Lelê Teles: O triunfo do fracasso, fim da quarentena de Bolsonaro e choro do menino ney

A quarentena de Bolsonaro

Por Lelê Teles*

“deus é a mais perfeita criação do homem; o homem é mais imperfeita das criaturas de deus”, cacique papaku

por quarenta dias, bolsonaro foi um poeta.

seu silêncio se fez ouvir por toda a nação, foram dias de alívio e de glória para o povo.

durante esse período, o espírito dos derrotados conduziu o silencioso perdedor pela imensidão do seu deserto doméstico, para ser tentado por satanás.

“levanta, meu irmão”, ordenava satã, usando a voz gritante e belicosa de malafaia, “deixa de ser frouxo, pega teu cajado e teu berrante e conduza teu rebanho…”

as vozes golpistas atormentavam a mente e o espírito do capetão; ora o diabo usava a boca do velho silas, ora era braga netto que, mascando um chiclete invisível, sussurrava na cabeça do capetão, outrora era heleno; não raro, ouvia-se ecoar a gargalhada saliente de damares, “arrancavam os dentinhos das criancinhas nas goiabeiras… kkkk.”

foi assim que o nosso covarde messias amargou quarenta dias e quarenta noites, perambulando solitário pelos vastos salões vazios do alvorada.

às vezes, enrolava-se em um cantinho, rabo entre as pernas, a lamber as feridas que lhe carcomiam as canelas podres e lazarentas.

no silêncio ensurdecedor da casa de vidro, o infeliz era assombrado pelas sombras sombrias e pálidas das cortinas diáfanas que projetavam fantasmagóricas imagens nas paredes surdas do palácio.

de repente, do nada, surgia a imagem de um alucinado verde-amarelo agarrado no para-choque de um caminhão: “selvaaa”.

acolá, esfregando os olhos de incredulidade, o infeliz parecia ver a atriz cássia kis, ajoelhada no asfalto quente, aos pés da imagem de nossa senhora, performando uma personagem de dias gomes, a imitar a voz inconfundível de odorico paraguaçu: “povo de sucupira, avante!”

mais vozes surgiam em sua cabeça: “chifrudo, corno, gaiudo”, essa era a voz da ex-mulher de waldemar da costa neto.

e as projeções iam se sucedendo: aqui, midiotas blasfemam no muro das lamentações dos quartéis; ali, a marcha alucinada dos soldados da cabeça de papel; mais adiante, uma turma orando para um pneu de caminhão; uma patriota acrobata dando piruetas debaixo de chuva, um grupo tenta fazer contato com etês…

e o futuro presidiário passava dias e dias nessa alucinante agonia.

de repente, um raio rasga o firmamento, provocando um forte clarão no vão do palácio, causando tremor no amedrontado messias de araque.

chorando, punhos erguidos aos céus, ele fazia a oração de padre kelmon: “pelos chifres de baphomet, livrai-me dessas atentações…”

sua oração lacrimosa é cortada pelo trovejante estampido que vem dos céus.

tratratapuuummmm….

ouve-se uma estrondosa explosão relampagosa, surgem sons de chuvas e, pelas paredes, projetam-se agora armagedônicas imagens de barracas flutuando na lama e as vacas nelore indo pro brejo em meio aos dejetos dos banheiros químicos.

era o gado branco se afogando na enxurrada em frente ao qg do exército.

