Fórum Socioambiental do RS encaminha recomendações para reconstrução do estado
Integrantes do Fórum Socioambiental do Rio Grande do Sul entregaram, nesta terça-feira (11), ao Núcleo de Defesa Ambiental da Defensoria Pública Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), documento que elenca diretrizes para recuperação ambiental e reconstrução do estado. O documento leva em conta o Relatório da Missão-denúncia sobre os impactos das tragédias climáticas no Vale do Taquari, de 27 e 28 de novembro.
Entre as recomendações, está a de que reassentamentos devem ser realizados observando a dignidade e proteção a riscos da população atingida, evitando e prevenindo que as novas obras coloquem em risco outros grupos populacionais. “Para tanto é condição imprescindível que esses observem rígidos padrões e a totalidade da legislação atinente ao regramento ambiental, ordenamento territorial, padrões de saneamento, diretrizes de gestão de recursos hídricos advindos dos planos de bacias hidrográficas e de proteção e prevenção a riscos a vidas humanas – com vistas à redução de vulnerabilidades.”
O documento também chama atenção para a necessidade de revisão das flexibilizações ocorridas, por meio da Lei 15.434/2020, no Código Estadual de Meio Ambiente e no Código Florestal do Estado. Assim como processos mais recentes, de iniciativa do Executivo, nas regras ambientais para facilitação da construção de barragens em áreas de preservação permanente.
“O Fórum Socioambientalista formou-se com ambientalistas e organizações históricas do estado, a partir do chamado da Defensoria Pública, visando uma contribuição substancial para a sua atuação na defesa dos vulnerabilizados. Estes, no contexto das enchentes, das crises climáticas, são os mais impactados, sofrendo racismo e injustiça ambiental. Este documento entregue são contribuições iniciais, que ainda serão aprofundadas pelo Fórum”, pontua o ouvidor-Geral da DPE-RS e integrante do Fórum, Rodrigo de Medeiros Silva.
Veja abaixo o documento completo:
As organizações e militantes ambientalistas, abaixo-assinados, integrantes do Fórum Socioambiental do Rio Grande do Sul, vêm apresentar princípios e diretrizes que devem ser observadas na recuperação ambiental e reconstrução do estado do Rio Grande do Sul. Leva-se em conta também o conteúdo do “Relatório da Missão-denúncia sobre os impactos das tragédias climáticas no Vale do Taquari”, de 27 e 28 de novembro. Desta forma, pontua-se:
1.Os reassentamentos devem ser realizados observando a dignidade e proteção a riscos da população atingida, evitando e prevenindo que essas novas obras coloquem em risco outros grupos populacionais. Para tanto é condição imprescindível que esses observem rígidos padrões e a totalidade da legislação atinente ao regramento ambiental, ordenamento territorial, padrões de saneamento, diretrizes de gestão de recursos hídricos advindos dos planos de bacias hidrográficas e de proteção e prevenção a riscos a vidas humanas – com vistas à redução de vulnerabilidades;
2.Faz-se necessária a revisão das flexibilizações ocorridas, por meio da Lei 15.434/2020, no Código Estadual de Meio Ambiente e no Código Florestal do Estado, e em processos mais recentes, de iniciativa do executivo, nas regras ambientais para facilitação da construção de barragens em áreas de preservação permanente, inclusive considerando seus riscos atuais e anunciados de ruptura de suas estruturas e consequentes calamidades às populações em caso de chuvas torrenciais como aquelas de maio de 2024 no vale do rio Taquari-Antas, e na anulação do Decreto nº 51.595, de 23 de junho de 2014, que instituía a Política de Desenvolvimento de Regiões Afetadas por Empreendimentos Hidrelétricos – PDRAEH, e a Política Estadual dos Atingidos por Empreendimentos Hidrelétricos no Estado do Rio Grande do Sul;
3.Importante realizar as políticas de uso e ocupação do solo nas bacias mais afetadas pelas enxurradas e enchentes, necessitando-se de uma Revisão da Política Ambiental de Preservação e Restauração de Áreas Úmidas, Matas Ciliares, Matas de Encosta e Outras Zonas Naturais de Defesa Contra Enchentes. É imperativo realizar uma revisão abrangente da política ambiental voltada para a preservação e restauração de áreas úmidas, matas ciliares e outras zonas naturais que funcionem como barreiras naturais contra enchentes. Esta revisão deve incluir a recuperação imediata da vegetação nativa desde as cabeceiras dos rios, restaurando-se a mata ciliar ao longo de todas as margens de cursos d’água e encostas, tanto em áreas rurais quanto urbanas, especialmente nos rios afetados, como é o caso dos rios Taquari e Antas. A restauração deve ser realizada em conformidade com os limites mínimos estabelecidos pelo Código Florestal Brasileiro, pela Lei da Mata Atlântica e pela legislação específica de proteção contra riscos à vida humana. Essas ações são fundamentais para a mitigação de desastres naturais, promovendo a resiliência dos ecossistemas e a proteção das comunidades locais contra eventos de inundação;
4.Deve haver recuperação imediata da vegetação nativa ciliar e de encosta em todas as margens dos cursos de água e encostas, nas áreas rurais e urbanas dos rios atingidos, como no caso do Taquari – Antas, nos limites mínimos estabelecidos pelo Código Florestal brasileiro, pela Lei da Mata Atlântica e pela legislação de proteção a riscos a vidas humanas;
5.Importante que o reflorestamento observe as áreas que não mais serão reconstruídas, bem como as ainda ocupadas de forma irregular, sendo estas gravadas nos planos diretores como Zonas de Restrição Ambiental e de Riscos;
