Exclusivo: Advogada Tânia Mandarino conta o que ‘Mamãe Falei’ fez a estudantes secundaristas de Curitiba; vídeos
Por Tânia Mandarino*
“Vocês são todas gostosas, se me acharem bonito é só chegar; posso beijar todas as meninas” (Arthur Moledo Val, o “Mamãe falei”, a ESTUDANTES ADOLESCENTES, EM 2016, dentro de Colégio Estadual, em Curitiba)
Julguem-no somente pelo que ele fez.
Em 19 de outubro de 2016, uma estudante secundarista de 17 anos de idade, a quem passarei a chamar de Karol (nome fictício) estava nas dependências do Colégio Estadual do Paraná, quando observou que um homem filmava, de forma ofensiva e provocativa, a ocupação dos estudantes, da qual ela participava.
Karol e seus colegas, em sua maioria adolescentes, orientaram o provocador que cessasse a captação de imagens, pois eram menores de 18 anos e suas imagens não deveriam ser captadas ou divulgadas, pedindo que o homem se retirasse do local.
Além de não atender o pedido dos estudantes, o provocador permaneceu no local, proferindo palavras de baixo calão. Com a câmera desligada, ele tinha um comportamento, com a câmera ligada, outro.
Umas das graves ofensas proferidas pelo delinquente foi dizer às estudantes, que ali estavam, palavras chulas e de conotação sexual, tais como: “vocês são todas gostosas, se me acharem bonito é só chegar; posso beijar todas as meninas”.
Ele era apenas o dono de um canal no Youtube, chamado “Mamãe Falei”, que vivia de provocações políticas e outras baixarias que eram práticas constantes no MBL, movimento financiado pelos políticos da vez que melhor patrocinem os mercenários conservadores, oscilando, ora com Bolsonaro, ora com Sérgio Moro, mas sempre com o verniz nazistificado, inconfundível.
Seguindo com seu comportamento delitivo, o homem, que se chamava Arthur Moledo Val, e contava, então, com 30 anos de idade, ainda segurando a câmera e filmando, porém, sem enquadrar a imagem em seu vídeo, passou a mão pela lateral do seio e a cintura de Karol, que tinha 17 anos de idade.
Nesse momento, as pessoas presentes ao local, afastaram o homem dali, colocando-o para fora do estabelecimento de ensino, momento em que Karol, acompanhada por sua irmã e por um advogado que estava no local, decidiu se dirigir até uma delegacia, para fazer registrar a ocorrência.
Como naquele dia a Polícia Civil do Paraná estava em greve, a Delegacia da Mulher, que fica logo ao lado do local dos fatos, recebeu Karol para o registro da ocorrência. Se dizendo agredido, o Mamãe Falei também adentrou a Delegacia da Mulher e exigiu registrar um boletim de ocorrência.
Durante sua permanência naquela delegacia, ele transmitia ao vivo em seu canal, fazendo uso de palavras desrespeitosas, que distorciam a verdade dos fatos e debochavam da instituição de polícia, que é a Delegacia da Mulher.
Matéria sobre o episódio foi publicada pelos Jornalistas Livres, da qual se destaca:
(…) Neste momento ele começou a assediar. No cordão de isolamento quando ele empurrava as meninas, empurrava pelos seios. Nós estávamos simplesmente protegendo o prédio”, diz L.
Não bastasse o assédio físico, Arthur assediava verbalmente menores de idade dizendo coisas como: “linda, me dá um beijo”, “gostosa”.
(…) Faziam perguntas estúpidas como: ‘o que você faria se o MST invadisse sua casa?’ Ele virava a câmera [ocultando o rosto] e mandava beijinhos para as meninas.
(…) Como não conseguiu forçar sua entrada, continuou com sua estratégia. “Ele ficou agressivo e provocativo, em um momento falou que me achou uma gracinha, falei ‘cara, me respeita tenho noivo’, mas ele falou ‘vai dizer se você fosse solteira, você não ficava comigo?’”.
Na delegacia, o advogado que acompanhava Karol denunciou o fato como estupro de vulnerável, mas, por determinação da autoridade policial de plantão, tipificou-se o crime, no Boletim de Ocorrência, como importunação ofensiva.
Nesse particular, é preciso informar que o artigo 217-A do Código Penal Brasileiro tipifica como estupro de vulnerável não só a conjunção carnal, mas também a prática de qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos e prevê uma pena para o crime, que é a reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Mesmo assim, em suas redes sociais, o tal Mamãe Falei fez um estardalhaço, negando que tivesse encostado na adolescente e faturando com o se dizer “vítima de uma falsa denúncia de estupro em Curitiba”.
Me lembro que, após ter sido procurada por estudantes secundaristas, recebi a adolescente acompanhada de sua Mãe e Irmã, numa sexta-feira, já tarde da noite, no escritório.
