Lelê Teles: A morte do bezerro de ouro forjado nas redações do PIG
A morte do bezerro de ouro
“o mito é o nada que é tudo”, fernando pessoa
Por Lelê Teles*
sinto o cheiro fétido e putrefato do cadáver insepulto do mito desmitificado.
desde que foi derrotado nas urnas, o espantalho que ainda nos governa mantém-se silente, sorumbático, trancafiado na casa de vidro.
nas primeiras semanas após o fracasso nas urnas, o capetão apresentava um quadro deprimente, chorava no chuveiro e no travesseiro, negava receber visitas e faltava ao trabalho.
comportava-se não como um líder, mas como um sujeito fraco, um mau perdedor, um covarde.
nos seus primeiros dias de reclusão e silêncio, o gado bípede que o segue, fanaticamente, interpretou o mutismo como um sinal; era uma estratégia, como o silêncio que antecede o esporro.
com a coragem dos covardes, o rebanho inteiro foi às ruas, o mugido triste do nelore, o gado branco, fez-se ouvir nas portas dos quarteis por todo o país.
enquanto pediam ajuda para as forças armadas, eles oravam, rezavam e cantavam salmos e hinos militares.
parecia que iam derrubar a república apenas com alaridos sonoros, como fizera o povo de israel com as muralhas de jericó.
sucederam-se dias e noites, a multidão, um pouco mais eufórica, já cantava e dançava; patriotas faziam churrascos, agarravam-se em boleias de caminhões, adoravam um pedaço de pano colorido.
a turma ruidosa dormia em barracas, usava banheiros unissex e enfrentava, bravamente, raios, trovões e tempestades.
cassia kis beijava uma santa, luisa tomé tomava aulas de midiotia, rodrigo constantino constatava, lá de orlando, que o fim estava próximo.
patriotas começaram a criar flashmobs, dancinhas, coreografias, contatos extraterrestres…
e, assim, começaram a surgir os primeiros memes; e eles foram se multiplicando.
até que decidiram partir para a ação concreta e resolveram bloquear ruas e avenidas por esse brasilzão afora.
as polícias, coniventes e omissas, ignoravam os crimes.
mas, no meio do caminho, tinha mais uma rodada do brasileirão, e os gaviões da fiel, a mancha verde, a torcida jovem e a galoucura decidiram abrir passagem, botando os patriotários pra correr: “rapa fora, cambada de midiotas!”
as ruas pegavam fogo, enquanto isso, o necrarca continuava trancado em casa, chorando.
o corpo do sujeito, somatizando as dores d’alma, começou a se encher de brotoejas; a perna gangrenava uma ferida purulenta que lhe obrigava a ficar prostrado.
o infeliz estava apodrecendo como um morto vivo.
sempre que o besta-fera fica muito nervoso, é bom não esquecermos, seu corpo somatiza as dores d’alma e ele apresenta dificuldades em arrotar, bufar ou cagar, já foi levado ao médico diversas vezes por essas fraquezas de espírito.
há quase um mês, no deserto úmido que se tornou brasília, o povo o espera uma palavra do touro mecânico, acreditando que ele logo ressurgirá, do alto de uma montanha, montado num corcel negro, a soprar um shofar de chifre de carneiro, a anunciar a boa nova: “liberdade”.
no entanto, a ampulheta mostra poucos grãos de areia na parte superior, o tempo está passando.
moisés, o egípcio, libertou os israelitas da escravidão na áfrica e prometera levá-los à terra prometida, conta uma lenda antiga.
um certo dia, depois de muito vagar pelo deserto, moisés subiu ao monte sinai para conversar com o todo poderoso.
lá embaixo, o povo aguardava o seu líder.
passaram-se 40 dias e 40 noites e nada do cabra voltar.
atarantados com o silêncio tumular, sentindo-se abandonados, pediram a aarão que lhes fabricasse um novo mito.
então, juntando brincos, colares e anéis de ouro da multidão, aarão forjou um reluzente bezerro de ouro, e o povo passou a adorá-lo.
daqui a pouco mais de dez dias e dez noites, o chorão perdedor completará o número cabalístico de moisés.
o senador-general, mourão, o nosso aarão verde-oliva, percebeu a oportunidade, “vai lá falar com o teu povo”, provocou o mito mudo durante uma cerimônia na aman.
e o covarde se acovardou novamente, mantendo-se calado.
um silêncio eloquente, fala muito sobre quem não está a falar, porque, por zeus, em momentos de dificuldades até o asno de balaão falou!