“levanta, meu irmão, deixa de ser frouxo”, a voz de malafaia martelando.

no trigésimo nono dia, já pela manhã, insone e varado de fome, bolsonaro é provocado uma vez mais pelo capiroto: “se és mesmo o messias filho e deus, manda essas esculturas de gesso se transformarem em pães e salsichas”.

sentindo o cheiro tentador do cachorro-quente, o necrarca resistiu ao diabo, respondendo com essas palavras: “está escrito, nem só de cão viverá o homem, mas de todo o latido que ele silenciar.”

e calado ficou, a mastigar e engolir as próprias lágrimas.

mas o diabo insistia: “tan tan tan tan tan….”, ouvia-se a vinheta da rede globo e surgia a voz de william bonner: “a justiça eleitoral acaba de confirmar a vitória de luis inácio lula da silva, do petê, na disputa da presidência da república…”

“buáááaááaá´”, o derrotado se banhava em lágrimas.

essa mensagem surgia noite e dia, repetidamente.

algumas vezes, na madruga, da escada em caracol esculpida em carrara que levava aos aposentos superiores, o perdedor ouvia os passos surdos de thor, o arrepiado cão cérbero que já habitou aquela morada com o seu dono golpista, temer, o vampirão do tuiuti, ouvia-se, também, o latido fino e choroso do pequeno picoli, o cãozinho de marcela temer, afogando-se na piscina do palácio.

alexandre de moraes aparece, vestindo longa toga negra, pega bolsonaro pelas mãos e voa com ele até o topo do palacete da justiça: “faça como sara winter e atira-te daqui de cima”, ordenou o capa-preta, “pois está escrito que os anjos lhe carregarão pelas mãos, amortecendo a tua queda”.

incréu como todo crente, bolsonaro declinou.

até que edir macedo o levou ao alto da torre de tevê e lhe mostrou toda a capital federal, dizendo-lhe: “tudo isso aqui poderá ser seu e dos seus filhos, basta que rache metade comigo”.

“vá de retro, satanás”.

e o capiroto bateu asas e voou.

já era madrugada quando o sete-peles, ardiloso, fez a poderosa márcia sensitiva aparecer no palácio, com um tabuleiro de cigana e uma bola de cristal.

pelo globo mágico, bolsonaro viu, antes que todos víssemos, o marquinhos errando o pênalti e caindo em prantos no gramado, o menino ney também se derretia em lágrimas, enquanto tite fugia em silêncio, bolsonaricamente.

“acabou””, disse a sensitiva, “tu não levantará taça alguma, o menino ney não dedicará gol algum à vossa pessoa; a seleção será derrotada amanhã à tarde como tu foste derrotado em outubro. tira o teu time de campo e aceita a derrota, seu cagão de merda!”

e a feiticeira virou fumaça e sumiu.

nesse momento, bolsonaro viu adentrar as portas do palácio a figura horrenda de waldemar da costa neto.

sorrindo com um demônio, o parlamentar estendeu as mãos ao paraquedista derrotado e lhe ofereceu, em troca de sua lealdade e submissão, uma mansão alugada, um escritório na capital e mais de 40 mil lascas mensais para o miliciano fazer o que sempre fez e faz melhor do que ninguém: nada.

“basta”, disse waldemar, “que toque o teu berrante e mantenha o gado em seu entorno, ordem unida”.

“mas como me seguirão se eu não presido mais porra nenhuma, waldemar…”

“cala-te”, ordenou seu novo chefe, “e faça o que te mando. de agora em diante será assim. as forças armadas te abandonaram, a polícia, em breve, baterá à tua porta, tua batata tá assando; lutarei bravamente por tua anistia, mas daqui até lá, lamberás os meus sapatos para teres garantida a tua ração diária”.

na manhã seguinte, bolsonaro vai ao espelho d’água do alvorada; ele de um lado e o gado mocho na outra margem; seguranças por toda a parte.

“nós despertamos o patriotismo no brasil”, começou ele depois da quarentena silenciosa, “o povo voltou a admirar sua bandeira, voltou a acreditar que o brasil tem jeito…”

do alto, ao lado de satã e de malafaia, waldemar sorria folgado, manipulando as cordinhas e fazendo a marionete de bolsonaro se mexer.

daqui pra frente, o necrarca será um boneco de ventríloquo de costa neto, será uma mistura de queiróz e wassef, um pau mandado, um cachorro louco.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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