A dignidade da família era tangível e Karol, sobretudo, era tímida e muito reservada.
Em entrevista aos Jornalistas Livres em 23 de outubro de 2016 (veja abaixo), uma testemunha dos fatos presta precioso depoimento sobre os assédios impostos por Arthur Moledo Val a Carol:
”Ela tá sofrendo ameaças; ela tem medo de sair hoje; ela vem acompanhada pra cá, dos pais, tanto ela quanto os outros estudantes que foram agredidos.
E eu acredito que ela vá precisar de um acompanhamento, pois pode prejudicar, né, psicologicamente, ela pode acabar desenvolvendo uma síndrome do pânico ou depressão, né, pelo assédio que ela sofreu.
Tanto que ela veio no dia seguinte aqui na escola e contou da questão dessas ofensas, que começaram a ameaçar ela de morte, chamar ela de vagabunda, falar que iam processá-la por falsa comunicação de crime”.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=3slHyegSs9w?feature=oembed&w=500&h=281]
Enviamos a notícia do fato para a Promotoria da Vara de Infrações Penais contra Crianças e Adolescentes de Curitiba.
Mas a Promotora preferiu arquivar, entendendo tratar-se de contravenção penal chamada à época de “importunação ofensiva” (hoje, importunação sexual). E remeteu a questão para um dos Juizados Especiais Criminais de Curitiba.
Tivemos que peticionar pedindo que o segredo de justiça fosse respeitado, porque nem em segredo estava o processo que fora remetido para o Juizado especial Criminal, já que se tratava de uma adolescente submetida à importunação sexual por um homem de 30 anos!
Arthur Moledo Val chegou a vir a Curitiba para uma audiência preliminar criminal, mas o caso acabou sendo arquivado por insuficiência de provas. Na ocasião, Karol estava exausta e se sentia profundamente constrangida. Ela recém havia perdido o Pai, e sua Mãe trabalhava como Diarista.
Karol sofrera muito, diante de todo o constrangimento – inclusive sexual – que lhe fora imposto por Arthur Moledo Val. Por isso, bastante deprimida à época, ela não teve animo para colacionar as provas necessárias à condenação do delinquente naquele termo circunstanciado, e o processo criminal acabou sendo arquivado por justa causa.
Dois anos depois, quando já atingira a maioridade, Karol foi chamada para responder uma ação de danos morais, movida contra ela por Arthur Moledo Val.
O meliante, aproveitando-se do arquivamento do feito criminal por falta de provas, foi para um juizado especial cível pedir a condenação da jovem que ele importunara sexualmente. Reivindicou R$15 mil como indenização por ter sofrido “enorme preocupação e angústia” quando ela o denunciara.
Quando recebeu a citação, Karol me telefonou angustiada. Me disse que precisava de ajuda, mas não gostaria de reviver a situação. Que estava noiva, pretendia se casar e esse assunto a constrangia demais. Tudo o que ela queria era colocar um ponto final no assunto, sem ser condenada a indenizar aquele ser abjeto que a ofendera.
Avisei a Karol que eu somente a defenderia se pudesse realmente ir pra cima do dito cujo. Dessa vez reuniria provas e inclusive pediria o desarquivamento na esfera criminal, com base nas provas reunidas.
Além disso, faria um pedido contraposto na ação cível, para buscar que ele fosse condenado a indenizá-la por todos os danos que lhe causara.
Karol relutou. Ela, de fato, não queria revolver aquelas traumáticas memórias. Acabou se fiando em outro advogado que prometeu ajudá-la e, quando se deu conta, estava sozinha com Arthur Moledo Val e seu advogado numa audiência de conciliação — a primeira que aconteceu no processo cível.
Depois disso, voltou a me procurar. Disse que aceitava minha defesa nos termos que eu julgasse necessários e lá fomos nós, com pedido contraposto amplamente fundamentado e defesa que demonstrava de forma cristalina que Karol não deveria ser condenada ao pagamento de nenhuma indenização para Arthur Moledo Val.
No dia da audiência de instrução, antigos participantes das ocupações secundaristas que estavam sabendo do caso, me enviaram um vídeo de gravação de tela com os stories do, agora deputado estadual por São Paulo, Arthur Moledo Val Mamãe Falei.
Nesses stories, ele gravava vídeo dentro de um confortável jatinho, dizendo que estava indo pra Curitiba “responder mais um processo, como é de praxe”. O cara é tão babaca, que até se esqueceu de quem entrara com a ação era ele.
Como se não bastasse, ele pegou na internet uma foto minha, Tânia Mandarino, e postou nos stories com a frase:
“A advogada da estuprada é do PT”
Diante da violação de minhas prerrogativas profissionais, antes da audiência começar me dirigi à sala da juíza e mostrei os stories, a fim de que ela fosse avisada sobre o que teria pela frente.