é por isso que a multidão já começa a demonstrar sinal de desânimo, uns já começam a dizer que não é por bolsonaro que estão nas ruas, é pela democracia.
é como se dissessem, “fabriquem para nós um novo ídolo”.
bolsonaro não é moisés, é bom que se diga, ele é, ele mesmo, um bezerro de ouro.
bolsonaro foi forjado nas redações dos jornalões, lembro-me, porque nunca me esquecerei, da senhora judith brito, então presidenta da associação nacional dos jornais e executiva do grupo folha dizer, sem corar, que os “meios de comunicação estão fazendo de fato a oposição oposicionista deste país”.
com essa frase, judith fundou o PiG, o partido da imprensa golpista.
é que os bilionários donos dos jornalões estavam decepcionados com o psdb e com as sucessivas derrotas que o partido vinha sofrendo para o petê.
então, decidiram fazer o que fizeram em 1989, com collor de mello, fabricaram um candidato.
se lá tínhamos o caçador de marajás, aqui temos o antissistema, o farofeiro simples e comedor de leite condensado.
bolsonaro, um personagem desconhecido da política nacional, um anão parlamentar menor que o severino cavalcanti de uma hora pra outra virou arroz de festa em programas televisivos.
os programas mais idiotas da tevê passaram a apresentá-lo como um cara engraçado, gente como a gente, língua solta, sem filtro e de pulso firme.
branco, heterossexual, cristão, homofóbico, racista, classista, militar, metido a machão e anticomunista.
o cqc e o pânico fizeram dele um ícone do politicamente incorreto; luciana gimenes o transformou no babado da semana, tinha sempre uma coisa cabeluda para dizer sobre ele, uma fofoca, uma anedota, sempre sorridente.
era preciso suavizar a sua brutalidade e transformar em galhofa as suas satanices.
depois de derreterem todos os brincos, anéis e colares dos jornalistas irresponsáveis e carreiristas, estava forjado o bezerro de ouro.
só lhe faltava o sacrifício simbólico, foi aí que veio a facada sem sangue.
bolsonaro não é a voz de uma multidão, ele é um porta-voz apenas.
bolsonaro é só um produto que coube dentro daquela embalagem.
não existe um bolsonarismo como doutrina filosófica ou pensamento político; o bolsonarista é, por definição, um sujeito sem ideias.
o bolsonarista nem é uma novidade, estávamos acostumados com ele em nossas festas de fim de ano e nos churrascos da família.
e o tiozão que faz piada racista e machista.
a tia fútil que se alegra em humilhar a empregada, é a turma do pânico, do cqc e da luciana gimenes.
é um sujeito conservador que quer manter os seus privilégios de classe e de cor e que odeia gente pobre e detesta quem quer tirá-los da pobreza.
o bolsonarista vive em dois brasis, onde um serve apenas para servir ao outro.
esses caras e essas caras estavam por aí o tempo todo, a gente só não dava um nome a elas.
são pessoas vazias, presas à ideologia de gênesis, que é pegar frases soltas e sem contexto da bíblia e usá-las à exaustão, para justificar a falta de leitura.
por isso que o necrarca é somente um porta-voz.
os que ainda estão com bolsonaro, estarão com qualquer outro que se mostre paudurescente, homofóbico, racista, classista e anticomunista, seja lá que diabos isso signifique.
não faltam anéis, brincos, pulseiras e colares para serem derretidos para o fabrico de um novo bezerro de ouro.
temos aí tarcísio, moro e mourão prontos para embezerrar.
os que antes diziam “não abandonarei jair nem que a vaca tussa”, parecem ter se cansado de tomar chuva de granizo no lombo, vendo a vaca ir pro brejo.
percebem, agora, depois de verem o filho do bozo se divertindo no catar, que deram com os burros n’água e que é chegada a hora de tirar o cavalinho da chuva.
o jornalismo da dona judith continuará a mentir, a pedido dos patrões, entregando os anéis e os dedos, forjando fatos e criando mitos, justificando a máxima do poeta oswald de andrade: “a gente escreve o que ouve, não o que houve”.
palavra da salvação.
*Lelê Teles é jornalista – DRT 1799/SE, publicitário e roteirista
Publicação de: Viomundo