Luis Felipe Miguel: Pablo Marçal
Pablo Marçal
Mesmo depois de que a política brasileira se transformou no show de horrores que é hoje, com Jair Bolsonaro e os seus, os adversários parecem despreparados para um Pablo Marçal
Por Luis Felipe Miguel*, em A Terra é Redonda
Pablo Marçal é o perfeito picareta. Tentou começar a vida como ladrão comum — chegou a ser condenado por furto qualificado, pelo envolvimento numa quadrilha do ramo da fraude bancária.
Depois, avaliando melhor como poderia investir seus talentos, evoluiu para coach messiânico, isto é, para o charlatanismo em escala industrial.
Em outros tempos, talvez viria a ser profeta, fundador de religião. Hoje, usa as redes sociais para enganar os otários e amealhar fortuna.
Se a gente vivesse num país menos esculhambado, ele certamente já estaria preso.
Sua pilantragem não tem efeitos apenas sobre o bolso de suas vítimas; ele também coloca a vida e a integridade física de seus seguidores em risco.
Quem não se lembra do grupo de 32 coitados que precisaram ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros, depois que o coach os incitou a subir uma montanha sob condições climáticas adversas?
Ou do funcionário que morreu de ataque cardíaco depois que o patrão Marçal o fez participar de uma “maratona surpresa”?
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O retrato já está bem claro: é um patife amoral, autocentrado, capaz de qualquer coisa desde que anteveja algum benefício para si mesmo. Um homem, como se nota, talhado para pertencer à elite política do Brasil.
Pablo Marçal, que é um esperto, percebeu isso. Em 2022, ensaiou uma candidatura presidencial, mas era só encenação mesmo.
Usou sua visibilidade para vender apoio a Jair Bolsonaro, uma figura com quem guarda proximidades óbvias.
Agora, concorre à prefeitura de São Paulo para valer. Ele não conhece a cidade, não tem ideia de como se administra uma metrópole, não tem experiência gerencial ou política, não tem nenhuma proposta para área nenhuma.
Não importa. Arranjou uma legenda, aliás dirigida por pessoas suspeitas de envolvimento com o crime organizado, para abrigar sua candidatura.
Amontoa ideias descabidas, ridicularizadas por especialistas ou mesmo por quem seja provido de um mínimo de bom senso, como construir um prédio de 1 km de altura, e as enuncia como se substituíssem um plano de governo.
Mas o foco de sua campanha é disparar impropérios, acusações infundadas e todo o tipo de baixaria contra seus adversários.
A personalidade “extravagante” do mistificador é quase irresistível para uma mídia que não tem qualquer senso de responsabilidade diante da sociedade.
Pablo Marçal recebe um espaço gigantesco no noticiário; propostas imbecis e xingamentos sórdidos ganham manchetes; é convidado para participar dos debates, embora não se qualifique para tal (dada a irrelevância de seu partido), sob o argumento do “interesse jornalístico” — na verdade, do sensacionalismo barato, do qual ele é mestre.
Mesmo depois de que a política brasileira se transformou no show de horrores que é hoje, com Jair Bolsonaro e os seus, os adversários parecem despreparados para um Pablo Marçal.
Seu absoluto desinteresse por qualquer coisa de sério, seu desprezo olímpico pela verdade e pela decência, tudo isso se mostra desconcertante.
O coach sabe puxar seus oponentes para a disputa no terreno que lhe é favorável: a agressão, a baixaria. Guilherme Boulos arriscou um enfrentamento e saiu perdendo.
Como diz a sabedoria popular: quem briga com um porco fica tão enlameado quanto ele. A diferença é que o porco gosta.
José Luiz Datena, quase tão despreparado quanto Pablo Marçal para ocupar a prefeitura, viu que seus talentos de apresentador de televisão empalideciam diante da desenvoltura de seu novo oponente.
Ricardo Nunes, mentiroso contumaz, também percebeu que não é páreo para o coach.
Os três — Boulos, Datena e Nunes — estão optando por não comparecer a debates. Estratégia arriscada, que deixa Pablo Marçal solto.
Aliás, ele adotou a tática de não responder a perguntas e simplesmente ocupar o tempo para falar o que lhe dá na telha.
Depois, recorta o que quer e posta nas suas redes. São mais de 12 milhões de seguidores só no Instagram.
Seria necessário, aliás, pensar em formas de regulação disso, sob o risco de sermos submetidos a um governo de influencers.
Por que não suspender os perfis de todos os candidatos durante a campanha e concentrar seus conteúdos em um único espaço, administrado pela justiça eleitoral — uma espécie de HGPE da internet?
Ingênuo? Irrealizável? Inócuo? É provável que sim. Mas alternativas têm que ser pensadas e testadas.
Quem se sai melhor é Tabata Amaral. A jovem deputada da Fundação Lemman se mostra mais equilibrada diante do destempero do coach; seu estilo tecnocrático é o contraponto perfeito e ela se aproxima do que sempre procurou, ser a imagem do preparo e da ponderação entre os candidatos.
Mais um efeito negativo da presença de Pablo Marçal na campanha, é preciso anotar.
Por mais absurdo e patético que seja seu estilo, ele agrada a uma importante fatia do eleitorado que está sendo cada vez mais levada a ver agressividade como firmeza, incompetência como autenticidade e falta de compostura como indignação contra o sistema.
Feitas as contas, Marçal já é vencedor:
(i) Tornou-se o centro da campanha eleitoral, recebendo o máximo de atenção, que é algo que ele sempre persegue;
(ii) caso não chegue ao segundo turno, será dono de um cabedal de votos suficiente para vender caro seu apoio;
(iii) caso chegue, terá que ser “respeitado” como político e levado “a sério” pelos outros partidos.
(iv) Caso ganhe as eleições, terá na prefeitura gigantescas oportunidades para “bons negócios” — e se a cidade de São Paulo se lascar, como certamente ocorrerá, a culpa é de seus moradores;
(v) eleito ou com bom desempenho eleitoral, pode se colocar novamente em 2026, disputando a liderança da extrema direita (Jair Bolsonaro já sentiu o baque) ou, uma vez mais, vendendo caro seu apoio.
(vi) Qualquer que seja o resultado, está aproveitando a visibilidade da campanha para ampliar a base de seguidores, logo de clientes potenciais para suas picaretagens;
(vii) por último, mas não menos importante, tornar-se um “líder político” ajuda a blindá-lo contra as denúncias e processos por suas práticas estelionatárias.
O sucesso de Pablo Marçal é um sintoma dos problemas graves da política brasileira.
É preciso enfrentar tanto o sintoma quanto as causas — e o enfrentamento das causas passa necessariamente por educação política e elevação dos termos do debate.
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]
Publicado originalmente nas redes sociais do autor.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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