Requeri, também, que Karol fosse autorizada a não permanecer, nem por um momento, na sala de audiências com o agressor, porque se sentia completamente ameaçada e constrangida na presença dele, o que foi prontamente deferido.
Karol estava acompanhada por um valente professor de luta, Fabiano Stoiev, que permaneceu com ela e sua testemunha o tempo todo no saguão do Juizado, amparando-as.
Antes de Karol entrar para depor, o deputado teve que se retirar da sala de audiências, de modo que sua tranquilidade foi preservada, ao menos em relação àquela presença inoportuna.
Conforme vídeo abaixo, durante o depoimento do Autor da ação, a Juíza lhe perguntou sobre a postagem ofensiva feita nos stories do Instagram.
Somente depois da audiência, quando a sentença foi homologada por um juiz togado, que percebi que a juíza que conduzira a audiência era uma juíza leiga (figura institucional nos juizados, que é uma operadora do direito comum que passa numa seleção para presidir audiências e dar sentenças que na sequência são homologadas pelo juiz togado).
Arthur Moledo Val perdeu a ação, mas a juíza também não deferiu o pedido contraposto de Karol, para que fosse indenizada por ele, amplamente fundamentado.
Ontem, 4 de março, vi o perfil da juíza leiga no Facebook e constatei que ela é totalmente bolsonarista (com compartilhamento de jejuns malafaianos e tudo mais).
Mas preciso reconhecer que, apesar de ter se omitido em tutelar os direitos de Karol na sentença (de responsabilidade do juiz togado que a homologou), a juíza leiga conduziu a audiência com muita firmeza, competência técnica e dignidade.
Eu poderia ter recorrido com enormes chances de reverter a decisão quanto ao dever do deputado Arthur Moledo Val em indenizá-la, mas a Karol bastou que nossa defesa tivesse sido acatada e ele perdido a ação. Ela não estava interessa em dinheiro; só queria a paz de saber que não voltaria a ser importunada outra vez por aquela pessoa nefasta.
Eu, que desde 2016, sou ameaçada de morte por essa gente, respeitei a vontade de Karol. Tempos depois morri de chorar, emocionada, quando ela anunciou seu casamento e gravidez. Foi a primeira vez em que eu a vi leve e com um brilho intenso de felicidade no olhar.
Pelas redes, acompanhei o nascimento de seu bebê e a harmonia que ela construía em seu entorno. Essa era a maior recompensa que eu poderia receber por ter defendido uma jovem de alma tão bela que vivera um período de muita angústia por conta das atitudes de cunho fascista que tivera que enfrentar, como estudante, durante as ocupações secundaristas de 2016.
Ontem, quando ouvi naquele aquele áudio criminoso do deputado paulista (que pretendia ser governador de São Paulo e sobre quem se cogitara ser vice de Moro) que ele fora à Ucrânia fazer coquetéis molotov (com dinheiro público?) num ato de puro terrorismo e violara a dignidade de milhões de mulheres ucranianas – e de todas as mulheres do planeta, compartilhei o áudio imediatamente com Karol
O teor da conversa, no WhatsApp, foi o seguinte:
“Karol, querida, talvez você não queira ver essa merda, mas te mandei somente pra você ver que a verdade um dia aparece, não importa o quanto demore. Um beijo para você e sua criança!”
Karol, então, me respondeu:
“Oi, Tânia, sempre soubemos quem ele é, obrigada por compartilhar comigo pra lembrar que nenhuma luta é em vão. Beijos e obrigada por tudo que fez por nós.”
Eu já enviei o áudio para a Promotora que havia dito que o Mamãe Falei não cometera crime contra a adolescência, no caso de Karol.
Foi para conhecimento… Essas coisas sempre podem enriquecer o trabalho de uma operadora do direito.
Karol tem o Japão na linhagem paterna e a Polônia na materna. Como todas as estudantes que participaram das ocupações secundaristas de 2016, no Paraná, é uma filha da Classe Trabalhadora. Hoje uma Mulher que trancou a faculdade de Engenharia Ambiental para se dedicar à educação de sua criança.
Quanto a Arthur Moledo Val confirmou mais uma vez quem é. Dessa vez na Ucrânia, ao lado do mesmo Renan que o acompanhava durante as provocações delituosas a estudantes em Curitiba.
No vídeo abaixo, Renan, líder do MBL, incita o estupro.
Na Ucrânia, Mamãe Falei mostrou ao mundo toda a sua misoginia, xenofobia e indignidade.
Não deve continuar ocupando uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e sua cassação é a menor medida que se impõe.
Com a autorização de Karol, estou contando sua história. As gentes precisam saber o que acontece nos quintais das gentes para evitar eleger novamente monstros como Arthur Moledo Val.
*Tânia Mandarino integra o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).
Publicação de: Viomundo