque, se descobriu desvalida e irrelevante.

Trump está se lixando para regras e tratados. Só respeita a força. É o império nu e descontrolado.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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