6.A semeadura deve observar critérios técnicos de viabilidade e gradiente de sucesso baseados em estudos de campo. Tanto na semeadura como no plantio, deve ser obrigatoriamente observado a sucessão vegetal correta dos extratos florestais, da vegetação primária à terciária, e a manutenção permanente durante o desenvolvimento das coberturas vegetais implantadas, além, é claro, de basear-se em estudo completo da geografia, geologia, e levantamento da fauna e flora local pretérita. Nada feito açodadamente, devendo se considerar o conhecimento científico e a complexidade da Natureza. A presença dos professores, e professoras, pesquisadores e pesquisadoras das faculdades, universidades e institutos federais e comitês de bacias hidrográficas, botânicos, zoólogos, biólogos, viveiristas, etc., é imprescindível;
7.Revisão de critérios de Diagnóstico Socioambiental com vistas a redefinição de faixas mínimas de APPs em áreas urbanas consolidadas, incorporando a integralidade das áreas inundadas e, também, daquelas de passagens de enxurradas como de preservação permanente e de exclusão à edificações;
8.As prefeituras municipais, governo do estado do RS e o governo federal devem garantir a participação da sociedade na destinação e no uso de forma transparente dos recursos municipais e a divulgação imediata dos planos aprovados. Recomenda-se a realização de reuniões de prestação de contas à sociedade civil, onde informações claras sobre a aplicação dos recursos sejam disponibilizadas pelas prefeituras;
9.As prefeituras municipais, governo do Estado do RS e o governo federal devem garantir a participação ativa e informada da população nos processos decisórios enquanto componente essencial dos direitos humanos e como direito fundamental consagrado na Constituição Federal de 1988. Garantir que os afetados participem do planejamento das ações de reparação é crucial para respeitar o direito à participação e assegurar que suas necessidades sejam consideradas, sendo aconselhável a criação de conselhos e fóruns de participação social com categorias previamente definidas e que incluam todos os segmentos, além daqueles legalmente previstos em instâncias participativas e deliberativas – como conselhos de desenvolvimento rural, plano diretor, meio ambiente, comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas e outros ;
10.Os planos de bacia hidrográfica devem ter as suas diretrizes internalizadas e implementadas, com estímulo à participação social, fortalecendo os Comitês de Bacia, e disponibilização de estrutura técnico-administrativa e recursos, já previstos em lei, para sua implementação – traduzida na implantação das agências de região hidrográfica. Importante que estas diretrizes não sejam ignoradas e sejam observadas pelos planos diretores, de saneamento, ordenamento territorial e no licenciamento ambiental dos municípios e do Estado;
11.Incluir necessariamente as universidades e outras instituições de pesquisa do Estado – cuja expertise é reconhecida internacionalmente – e os comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas – instâncias de participação social e multisetorial com atribuições legalmente definidas na gestão também de riscos hidrológicos – nos programas de reconstrução, evitando a contratação de consultorias externas para diagnósticos que já foram feitos por diferentes instituições técnicas do Rio Grande do Sul;
12.A oitiva e a construção participativa deve também ser realizada, para além das pessoas atingidas e da sociedade civil organizada, dos conselhos municipais e estaduais competentes;
13.Revisão imediata das leis que representam retrocessos socioambientais e alteração de todos os planos, programas e projetos urbanos e ambientais, incluindo nos planos urbanísticos os planos de prevenção previstos no artigo 42-A do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) que diz respeito aos municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos;
14.Imediata identificação e realocamento de empreendimentos danosos ao meio ambiente, que se encontrem nas áreas das cheias, como curtumes e indústrias químicas e seus armazéns;
15.Garantir a atenção integral à saúde, incluindo apoio psicológico, das vítimas das enchentes de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde;
16.Criação de estratégias completas para a mitigação e prevenção de problemas de saúde mental durante desastres naturais, tendo em vista o risco de morbilidade psicológica e de mortes aumentado com a deslocalização e a interrupção de serviços essenciais à saúde mental da população atingida;
Assinam o documento:
Felisberto Seabra Luisi Conselheiro da Região gestão de planejamento RGP1 do conselho municipal de desenvolvimento urbano/ambiental.
Rodrigo de Medeiros Silva- Ouvidor-Geral da DPE-RS
João Telmo de Oliveira Filho – Advogado, doutor em Planejamento Urbano e Regional, pós doutor em direito, Professor Ufsm, Conselheiro Titular Sul do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU.
Jacqueline Custódio – Advogada, Conselheira Titular do Conselho Nacional de Políticas Culturais e Coletivo Cais Cultural Já
Rafael José Altenhofen – Biólogo, mestre em Diversidade e Manejo da Vida Silvestre, coordenador da União Protetora do Ambiente Natural – UPAN e presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Caí – Comitê Caí.
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico- Seção Sul.
Roselaine Murlik – Médica de Família a Comunidade – Grupo Hospitalar Conceição Maximiliano José Limbacher – Movimento Não ao Lixão Metropolitano de Viamão e Coletivo Preserva Redenção.
Acesso- Cidadania e Direitos Humanos
Francisco Milanez, biólogo, arquiteto e urbanista. Especialista em análise de impacto ambiental, mestre e doutor em Educação em ciências.
Paulo Brack- Biólogo e Mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Participa ou participou em Conselhos de Meio Ambiente (COMAM, CONSEMA e CONAMA), representando voluntariamente o InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais nestes espaços de representação da sociedade;
InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais nestes espaços de representação da sociedade.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog